Fire Emblem: Three Houses


Há pouco mais de seis anos atrás, os fãs ocidentais de Fire Emblem temiam o fim. Era aquela série de videojogos pouco conhecida, cujas personagens até apareciam nos jogos de Super Smash Bros., mas muitos não sabiam quem eram. Isto, claro, até ao dia em que tudo mudou! Fire Emblem: Awakening, na Nintendo 3DS, acabou por trazer um gigantesco salto de popularidade com grande RPG tático e uma história envolvente, que acabou por colocar na ribalta o nome "Fire Emblem".

Hoje, esta é uma das séries mais populares da Nintendo, mas nem por isso foi reduzido o esforço em desenvolver algo ainda melhor e mais surpreendente. Eis, então, Fire Emblem: Three Houses!


Quando foi anunciado, este título pareceu um pouco estranho, devido à sua premissa. O protagonista é uma personagem contratada pelo mosteiro Garreg Mach, instituição independente e central do continente de Fódlan, cujas terras estão divididas em três territórios: o império de Adrest, o reino de Faerghus e a aliança Leicester. Neste mosteiro, existe uma academia escolar onde são formados alunos das três regiões, pelo que caberá ao jogador escolher a qual delas se irá querer vincular enquanto professor. Como assim, um Fire Emblem onde se dá aulas a adolescentes?

Na realidade, o jogo começa um pouco antes disso, quando o protagonista que estava descansado da sua vida numa aldeia acaba por ter de ajudar três desses estudantes, que estão a ser alvo de um ataque de rufias. Servindo de tutorial, a primeira batalha explica o funcionamento do jogo enquanto RPG tático. O cenário funciona como uma espécie de jogo de tabuleiro, onde cada personagem se pode movimentar um certo número de casas e atacar os adversários conforme as armas que tenha à disposição. Em cada turno, é importante ter em conta não só os avanços da equipa, como aqueles que os adversários poderão fazer no turno seguinte, o que faz deste um título ideal para quem gosta de estratégia.


Naturalmente, os três alunos ficam profundamente agradecidos e impressionados com a ajuda que tiveram, sendo esta a razão que leva o protagonista até ao mosteiro, onde adquire então o cargo de professor. Será este um acaso feliz, ou algo pré-destinado? Na verdade, compete ao jogador decidir qual das turmas irá querer ensinar durante o próximo ano letivo, tendo para isso a possibilidade de conhecer todas as personagens, uma a uma, conversando com elas e os respetivos líderes. E que importante será essa escolha, pois cada grupo terá diferentes caraterísticas por causa dos vários alunos e as suas personalidades, além das habilidades próprias que os irá distinguir dos restantes no campo de batalha.

Que turma escolher? Sabendo que cada região tem na escola o seu futuro líder, a qual delas deverá o professor associar os seus ensinamentos, e o que é que isso poderá significar depois? Afinal, o professor estará a participar na formação de alguém que um dia terá de liderar um exército, no caso de algo correr mal e, logo cedo neste jogo, se perceberá que há certos interesses em que algo corra mal. Talvez por isso mesmo o professor seja uma personagem até bastante neutra, deixando que sejam as escolhas do jogador a influenciar a história.

Escolhida a equipa, começa o ano de ensino. De mês a mês, haverá atividades marcadas no calendário, incluindo uma espécie de objetivo mensal definido pela arcebispa Rhea, líder do mosteiro. O jogo divide-se, então, em duas categorias principais: a vida no mosteiro e o campo de batalha.


O passar do tempo, na maior parte dos dias, será algo completamete automático, enquanto o professor está a dar aulas, ficando a jogabilidade apenas nos dias chamados "Day Off", o dia de folga onde se pode fazer o que apetecer, sendo que as principais escolhas estarão entre explorar o mosteiro ou combater, aquilo que se achar melhor naquele momento. É aqui que a personalização do jogo brilha, pois tirando os dias onde há um avanço específico da história, tudo o resto são atividades opcionais. Para quem gostar de tudo, não faltarão aqui horas e horas para jogar. Não sabendo o que fazer, o jogo permite ver através da ligação à internet o que a maioria dos outros jogadores escolheram em cada uma das folgas.

A opção de explorar deixa o professor andar livremente pelo mosteiro, interagindo com as diversas personagens, desde os alunos da turma aos das outras turmas, passando também pelos professores e restantes trabalhadores da igreja. Esta acaba por ser uma forma de ficar a conhecer todas as personagens e aumentar a ligação com as mesmas, além de participar em atividades que aumentam a sua reputação. A partir de certo ponto, torna-se possível recrutar temporariamente alunos de outras turmas para ajudarem durante esse mês, mas o melhor de tudo é quando a relação entre algum aluno e o professor chega ao ponto de este pedir para mudar de turma. Afinal, quem é que nunca teve inveja de outra turma da escola que tinha alguém melhor a ensinar? Memórias de aulas de Química no 12º ano...

Alunos adolescentes nem sempre sabem o que é melhor para si, daí ser tão bom ficar a conhecê-los e ajudá-los a encontrar o seu caminho. No início do ano letivo, cada um terá a sua preferência, seja combater com espada ou arco e flecha, seja adepto de magia ou simplesmente não querer combater. No entanto, muitos alunos terão curiosidade por algumas técnicas que nunca experimentaram, outros têm talentos especiais com coisas que até pensavam não gostar. Tudo depende do professor, ao definir os seus objetivos e ensinar novas habilidades.


Agora sim, é clara a razão de todo este contexto de "escola" num jogo de Fire Emblem: em nenhum jogo da série houve tantas possibilidades de personalização da equipa de batalha. Conforme as habilidades que vão sendo ensinadas, os alunos terão a possibilidade de fazer exames de certificação, que lhes abrem a possibilidade de mudar de classe, que lhes dará novas habilidades. Tanto as caraterísticas principais associadas à classe, como as que são ganhas com o ensino e experiência, permitem combinações únicas à escolha do jogador.

Quanto mais se avança no jogo e mais tempo se investe nesta secção, maior será a reputação do professor, abrindo novas possibilidades, incluindo a oferta de equipamentos nas lojas, que permitirão dar às personagens melhores armas. Friamente, é possível ver tudo isto como um vasto conjunto de menus glorificados, mas a realidade é que toda a experiência do mosteiro e a ligação com as personagens fazem disto um jogo realmente envolvente. Mais do que simplesmente acompanhar a história principal, há mesmo muito conteúdo secundário interessante, tal como numa boa série de televisão. Curiosamente, não será esta a única semelhança.

Treinar alunos guerreiros só com a teoria nunca seria uma boa ideia, e por isso mesmo a outra grande opção dos dias de folga será ir para o terreno combater. Aqui haverá diversas opções, variando com o calendário e as interações feitas no mosteiro, onde se podem encontrar desde missões genéricas de treino até batalhas raras que só poderão acontecer naquele período e costumam ter bons prémios associados. Seja como for, o final do mês estará a caminho e, com ele, uma batalha irá sempre acontecer - não fosse este jogo um Fire Emblem.


Toda a razão de ensino dos alunos é precisamente a de os levar a um grande desempenho em combate. Apesar de este ser um mundo geralmente pacífico, não deixam de existir grupos armados de ladrões e organizações com desconhecidos objetivos a espalhar o terror. Um dia, o líder de cada um destes grupos irá liderar a sua região, pelo que é importante prepará-lo para o que possa acontecer, de forma a manter a paz e assegurar o cumprimento dos seus objetivos.

Os combates estratégicos sempre foram o ponto forte desta série e aqui não desapontam. Desta vez, pelo contexto da história, a maior parte das batalhas irá passar-se em cenários amplos, onde cada personagem terá consigo um conjunto de soldados, visíveis caso se faça com a câmara o máximo possível de zoom. Visualmente, o jogo está todo em 3D, mas mantém-se perfeitamente o conceito de movimentos em grelha, como se fosse um tabuleiro de damas ou xadrez.

Além de exércitos a combater dos dois lados, muitas vezes irão surgir monstros no campo de batalha. Criaturas gigantes que ocupam quatro vezes mais o espaço e contêm defesas especiais, como uma espécie de "boss" no combate. Aqui a estratégia irá exigir a cooperação de bastantes soldados, pois além de um grande alcance de ataque, estes inimigos irão também ter múltiplas barras de HP, não sendo fáceis de se matar.


De forma geral, a dificuldade "Normal" é bastante acessível a qualquer pessoa, especialmente se investir um bom tempo no treino dos estudantes. Por comparação, o modo "Hard" torna tudo bastante mais intenso, pelo que será uma opção bastante recomendável aos jogadores já experientes com Fire Emblem. Uma novidade deste título é a habilidade do professor poder puxar o tempo atrás. Se algo correu mal na batalha, bastará recuar no tempo, repensar os movimentos e ações das personagens e tentar novamente. Mas atenção, pois haverá limite do número de vezes que isto poderá ser utilizado! Com isto, até se torna mais acessível a opção de jogar em modo "Classic", onde deixar uma personagem morrer em batalha significa que ela desaparece da história: não será necessário fazer "reset" para tentar novamente sem a perder.

As batalhas de Fire Emblem sempre foram algo mesmo muito viciante, mas há algo realmente especial no facto de se combater com personagens tão personalizadas como estas. Quanto mais se avança no jogo, mais ligação se tem com tudo o que cada uma consegue fazer em combate, mais se percebe no que será importante investir a seguir. Também por isso é recomendável o modo de dificuldade "Hard", onde mais facilmente se consegue sentir o impacto de cada decisão. Caso seja uma experiência demasiado difícil, é sempre possível nas opções de jogo passar para o modo "Normal", mas esta será uma decisão irreversível.

Para quem nunca jogou nenhum título do género, todas as possibilidades existentes no combate, desde os tipos de ataque até às caraterísticas físicas de cada personagem, podem à primeira vista parecer uma enorme complexidade. Felizmente, o jogo vai introduzindo gradualmente os pontos mais relevantes, com explicações simples do que faz cada uma das coisas. É realmente impressionante a forma como os criadores se preocuparam em ter, ao mesmo tempo, algo tão complexo para os fãs da saga, como acessível para quem nunca jogou.


Não é fácil explicar a forma como este jogo consegue ser algo realmente especial, mas poucos títulos RPG conseguem prender tão bem o jogador. Não é apenas uma simples questão de se ser um professor no colégio, nem apenas o facto das batalhas conseguirem ser realmente interessantes e desafiantes caso se deseje tal coisa. Há toda uma "cola" que faz desta uma grande experiência de jogo, como por exemplo várias sequências de animação que vão surgindo ao longo da história.

A narrativa é realmente surpreendente, com um enorme salto de qualidade em relação aos anteriores títulos da série. Tal como a Nintendo anunciou ao apresentar este título, isto não é apenas uma história de adolescentes. Fire Emblem: Three Houses é um jogo dividido em duas partes, entre as quais se passa um período de cinco anos. Honestamente, seria incrível que toda a promoção do título o tivesse escondido, mas é de facto um enorme "selling point" - toda a primeira parte do jogo deixa a pensar em como será o futuro destas personagens.

Por causa das escolhas que vão sendo feitas, desde a equipa a quem se vai ensinar até à relação com as diversas personagens, a segunda parte do jogo será onde mais se notarão as diferenças de jogo para jogo. Como estarão agora os estudantes? Será que todos os membros da equipa continuarão unidos, passado esse tempo? E quão impressionante será a sensação de combater contra uma personagem que, no passado, se esteve a treinar?

É quase como ver uma série de TV onde a segunda temporada é personalizada para quem fez escolhas durante a primeira.


O melhor de tudo é que não há escolhas certas. Este não é o velhinho RPG onde os heróis são puros e corretos, enquanto os vilões são maus porque só querem ver tudo destruído, mas sim uma história onde cada lado tem uma diferente perspectiva. Qualquer escolha de equipa feita na primeira vez que se joga este título, terminará com questões sobre como tudo teria sido se as escolhas fossem diferentes. Num continente onde as sociedades estão divididas entre pessoas nobres e comuns, diferentes personagens têm diferentes preocupações e motivações, assim como diferentes crenças naquilo que será a solução para os seus problemas.

Por isso mesmo, não há um caminho certo ou errado, há simplesmente diferentes histórias, com diferentes finais. Não admira, então, que haja uma enorme curiosidade em saber como seria ter feito um percurso diferente, quais os desafios e as surpresas. O que é que se ficaria a saber sobre este mundo, se se tivesse percorrido outro caminho?

Algo que os developers tiveram claramente em consideração, deixando a opção de "NewGame+" disponível após se terminar o jogo. Utilizando o mesmo ficheiro de gravação, será assim possível transferir habilidades adquiridas ao longo do jogo, particularmente útil para se manter a ligação às personagens estabelecida durante o jogo anterior. As próprias escolhas que foram feitas no jogo anterior irão desbloquear novas possibilidades na personalização dos membros da equipa e, se algumas personagens já tinham um grande afecto pelo professor, será mais fácil de as converter para a nova equipa.


Em termos de apresentação, o jogo oferece uns bons visuais, sendo o primeiro título HD da série, embora não sejam particularmente impressionantes. Em termos de estética, as personagens em cel-shading funcionam mesmo muito bem, enquadrando-se nos ambientes de animação das várias cutscenes que vão sendo apresentadas, mas os cenários com visuais realistas ficam bastante aquém do que pode ser visto noutros títulos da Nintendo Switch.

Claro que nada é perfeito. O maior problema, especialmente no modo TV, é quando se explora livremente o mosteiro, com zonas onde é notável a queda do framerate. Já em modo portátil, todos os visuais parecem mais adequados, embora em certos menus seria preferível que o texto tivesse um tipo de letra maior.

Por outro lado, em termos sonoros não há absolutamente nada a apontar. Three Houses conta com uma fantástica banda sonora, cujo tema principal continuará a tocar na cabeça durante horas a fio mesmo depois de se ter esgotado a bateria da consola. Melhor ainda, todas as falas, desde as principais da história até às mais irrelevantes, são totalmente escutáveis, tanto em inglês como em japonês.

Nos extras do menu principal, há galerias que vão sendo desbloqueadas conforme se vai avançando, contendo todas as músicas já escutadas e todos os vídeos de animação já vistos, estando estes últimos a incluir opções como por exemplo ver a animação com o protagonista do sexo masculino ou feminino. É precisamente aqui, como se o resto não chegasse, que se percebe o quanto ainda há para ver neste mundo: acabada a história uma vez, apenas metade dos vídeos criados para o jogo foram visualizados.


Para esta análise, acabar a história a primeira vez demorou perto de 70h de jogo, com um bom investimento destas horas no mosteiro e também no campo de batalha. Isto, jogado em modo "Normal", pois ao ter-se começado de novo em modo "Hard" rapidamente se percebeu que será algo para durar ainda mais, por causa da estratégia envolvida. Com uma escolha inicial de 3 percursos distintos, haverá sem dúvida uma enorme longevidade, seja para quem queira ver todos os caminhos de seguida, seja para quem simplesmente o queira mais tarde voltar a jogar.

Aquilo que, no início, parecia uma mera história sobre adolescentes, é também perfeitamente fiel à saga onde se insere, trazendo consigo todos os elementos que os velhos fãs apreciam. Fire Emblem: Three Houses abriu as portas a toda uma nova experiência, capaz de surpreender e agarrar qualquer jogador apreciador de uma boa narrativa. Sem dúvida, o jogo mais envolvente de toda a série!

Nota: Esta análise foi efetuada com base em código final do jogo para a Nintendo Switch, gentilmente cedido pela Nintendo Portugal.


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