Demon's Souls


Originalmente desenvolvido pela FromSoftware para a PlayStation 3, Demon's Souls acabou por se tornar num grande clássico, sendo o antecessor de Dark Souls e todos os jogos "Soulslike". Agora, está de regresso como título de lançamento para a PlayStation 5, num remake da Bluepoint Games que tanto traz de novo em termos de aspecto visual, como em toda a experiência é fiel ao original. Que é como quem diz, em nada se tornou um jogo mais fácil.

Numa nota pessoal, o facto de um jogo ser praticamente venerado por ser "hardcore", algo ultra difícil e que só alguns irão conseguir acabar, nunca me serviu de motivação. A fama do jogo, que o torna tão popular para uns jogadores, acaba por ter noutros um efeito negativo, afastando-os da experiência. Por isso mesmo, para que o pudesse tentar analisar, foi necessário um esforço em colocar de lado os preconceitos... até compreender o que faz dele algo tão popular.

O jogo começa com uma breve explicação da história do reino de Boletaria, cujo rei em busca do poder acabou por libertar um demónio ancestral. Um terrível nevoeiro cobriu o reino, libertando incontáveis criaturas demoníacas que se alimentaram de almas humanas. Ao longo do tempo, diversos guerreiros tentaram atravessar o nevoeiro em busca de uma eventual glória pela derrota dos mosntros e a libertação do reino... mas nenhum deles alguma vez regressou.


Segue-se um pequeno tutorial, com uma área de exploração bastante linear que serve como explicação das diferentes ações e respetivos controlos, culminando num gigantesco boss que rapidamente irá levar à morte da personagem que o jogador, com tanto cuidado, tinha acabado de criar. A morte, porém, é apenas o começo. A alma do guerreiro é absorvida pelo Nexus, um misteriso sistema que acaba por ser o ponto central do jogo, o único local onde esta alma irá estar em segurança, sendo sua prisioneira. Mas nem tudo está perdido: ao recolher dos demónios as almas perdidas em Boletaria, o guerreiro poderá também recuperar o seu corpo.

Assim começa uma penosa aventura por um mundo amaldiçoado, onde se terá de enfrentar todo o tipo de monstros. Independentemente da classe e respetivo equipamento, logo no início os monstros serão bem mais poderosos do que se pode imaginar. É importante ter em conta que essas escolhas irão também afectar a jogabilidade, havendo certas classes mais adequadas a jogadores novatos. Da mesma forma, conforme se vai avançando, é essencial ir fazendo as escolhas certas em termos de equipamento, pois quanto mais pesado, menos ágil será o personagem.

Em termos de jogabilidade, o jogo é totalmente mecânico, tanto a nível do protagonista como de todos os inimigos. Apesar da liberdade de movimentos, cada golpe, cada arma, tem um nível concreto de dano causado, tempo de resposta, energia ("stamina") gasta. Cada golpe perdido é uma fraqueza, um desperdício, que pode por si só fazer toda a diferença entre matar a criatura ou simplesmente morrer.


Com a morte, a sensação de derrota consegue realmente causar uma grande frustração. Este não é um jogo recheado de "checkpoints" nem nada parecido, tendo apenas as "archstones" como ponto de partida... e de retorno também. Mas é também com a derrota que se aprende como proceder a seguir. Todos os monstros regressam exactamente ao local onde foram encontrados, e irão comportar-se exactamente da mesma forma. As almas recolhidas até então, porém, ficam precisamente no local onde se morreu, dando uma única oportunidade de as recuperar. Avançar no jogo é, por isso, um longo e lento processo de aprendizagem, de surpresa a surpresa, de morte a morte. Ao virar daquela esquina, estará sempre aquela criatura.

Ao contrário do que isto possa fazer parecer, porém, a morte não é um regresso ao ponto de gravação anterior: é uma continuação. E aqui está o "clique" que facilmente agarra qualquer jogador. As almas podem ser perdidas, os inimigos podem fazer "reset" assim como os seus esconderijos, mas todo o equipamento permanece e tudo o que aconteceu, aconteceu.

A percepção do jogo mudou com o que, à primeira vista, era apenas mais uma de muitas mortes. Ao subir uma escadaria, um inimigo empurra uma gigantesca bola de pedra que se encontra no topo. Sem qualquer hipótese de desviar, mais um suspiro, mais uma jornada pelo mesmo caminho. A diferença? Um pouco antes desse local, está uma pedra igual a essa. Bem, antes dessa morte, seria fácil não ter reparado nela. Todo o cuidado é pouco ao aproximar da escadaria... mas o inimigo já não tem bola para empurrar.


Pode parecer estranho, mas aquilo que era, até então, uma experiência recheada de frustração, tornou-se um desafio, um jogo que de repente estimula toda a exploração. Caminhos sem saída, nos quais há um tesouro para encontrar? Feito, já não é preciso lá voltar. Depois de um longo percurso, descobre-se um atalho? Portão aberto, adeus percurso antigo até lá. Todos os segredos, todos os mistérios e todos os avanços, colocam um contrapeso na balança, tão forte como o de se ter morte atrás de morte.

Demon's Souls não é, de todo, um jogo para todos os jogadores. Numa época em que, felizmente, cada vez mais os criadores se preocupam em abranger o maior número possível de pessoas, seja em termos de facilidade como de acessibilidade, este remake é o mais próximo possível da experiência original e dificilmente poderia deixar de o ser. Mecânico é mesmo o melhor adjectivo para o descrever, funcionando quase como se fosse um puzzle, do qual uma explicação iria arruinar a sua resolução.

No meio de tudo isto, há uma peculiar experiência online, na qual outros jogadores vão deixando mensagens de aviso, limitadas a um conjunto de opções e que tanto podem ser úteis como distrações. Poças de sangue permitem assistir aos últimos momentos de um qualquer outro jogador que ali morreu, podendo por exemplo ajudar a preparar contra um eventual ataque surpresa. E com o devido item utilizado, é até possível atribuir temporariamente um corpo à alma do protagonista, de forma a invocar almas de outros jogadores que queiram ajudar.


Como jogo de lançamento, este é sem dúvida o primeiro grande exclusivo da PlayStation 5, tirando partido de todas as suas capacidades. Visualmente, num mundo artisticamente cinzento, todos os efeitos de luz e ray-tracing são realmente impressionantes. Sensorialmente, ao jogar com headphones, a noção de todo o ambiente em redor não é apenas envolvente: permite mesmo ouvir o som de algo que se aproxime, mesmo ainda fora do ponto de vista. Um dragão a rugir, vindo de trás, pronto a queimar toda a superfície de uma ponte, ouve-se como se lá se estivesse, com a vibração do comando a ajudar.

Demon's Souls pode não ser, mesmo, para todos os jogadores, pedindo paciência e tolerância a toda a frustração. Ao mesmo tempo, porém, recompensa todo o processo de aprendizagem e persistência com uma enorme satisfação.


Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 5, gentilmente cedido pela SIEE.

Latest in Sports