Assassin's Creed Odyssey


A história primeiro. Tem sido uma tendência ao longo dos últimos anos em videojogos chamados "AAA" e ainda bem que assim é. Personagens credíveis, multidimensionais e uma boa dose de reviravoltas que servem para prender os jogadores do princípio ao fim, acrescentando toda uma camada emocional à experiência de jogar um videojogo. Se a ideia é criar um blockbuster, faça-se um blockbuster. Assassin's Creed Odyssey é um desses.

Começamos por assistir à famosa "Batalha dos 300" (a Batalha das Termópilas), que colocou Esparta contra os persas, na pele do Rei Leónidas. Uma sequência breve antes do verdadeiro início, no Presente, onde duas arqueólogas encontram a lança deste guerreiro tão conhecido da cultura pop atual. Os fãs de Assassin's Creed já sabem o que se segue: através do ADN encontrado na lança, irão colocá-lo num simulador chamado Animus e vivenciar na primeira pessoa a vida e memórias de alguém no passado. A novidade é que, aqui, foi encontrado o ADN de duas pessoas diferentes, e cabe ao jogador escolher a personagem que irá protagonizar esta experiência.

A história no tempo Presente é uma imagem de marca da série, mas também um elemento no qual parece haver cada vez menos interesse, tanto por parte dos criadores como dos jogadores. É, aliás, o calcanhar de Aquiles numa história que é principalmente sobre Alexios ou Kassandra, mas para quem tiver jogado Assassin's Creed Origins poderá ser interessante saber que este jogo dá continuidade à história de Layla Hassan, que agora trabalha ao lado dos Assassinos contra a Abstergo. Curiosamente, a história que ela vai descobrir nesta simulação passa-se ainda antes dos acontecimentos que viveu no Egito durante o jogo anterior.


Alexios ou Kassandra? A opção apresentada ao jogador é a primeira de muitas e, como muitas que se irão seguir, irreversível, a menos que se comece um novo jogo (ou se regresse a um ponto de gravação anterior). O fio condutor da história será o mesmo, mas através destas escolhas a experiência poderá variar bastante de jogador para jogador. Para o efeito desta análise, escolhemos a Kassandra por ser a primeira grande protagonista feminina nesta série (que nos desculpe a Evie Frye). Além disso, foi ela a escolhida na transposição literária oficial do jogo, escrita por Gordon Doherty, pelo que pareceu fazer sentido.

Tudo começa na ilha de Kefalonia, onde Kassandra foi desde pequena criada como uma "misthios" (mercenária). Com toda uma ilha para explorar e várias missões secundárias, o lento arranque do jogo é bastante fácil de apreciar, tanto pelas belíssimas vistas como pelas mecânicas de jogo. Aprender a combater, interagir com as diversas personagens e perceber o impacto das escolhas nos diálogos, que irão afetar a sua reputação, sem um grande objetivo à vista a não ser o de recolher algum dinheiro. Subtilmente, a história principal vai surgindo e tomando conta dos acontecimentos, quando surge um trabalho que a coloca em rota de colisão com o seu pai, puxando o fio ao enorme novelo que é este drama familiar em torno da protagonista. Quando se dá por ela, estamos no meio de uma guerra sem fim entre Esparta e Atenas, influenciada por uma misteriosa seita chamada The Cult of Kosmos.

É importante reforçar que, independentemente das escolhas, o fio condutor da história é o mesmo. No entanto, a qualidade da escrita é tal, que o jogador não tem forma de o saber a não ser que tenha a curiosidade em ver o que mudaria se tivesse feito uma escolha diferente. O encadeamento de missões, os diferentes diálogos e reações das personagens, tudo se encaixa de forma brilhante. Num certo diálogo, um general diz que não pode enviar os seus homens para fazer uma tarefa. Kassandra, virando as costas, responde que às vezes o melhor é mesmo enviar uma mulher. Não dá, sequer, para imaginar o diálogo de Alexios neste contexto, mas isto mostra o cuidado que houve para que as personagens fossem bastante credíveis, mesmo num mundo onde criaturas mitológicas poderão andar à solta.


Dito isto, o jogo não é inconsequente. Há personagens importantes da história que poderão ser mortas, com implicações fortes em momentos posteriores onde as mesmas podem ou não aparecer conforme o que lhes tenha acontecido. A relação de Kassandra com as populações pode ser pacífica ou deixá-las em fúria, contratando mercenários para a seguir. Até mesmo na guerra entre Esparta e Atenas haverá uma palavra a dizer, podendo-se enfraquecer a liderança de um governo para depois participar na batalha que o irá destronar, por exemplo. Tudo para que cada jogador possa sentir que está a jogar a sua própria versão da história. Quem conta um conto...

Será este, então, o melhor Assassin's Creed de sempre? A saga vai longa e com altos e baixos, mas este facilmente será visto como o melhor dos últimos anos. Após um período de estagnação, o título anterior parece ter encontrado uma revitalização que agora dá frutos neste Odyssey. Longe vai o tempo de subir a uma torre para encher o mapa de ícones, em vez disso agora há uma águia companheira chamada Ikaros, que se pode utilizar livremente para explorar o mundo visto de cima e identificar locais de interesse, tesouros e inimigos. O novo "exploration mode", opcional, incentiva a explorar um pouco mais do mundo para decifrar o que fazer nas missões.

Longe vai, também, o combate "automático", agora com um sistema de batalha simples, mas bem implementado, assente em desviar e bloquear ataques inimigos. Muitas das boas novidades introduzidas em Origins estão agora mais refinadas, mas também estão de volta mecanismos clássicos como o combate naval introduzido em Black Flag. Pode não saber a algo completamente novo, mas por vezes sabe a "best of" de uma saga que já proporcionou vários momentos completamente épicos.


Este jogo não foi feito para se jogar de uma assentada. No caminho entre Kassandra e o próximo objetivo da missão principal, está sempre algo interessante para se ver ou fazer. Apesar da funcionalidade "fast travel", o caminho a pé, a cavalo ou a bordo do navio é sempre mais interessante. Algumas dessas descobertas serão mesmo surpreendentes, havendo muito conteúdo que é completamente opcional para se chegar ao fim da história.

Para efeito desta análise, o jogo foi testado numa Xbox One S. Em alguns ambientes mais congestionados, foi possível observar algumas quebras de fluidez a nível gráfico, embora nada com impacto significativo na jogabilidade. Os cenários, sejam as pequenas vilas ou as vastas paisagens, conseguem sempre impressionar e convidar a explorar um pouco mais da antiga Grécia, mesmo que depois ao perto nem todas as texturas sejam impressionantes.


Com uma história mais pessoal e assente em drama familiar do que o habitual, Assassin's Creed Odyssey aproveita para, ao mesmo tempo, reciclar o que de melhor se tem feito na saga e introduzir conteúdo original. Oferecendo umas 30h de jogo para completar calmamente a história principal, mas com muito mais conteúdo de caráter opcional, é um jogo merecedor de um bom tempo dedicado a ele enquanto o jogador vai construindo a sua própria versão da história. E está tão bem escrita!

Nota: Esta análise foi efetuada com base em código final do jogo para a Xbox One, gentilmente cedido pela Ubisoft.

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