Ei, Esse É O Meu Peixe!

Artigo escrito por Francisco Maia.

Reza a lenda que a minha sobrinha cachopa fazia anos. Gosta de animais e de passar tempo com a família. Está claro: vai levar com um jogo de tabuleiro maravilha. Começam as buscas e parece que se resumem a pinguins, por alguma razão que só Deus saberá. Dois jogos chegam à final da Penguins Champions: Ice Cool, e Hey, That's My Fish!

Começo a investigar e eis que Ice Cool começa a ficar para trás. "Tão mauzinho como Food Chain Magnate, mas em 15 minutos" diz o vento. "Aprende-se a jogar em 10 segundos" ecoam as àguas. Ok, a minha sobrinha que fique com o Ice Cool que agora tenho outras preocupações. Falem-me mais deste gélido apocalipse pinguinesco, por favor.

Hey, That's My Fish! é impreterivelmente o jogo mais fácil de ensinar de todos os tempos. Depois do setup, que consiste de uma grelha de hexagonos randomizados e a colocação dos pinguins, só tem duas regras: mexe um pinguim e fica com o tile que estava por baixo dele. No final do jogo, conta-se os peixes nos nossos tiles. É isto. Isto é o jogo inteiro. "Mas Francisco" - dizem vocês - "certamente terá de haver mais que isso, ou não estarias a dar a entender que é um dos melhores fillers de todos os tempos, com muito poucos jogos que se lhe comparem, não?..." Ah, perspicazes como sempre. É verdade. Há algo mais, mas que não se resume a regras mas a limitações: os pinguins, como seria de esperar, apenas podem andar em cima do gelo. Estarão possivelmente a antecipar o que essa pequena restrição implica: se apenas se pode andar no gelo, mas cada vez que nos mexemos retiramos uma placa de gelo do jogo, então o tabuleiro vai ficando mais pequeno? Précisément.

Hey,That's My Fish! parece um jogo de passeio domingueiro e colecção de pontos de vitória, mas é um area control apertado e ferrenho que deixa os nervos em flor quando jogado por malta competitiva. O objectivo é fazer mais pontos, certo. Mas a melhor forma de se alcançar esse objectivo é isolar os pinguins do adversário em ilhéus cada vez mais minúsculos, deixando as grandes superfícies para nós. O jogo termina quando nenhum pinguim tiver possibilidade de se mexer. Embora as regras sejam do mais simples possível, a estratégia implica um constante equilibrar do plano que delineamos no setup (e na colocação de pinguins), e a tática de estar permanentemente pronto para responder a um movimento por parte dos adversários que não tínhamos previsto.

Cá em casa temos um jogador hiper-competitivo (o vosso estimado autor), e uma jogadora pacífica (a mais-que-tudo do vosso estimado autor). É dificil arranjar jogos que equilibrem o campo de jogo entre nós mas Hey, That's My Fish! parece fazê-lo. Penso que se deva a dois factores: o primeiro é a flexibilidade que o jogo apresenta em facilitar que os jogadores decidam a passada a que querem jogar. Por exemplo, enquanto eu estou ferozmente a vedar caminho à mais-que-tudo, ela certifica-se, com toda a calma do mundo, que essas áreas vedadas contêm o peixe de melhor qualidade. No final do jogo, acabo por ser o rei do peixe-trampa.

Em segundo lugar, o jogo é rapidíssimo e existe um aliviar do investimento emocional que colocamos na vitória. Não faz mal um jogo ser maldoso se essa maldade só me afecta durante 5 minutos. Como tal, penso que nunca tenha havido ninguém, pelo menos até agora, que não tenha querido jogar o jogo múltiplas vezes de modo a retribuir tal maldade piscatória.



Avaliação D.I.C.E.

Dinâmica

A dinâmica deste jogo é qualquer coisa de especial. Para um conjunto de regras tão simples (afinal de contas acabam por ser apenas "move um pinguim") o jogo é surpreendentemente versátil no que toca a abranger um grande número de possibilidades, tanto em número de jogadores, como idades, como perfis de jogador. Senão vejamos: o número de pinguins no tabuleiro é mais ou menos o mesmo independentemente do número de jogadores, pelo que a mesma superfície estará coberta pelos ditos - joga tão bem com dois como com quatro jogadores, embora o caos seja maior quantos maior o número, claro. Em termos de idade, penso que o jogo seja extremamente adaptável - uma criança não verá a maldade inerente ao flutuar no gelo e apanhar peixe, mas divertir-se-á de qualquer forma com o coleccionar de pontos que isso implica. O mesmo se aplica ao perfil de jogador - pessoas altamente competitivas poderão regozijar-se na hiper-agressividade de circunscrever os adversários de forma a que percam um sem fim de pontos. Pessoas mais relax podem simplesmente ir na onda, e fazer a tal colecção de pontos. Parece haver algo para todos no jogo.

Integração Temática

O jogo é bastante abstracto, e ao mesmo tempo tão simples que seria difícil perceber como poderia ser mais temático: pinguins têm fome, pinguins vão buscar peixe, e para isso pinguins têm de partir o gelo. Claro que não será de esperar uma imersão tremenda no tema, mas pelo menos será útil para poder explicar as regras aos mais novos de forma a que estas seja intuitivas. No entanto há algo a ser dito sobre as pequenas formas como o jogo nos dá não um tema profundamente explorado (é um abstracto afinal de contas), mas uma vibe muito engraçada: sabem aqueles quatro pinguins do filme Madagáscar? É essa a vibe. Planos e mais planos cheios de "e se ela faz aquilo e depois arruína tudo??", e claro que ela faz aquilo e arruína tudo. Sempre. Tal como os pinguins em Madagáscar, a frustração dos nossos planos sabe sempre a comédia, e nunca a tragédia.

Complexidade

Como já explicado, o jogo é inacreditavelmente simples. Apenas temos uma opção durante o nosso turno: para onde mexer o nosso pinguim. Qualquer tipo de dificuldade durante o jogo há de surgir sob a forma da pergunta "sim, mas para onde??" Isso sim, é relativamente opaco. Fora isso, qualquer pessoa dos 6 aos 666 anos de idade conseguirá aprender este jogo em 1 minuto.

Entretenimento, Design e Arte

Há quem chame este jogo de feio. Eu diria que não é feio, tal como não acho xadrez feio. É o que é. Claro que seria difícil ser uma beleza quando há efectivamente tão pouca superfície onde incorporar arte. Também se pode dizer que esta tende a ser um pouco cartoonesca, sim, mas reflecte muito bem o ambiente que o jogo proporciona, de vilões pinguinescos a usurpar os melhores planos dos seus adversários. O design está muito bem pensado, com as cores dos peixes a providenciar um factor distintivo adicional ao número de peixes por tile, e a forma como o estado do jogo pode ser lido de passagem sem problemas ajuda à resolução do que é efectivamente um problema espacial complicado. Portanto diria que não vale a pena comparar o jogo artística e tematicamente a um Lacerda, mas perceber que é muito competente naquilo a que se propõe fazer melhor nesse âmbito: funcionalidade. É estranho estar a compará-los a titãs da estratégia, mas vejo mesmo grandes paralelos entre o design espartano do jogo e os jogos da Splotter como Antiquity, Food Chain Magnate, e The Great Zimbabwe. Ponhamos as coisas da seguinte forma - num jogo a 2, cada jogador tem 4 pinguins no tabuleiro. Isso significa que há 8 pinguins no tabuleiro, cada um num hexágono com possibilidade de movimento em 6 direcções com distâncias variáveis. As possibilidades são tremendas! Para conseguir observar isso instintivamente apenas olhando rapidamente para o jogo, é necessário que o design e a arte, mais do que não atrapalhar, ajudem a guiar o olho através de um campo de jogo limpo e claro. A meu ver, isto está muito bem conseguido através do uso de cores e escolhas gráficas dos tiles.

Como não poderia deixar de referir, a nova edição da Fantasy Flight Games vem com miniaturas ao invés de pingueeples o que, parecendo super desnecessárias num filler de 15 minutos, tenho de aplaudir a decisão. As minis estão muito, muito bem feitas e adicionam uma completa imersão na tal vibe madagascariana (....madagascariense? Madagascaresa???) que mencionei lá em cima. Cada mini com a sua expressão e atitude, isto vos garanto: assim que as tiverem na mão vão saber imediatamente qual dos pinguins representa a vossa alma.

Considerações Finais

Se tivesse de resumir o jogo numa palavra apenas, seria 'versátil'. Como disse antes, é um jogo que se adapta bem a todas as idades e play styles o que, sejamos sinceros, não é muito comum em jogos de tabuleiro. Como tal, penso que seja uma adição muito boa a qualquer estante, independentemente do tipo de jogos que a adornem. No entanto, acho importante referir um pequeno senão - o setup do jogo é muito demorado para a duração do jogo em si, principalmente se seguirem as regras bizantinas que vêm no livro de regras (garantem aleatoriedade de setup mas são uma seca do caraças). Nós cá em casa diminuímos a pressão dessa tarefa na base da honra: o colocar de tiles na mesa para o setup é feito "à parva", a 4 mãos, e sem tentativas de controlar o padrão que emerge daí. Honestamente, mesmo que tentássemos não sei como conseguiríamos.


De qualquer forma, Hey, That's my Fish é dos fillers mais divertidos que alguma vez joguei. Para começar ou acabar a noite, para uma festa à beira da piscina com a família, uma verdadeira jóia escondida numa caixinha pequenina. Aconselho especialmente a gritar 'Hey! Esse é o MEU peixe!" cada vez que frustrarem os planos de alguém. O jogo passa logo de um 8/10 para um verdadeiro 11/10.

Espero que não vos incomode que descreva este jogo usando as palavras do filósofo árabe Génio do Filme Aladdin da Disney: "poderes cósmicos fenomenais, dentro de uma lampadazinha".


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