Os Ovos de Praga



Artigo escrito por Bruno Maciel.

Nome: Praga (Caput Regni)
Nº de jogadores: 1-4
Autor: Vladimir Suchy
Duração: 30-120min
Editora: Delicious Games
Categoria: Estratégia

Síntese

Praga Caput Regni (A Capital do Reino) é o mais recente título de Vladimir Suchy, autor de outros jogos consagrados como Shipyard, Last Will, Pulsar 2849 e mais recentemente Underwater Cities. Era um dos jogos mais esperados do ano e, apesar do seu lançamento tardio, foi a tempo de se tornar num dos jogos de referência e deixou, sem margem para dúvida, a sua marca na indústria e, sobretudo, nos adeptos deste estilo de jogo.

O autor, checo, quis dar a conhecer um pouco do seu país e presenteou-nos com um jogo cheio de história – Praga -, que chegou a ser capital do império romano, aquando da coroação do Rei Charles IV.
Neste jogo, os jogadores serão cidadãos abastados que desenvolverão projetos de construção na cidade, com o intuito de a tornar na cidade mais prestigiada da Europa medieval, colhendo assim influência do rei.

Para um eurogame, tipicamente mais focado nas mecânicas, Praga Caput Regni consegue ser bastante temático.

As ações que os jogadores desenvolverão, vão ao encontro do propósito do tema: construir edifícios na cidade de Praga. O jogador tanto pode estar a desenvolver projetos urbanísticos na parte velha da cidade, como pode estar a auxiliar na construção da ponte Charles IV, que liga parte da cidade que está separada pelo rio Vltava. Pelo meio, há uma universidade, um castelo e um palácio que necessitam de toda ajuda possível por parte dos cidadãos de Praga... e o rei certamente que apreciará todos esses esforços!



O manual de regras vem com uma página dedicada aos diferentes locais históricos que os jogadores construirão durante o jogo e, curiosamente, fala de um dos componentes que os jogadores podem ganhar e usar para colher inúmeros benefícios: os ovos.

Para quem  joga este jogo pela primeira vez e desconhece o contexto, os ovos poderão ser um componente estranho e que pouco sentido fazem para um jogo de construção de edifícios. No entanto, reza a história que a ponte Charles IV sofrera um desabamento e que os construtores da altura aproveitaram para usar ovos como material de construção nessa reconstrução. Desde, então, a ponte permanece sólida e é, hoje, um marco histórico da cidade, que muitos turistas visitam anualmente.

É um jogo aparentemente complexo. O tabuleiro, à primeira vista, parece ter demasiada informação, as diferentes mecânicas “assustam” e sendo um “salada de pontos” (quase todas as ações acabam por dar pontos) pode ser um obstáculo inicial, no sentido de ser difícil perceber qual o melhor caminho e encadeamento das ações que permitam a jogada ideal.

Na prática não o é. Tem muitas regras, é certo, mas existe um encadeamento de mecânicas muito elegante. Os jogadores irão perceber rapidamente que ao fazerem uma ação, desencadearão outras, que mecanicamente estão ligadas e o que ao início pareciam ser várias coisas para assimilar. 

Comecemos pelo princípio. Cada jogador terá 16 ações durante o jogo, a menos que consigam ações extras que alguns componentes permitirão realizar. A escolha das ações é bastante interessante: existe uma roda com peças de ação e o jogador, na sua vez de jogar, retira uma dessas peças. Ao local de onde é retirada a peça existe um benefício associado que o jogador poderá utilizar antes ou depois de realizar a ação que escolher. Essas peças que o jogador retira apresentam duas opções de ação, aumentando, assim o leque de escolha para o jogador.



Ao todo existem 6 ações possíveis: desenvolver a capacidade de receita, aumentar o nível de extração de pedra, a construção da ponte, a construção de edifícios na cidade, a construção do castelo e os upgrades às ações possíveis. As ações interligam-se. Tal como na maioria dos euros, os jogadores precisarão de construir um engenho que lhes permitam desenvolver a sua estratégia.  

O tabuleiro pessoal do jogador é onde estão representados os níveis de ouro e pedra que pode receber, sempre que escolher uma dessas ações. E também esses níveis poderão ser melhorados e, à medida que são aprimorados, alguns bónus serão desencadeados. Ter um bom engenho de ouro, permitirá (à partida) uma melhor relação com a construção de edifícios, enquanto que um bom engenho de pedra permitirá, mais facilmente, a construção do castelo.
 

Existem vários caminhos e estratégias para fazer pontos e, pela minha experiência, todos são válidos, desde que o foco seja o de extrair o máximo da estratégia escolhida. Relembro: 16 ações! Num jogo com tamanha profundidade, 16 turnos parecem ser curtos, pelo que ser eficiente é essencial para se ter sucesso durante a partida.

Algumas decisões encaminhar-vos-ão para determinada estratégia, pelo que é aconselhável manter o rumo e não se dispersarem, caso contrário terminarão o jogo com o sentimento de que queriam fazer muita coisa e não conseguiram.

Existe uma curva de aprendizagem significativa. Apesar das regras acabarem por se tornar intuitivas, diria que só no 2º ou 3º jogo, ficarão mais confortáveis com as estratégias  e maximização das ações escolhidas. É um daqueles jogos em que aprenderão com os vossos erros, mas também com o sucesso/insucesso das estratégias adversárias. Algumas estratégias parecerão potencialmente fracas até alguém fazer all-in na mesma e surpreender na pontuação final. Assim sendo, é um jogo que oferece muita profundidade estratégica com um leque de regras vasto, mas de fácil apreensão. O rácio complexidade/profundidade melhora de jogo para jogo e é uma das grandes qualidades deste jogo.

A arte? É fantástica! É importante, num jogo com pano de fundo histórico, que a arte e o tema estejam de mãos dadas. É verdade que um eurogame irá acabar por se focar nas mecânicas e na abstração do tema, mas é igualmente importante manter vivo o propósito das ações com o objetivo temático das mesmas, e aqui o tabuleiro e componentes ajudam e de que maneira.



Com ilustrações muito “medievais”, o tabuleiro parece, de longe, muito confuso, mas é preciso jogá-lo para o apreciar no seu esplendor. Tem pormenores deliciosos sobre as atividades levadas a cabo pelos cidadãos e um mapa que representa bastante bem a cidade de Praga, com o seu rio, ponte e divisão da parte velha e a parte nova da cidade. Não é confuso e é um tabuleiro bonito!

Mas a cereja no topo do bolo são mesmo os componentes tridimensionais! Existem 3 e todos eles dão um outro charme ao jogo.


Comecemos pela ponte Charles IV. Não é claramente uma estrutura sólida, mas nada que um pouco de cola não resolva. Não é só apenas um adereço que embeleza o tabuleiro, mas sim um componente útil, onde os jogadores irão colocar peças que representarão a construção da mesma e, claro, extrairão benefícios dos mesmos. O efeito visual é fantástico e contribui significativamente para a presença do tema na partida.  

Mais acima no tabuleiro estão representadas a construção do castelo e do palácio de Praga. E mais uma vez, a tridimensionalidade dos componentes são um luxo. Diria que não são componentes essenciais para a jogabilidade, uma vez que no próprio tabuleiro estão impressas todas as informações que constam dos elementos 3D, mas tornam a presença do jogo na mesa mais marcante.
 

Esta é das parte mais signficativas no que à soma de pontos diz respeito, e é imperativo que algum investimento seja feito nestas secções. Existem decisões muito interessantes no que toca à ascenção do nosso cubo pelos degraus destes componentes ou pela lateralização dos mesmos.

No entanto, num jogo a 4, estes componentes podem ser problemáticos, se um dos jogadores estiver sentado atrás destes elementos. A informação é clara para quem os vê de frente, mas impossível para quem os vai ver de trás. Por isso mesmo, é aconselhável não utilizar estes componentes se um jogador tiver de experienciar este obstáculo.

Os materiais são de boa qualidade, todos os tabuleiros são grossos o suficiente para resistirem a quedas ou mau uso por parte dos jogadores. A roda das ações funciona muito bem, com um mecanismo interessante, em que um cubo cai num relevo escondido no tabuleiro, não permitindo que esta roda ande mais, assinalando o fim de um turno, o que do ponto de vista da usabilidade é bastante interessante.

 

 
A arte e os componentes só não têm nota máxima porque são conhecidos vários problemas de impressão nos tabuleiros pessoais, em que alguns ícones não estão centrados e acabam mesmo por interferir na jogabilidade. Outro ponto que poderia acrescentar é o tamanho da caixa. Parece-me pequena para a quantidade de componentes que tem. Para um jogo que tem vários componentes 3D seria conveniente que a caixa permitisse guardar os mesmos, sem termos de os desmontar.

Tendo várias estratégias diferentes válidas, Praga Caput Regni é, sem dúvida, um jogo para ir à mesa várias vezes. Dificilmente a experiência será semelhante à anterior, mas é certo que à medida que os jogadores ficam mais confortáveis com uma determinada estratégia tendem a tentar explorá-la de forma mais eficiente no jogo seguinte. Desta forma, acredito que sair da zona de conforto é quase que uma nova experiência e uma nova aprendizagem e com tudo o que isso acarreta, o que torna o jogo mais desafiante. No entanto, tenho visto recorrentemente o caminho da especialização, mais do que a da diversificação, mas talvez este seja mais um problema do jogador do que do jogo.

Notas finais

Dinâmica

É um jogo de turnos relativamente rápidos, que proporciona uma sensação de satisfação progressiva.
À medida que o jogo avança, as ações tornar-se-ão mais poderosas. O desbloqueio de bónus tornar-se-á uma constante e, apesar de na parte final o ritmo abrandar, porque essas decisões poderão ter impacto significativo no desfecho da partida e é necessária alguma análise sobre o estado do tabuleiro, diria que é um abrandamento desejável, até para que os jogadores seguintes possam planear a sequência das próximas ações. É um jogo muito elegante!

Nota: 

          


Integração temática 

Respira e transpira tema! Apesar de o foco estar presente nas mecânicas, as ações fazem sentido do ponto de vista temático, as ilustrações no tabuleiro e os elementos 3D reavivam a memória do que realmente se pretende construir na cidade, e os pormenores dos componentes são deliciosos e instigam sobre o jogador uma vontade em saber mais sobre a história de Praga e, quem sabe, visitá-la nos próximos tempos. 

Nota:

          


Complexidade

É um jogo de dificuldade média/alta. Tem várias regras que poderão levar algum tempo a assimilar. No entanto, a integração do tema nas mecânicas torna as ações bastante intuitivas. Para quem joga pela 1ª vez, levará pelo menos dois turnos a entender a dinâmica das rondas, e 1 ou 2 jogos para descortinar os caminhos que potenciam determinadas estratégias. 
Para um eurogame com vários elementos e várias formas de pontuar, a aprendizagem das regras não é claramente um problema. No entanto, a riqueza estratégica e tática que o jogo oferece torna-o desafiante o suficiente para que cada jogo pareça diferente do anterior.
Dou nota máxima a este parâmetro, uma vez que o jogo consegue ser complexo o suficiente para desafiar o jogador da forma certa, sem criar obstáculos no que às regras diz respeito.

Nota:    

      


Entretenimento

É um jogo histórico, com cubos/recursos que são gastos para darem lugar a uma construção, e até aqui não há nada de transcendente. Ainda assim, Praga Caput Regni é um jogo extremamente interessante do ponto de vista do entretenimento. A disposição do tabuleiro pessoal apresenta-nos um mecanismo com duas gruas que, à medida que giram, desbloqueiam bónus, para além de contabilizarem o número de recursos que estão armazenados. É muito satisfatório fazê-las girar e ver o que acontece; outra parte do tabuleiro pessoal, onde colocaremos parte dos castelos construídos têm ícones e a sua disposição importa, no sentido que ícones adjacentes despoletarão a aquisição de vários bónus. Este puzzle é interessantíssimo! A roda das ações é genial: para além de nos oferecer um bónus associado à peça que escolhermos, poderemos ganhar ainda outro se a peça se “aguentar” na roda durante bastante tempo. E o que dizer do cubo que cai no relevo do tabuleiro, entalando a engrenagem, alertando assim os jogadores para o fim do turno? 
A arte e os componentes 3D dão muita vida ao tabuleiro. Nota-se que foi feito um esforço suplementar em tornar um eurogame clássico em algo visualmente aprazível e com elementos fascinantes que tornam a tarefa de realizar uma ação numa experiência tátil, mas igualmente visual.

Nota: 

          



Praga Caput Regni é o meu jogo preferido de 2020! De longe! Parece ter sido feito à medida, preenchendo todas as caixinhas dos meus gostos! 
O autor, Vladimir Suchy, entrou no meu top 3 de designers preferidos, degladiando-se com Alexander Pfister pelos jogos mais esperados do ano. Conseguiu com Shipyard, Underwater Cities e, agora, Praga Caput Regni colocar qualquer jogo que lance no meu carrinho de compras e de forma automática.
Sem pensar muito em que posição se encontra este jogo na minha lista de jogos preferidos, posso sem receios dizer que está muito provavelmente no meu top 10 de sempre.
Vejo nas redes sociais muita gente a render-se ao jogo, o que mostra que não é apenas a minha opinião, mas sim a de uma comunidade já expressiva que não resistiu a experimentá-lo e, hoje, é fã do mesmo.
Aprovadíssimo e recomendado! E com este jogo, Praga passou a ser um dos locais que mais quero visitar!

Nota global:  

        

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