Como a pandemia está a afetar a indústria


Artigo escrito por Bruno Maciel.

A crise chegou à indústria dos jogos de tabuleiro, mas isso não é novidade! Importante é saber até que ponto a pandemia está a afetar o hobby?


Vou tentar dar-vos uma visão geral da situação atual, sem entrar em muito detalhe em questões que nem eu domino. 

  • OS PREÇOS DOS JOGOS VÃO AUMENTAR
Não há nada que possamos fazer. É a realidade, vai acontecer e vai acontecer com muita força. 
Tendemos a dizer que os jogos já estão muito caros, que um jogo de tabuleiro variava entre os 30/40€ e agora passa dos 50€. Pois, preparem-se porque esse valor parecerá uma pechincha em breve,

  • MENOS JOGOS IRÃO SER LANÇADOS
Antes de mergulharmos nas razões que me levam a dizer tais coisas, enumerarei algumas consequências que, inevitavelmente, iremos sentir provocadas indiretamente pelo aparecimento deste vírus que virou o mundo ao avesso.
As empresas produtoras de jogos, sobretudo as mais pequenas, estão a pensar cancelar muitos dos projetos que já estavam alinhados para este ano e para o próximo, de forma a controlar os custos e não correrem o risco de falirem.

  • MUITAS EDITORAS IRÃO DESAPARECER DO MERCADO
Felizmente esta indústria é feita maioritariamente por pequenas empresas que se dedicam a transformar ideias em excelentes jogos que tanto gostamos de jogar. No entanto, a realidade destas pequenas empresas é mesmo essa - são pequenas, familiares. Temos assistido à compra de muitas destas empresas por parte dos gigantes do mercado, particularmente a Asmodée... neste momento, se uma destas empresas apresentar qualquer tipo de proposta de aquisição já é bónus, porque muitas empresas não terão meios de contornar esta crise.

  • KICKSTARTERS E OUTROS IRÃO VER PROJETOS CANCELADOS
Imaginem que apoiaram um projeto de Kickstarter que definiu um valor para poder prosseguir com o seu lançamento e esse valor é atingido. Ótimo! Tudo a postos para que o jogo se torne uma realidade, certo? Talvez há uns meses atrás... agora? A coisa ficou mais complicada. Algumas empresas que recorrem a esta plataforma para financiar os seus projetos viram-se obrigados a pedir aos seus "backers" uma nova vaga de financiamento para fazer face ao aumento de todos os custos envolvidos durante este processo. E alguns destes projetos estão a morrer antes de verem a luz do dia!

  • A ESPERA PELOS NOVOS LANÇAMENTOS IRÁ AUMENTAR
Vários jogos que, supostamente, já deveriam estar a inundar o nosso mercado... não estão. Não se vislumbram e as próprias empresas receiam avançar com datas, porque a instabilidade é tão grande que há muito pouco controlo por parte das editoras no que toca a este tipo de informação. Mesmo as expetativas menos otimistas têm falhado! Os consumidores queixam-se, as editoras vêm a sua linha editorial programada para este ano ser retalhada e a incerteza será a nova constante.

MAS O QUE ESTÁ A CAUSAR ISTO TUDO?

Toda a logística (literalmente) envolvida!
A grande parte dos jogos é produzida na China (não é novidade), uma vez que os preços de produção naquela região não tem competição no resto do mundo, portanto, é natural que os jogos, uma vez produzidos, tenham de ser exportados para o resto do globo, a partir da... China!


Como devem também saber não são só os jogos de tabuleiro que são produzidos naquele país, mas praticamente tudo o que usamos no nosso dia-a-dia. 
A forma de exportação utilizada por parte desta empresas de transporte é, na sua grande maioria, marítima. Grandes navios de carga, repletos de contentores que seguem o lento e longo caminho para os diferentes continentes do planeta.

Mas, o mundo quase que parou com o aparecimento do COVID19. E apesar da reabertura das atividades comerciais terem tido períodos diferentes, consoante as decisões governamentais de cada país, chegou a um momento, em que quase todo o mundo voltou a "funcionar" e com isso, a demanda por tudo e mais alguma coisa reapareceu e a níveis descontrolados.

Acontece então que o volume de procura excedeu em larga medida a capacidade de transportação/distribuição por parte destas empresas. Na prática significa que existem demasiados produtos para tão poucos contentores disponíveis.

Voltando à indústria dos jogos de tabuleiro, que é a que nos interessa, uma editora que quer fazer chegar os seus jogos a determinado porto da Europa/América do Norte, etc tinha um valor acordado e fixo por cada contentor. Esse valor, hoje, é 3 a 4  vezes superior!!!
Como podem ver no gráfico abaixo, um contentor custaria, em média, cerca de $2.000, no primeiro semestre de 2020. As editoras, hoje, pagam mais de $6.000 por cada contentor.


Vários relatos têm-se tornado públicos e apresento-vos um de um dos responsáveis da Triton Noir, empresa que lançou o jogo V-Commandos e que tem um projeto de Kickstarter para lançar um novo jogo (Assassin's Creed: Brotherhood of Venice). Neste testemunho, a pessoa em causa mostra a evolução dos custos que a empresa iria ter inicialmente, só com contentores, versus os que terá neste momento:
  • Março de 2019 - $34.500
  • Abril de 2021 - $105.000
  • Junho de 2021 - $158.000
  • Julho de 2021 - $218.000

Como podem verificar o aumento é significativo e não é qualquer empresa que consegue ultrapassar estes obstáculos. 

Conseguir um contentor já é uma proeza nos dias que correm, uma vez que existe uma luta desenfreada dentro e fora da indústria por contentores. Espécies de leilões têm sido realizados, em que a empresa que oferece o valor mais alto tem direito ao contentor e assim se explica muita coisa.

Como se não bastasse, o aumento do fluxo de transportação marítima ter subido a pique, acontece que chegando ao porto de destino muitas vezes nem têm onde atracar, fazendo filas de espera para que possam descarregar os produtos. Estes "engarrafamentos" levam a dias de paragem e as empresas transportadoras não estão dispostas a arcar com os prejuízos decorrentes dessa situação... o que leva novamente a um... aumento de preço!


Tudo isto seria o suficiente para justificar a crise atual dentro da indústria, mas volto a referir... todas estas peripécias estão a fazer-se sentir em praticamente todas as atividades económicas, incluindo a das matérias primas! E como sabem, os jogos de tabuleiro são feito de cartão, papel, etc... tudo materiais que resultam da madeira, que, por sua vez, viu o seu preço aumentar significativamente... o que, por sua vez, fará aumentar os custos de produção dos próprios jogos!

Temos, então, um aumento do custo das matérias-primas e um aumento exacerbado do custo de distribuição. Claro está que o consumidor irá sentir na pele os efeitos destas situações. Os preços dos jogos irão aumentar, menos jogos irão ser lançados e levarão mais tempo até aparecer no mercado. As plataformas de financiamento coletivo já sentem as repercussões do impacto destes aumentos e a dúvida que se coloca é: até quando irá perdurar esta crise?

Algumas pessoas que trabalham na indústria indicam o ano de 2022 como o início da "suavização" dos custos de distribuição. Até lá, dificilmente, conseguirá a indústria transportadora controlar as operações e terminar com esta inflação de preço dos contentores.

Se há editoras que produzem fora do mercado asiático que dizem não estar a sentir muito o peso deste fenómeno, a grande maioria terá grandes decisões para tomar a breve trecho. Deslocalizar os seus centros de produção? Adiar lançamentos até que a crise passe? Cooperar com outras empresas de forma a distribuírem os custos dos contentores, diminuindo o espaço reservado para si dentro desses mesmos recipientes, mas assegurando que a produção e distribuição é assegurada? Suportar os custos do transporte e aumentar o preço dos jogos para fazer face ao prejuízo? Fechar portas?

Esperemos que tudo corra pelo melhor, que as pequenas empresas consigam ultrapassar esta fase negativa e até lá, meus caros amigos, tenhamos paciência! Isto está a acontecer e não há muito que possamos fazer, senão esperar por melhores dias, apoiar as empresas que estão a penar e a lutar para sobreviverem. E sim, queixem-se dos preços, da qualidade dos jogos, dos constantes atrasos nos lançamentos... mas não se esqueçam, a crise é real e já nos atingiu!


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