COVID19 - A tragédia que virou oportunidade - Board Game Arena
Artigo escrito por Bruno Maciel
Com o crescimento contínuo da indústria dos jogos de tabuleiro foram surgindo, ao longo dos tempos, plataformas digitais que tentam simular a experiência de jogo analógico. Existem várias, com ofertas bem distintas e a popularidade destas plataformas nem sempre foi a mais positiva. O crescimento destas plataformas esbateu-se na ideia de que os jogos de tabuleiro deveriam ser jogados à mesa, até porque muitos destes entusiastas procuravam fugir do "digital" e acabaram por encontrar um escape neste nicho que é, hoje, uma indústria de muitos milhões.
Em 2010 foi fundada uma empresa, pequena, bastante familiar, por dois franceses (Greg Isabelli e Emmanuel Colin), a Board Game Arena. A premissa era simples: disponibilizar numa plataforma digital um conjunto de jogos de tabuleiro, com regras implementadas e programadas, que permitissem o utilizador aprender e/ou jogar com outros utilizadores de qualquer parte do mundo, em simultâneo ou de forma assíncrona.
Assim nasceu uma das plataformas digitais de jogos de tabuleiro mais famosas do mundo. No entanto, o início foi penoso. Uma vez que apenas poderiam disponibilizar jogos licenciados pelas próprias editoras, a oferta de títulos era escassa, a diversidade e a qualidade dos mesmos não entusiasmou o público alvo e o BGA foi sobrevivendo, na sombra, como se de um ilustre desconhecido se tratasse.
Em 2016 tudo começou a mudar. A equipa reforçou-se com Ian Parovel, um designer gráfico/diretor de arte/diretor cinematográfico, com muitas experiência na comunidade dos jogos de tabuleiro, que ficou encarregue de desenvolver a experiência de utilizador (UX) e parte gráfica do website.
O site ganhou uma nova roupagem, ficou mais atrativo, mais "user friendly" para o utilizador comum e a quantidade e diversidade da oferta aumentou. A interatividade dentro da própria plataforma foi aberta à comunidade e esse foi um toque genial que desencadeou um crescimento assinalável da popularidade do BGA. A tradução dos jogos para várias línguas passou a ser uma realidade, com elementos da comunidade a oferecerem-se para traduzir elementos de jogos em troco de recompensas que poderiam ser usadas ou convertidas dentro do próprio site e, de repente, temos jogos que são jogados por um utilizador da Roménia, em romeno, com um jogador de Portugal, em português... e em simultâneo.
As portas abriram-se com o derrubar de várias barreiras. De repente, as editoras começaram a olhar para a plataforma como uma montra viável para mostrar os seus produtos. A ideia de que se colocassem lá os seus títulos de forma gratuita iria afastar potenciais compradores passou a ser vista de forma diferente: hoje o utilizador experimenta o jogo na plataforma digital e se gostar é mais provável que queira adquirir um exemplar físico. Se mais jogadores jogarem o jogo, mais se falará dele, a sua popularidade aumenta, aumentando também o número de potenciais compradores.
A plataforma foi sendo melhorada continuamente e é distinta de várias outras que também ganharam popularidade, sobretudo, porque tem um grande trabalho de programação investido em cada jogo. Não há nada que o jogador possa fazer que vá contra as regras do jogo. Estas são forçadas e vários automatismos são criados de forma a que à ação escolhida se sigam determinados movimentos gerados pelo simulador, não tendo o utilizador que se preocupar em contar moedas, pontos e mexer nos componentes do jogo. É, de facto, uma plataforma muito útil para quem quer aprender jogos novos!
Em 2020, o COVID19 rebentou e invadiu as nossas vidas de forma abrupta. Muita coisa mudou e os nossos hábitos de jogos também. Muitas indústrias foram afetadas com esta calamidade e a dos jogos de tabuleiro não foi exceção. No entanto, no meio da adversidade surgiram oportunidades. Mais tempo em casa e em família foram fatores que permitiram à indústria não só ficar à tona, mas em vários casos até crescer os seus números.
O Board Game Arena (como outras plataformas similares) aproveitaram este período para de transformarem, para evoluirem e viram numa tragédia, a oportunidade de negócio que dificilmente encontrariam se o COVID19 não surgisse nas nossas vidas.
Mais jogos no seu catálogo, mais diversidade (desde party games, a jogos económicos, mais longos e mais pesados e direcionados a um público em específico) e também mais procura! Nas primeiras semanas de confinamento, o BGA deparou-se com inúmeros problemas de incapacidade de registar tanta afluência.
Os servidores estavam constantemente inoperacionais e a capacidade de resposta parecia ser sempre fraca, mesmo que o BGA continuasse a investir muito financeiramente na aquisição de novos e mais potentes servidores. A afluência foi tal que tiveram de abrir restrições ao uso da plataforma, para que os utilizadores premium pudessem usufruir da mesma. Novos utilizadores eram rejeitados, simplesmente porque não havia capacidade de resposta.
Após um período de turbulência, o "navio" estabilizou e ganhou tração. Uma nova "feature" foi implementada: os jogos "Beta": jogos ainda em desenvolvimento e que serão lançados, assim que todos os problemas/bugs sejam encontrados e resolvidos. Neste capítulo, foram incorporados novos jogos, alguns deles tão recentes que nem no mercado estão. O interesse dos utilizadores cresceu e este crescimento foi acompanhado pelo aumento exponencial do seu catálogo.
Esta evolução tremenda não passou despercebida ao "tubarão" maior deste oceano: a Asmodée! A empresa multimilionária francesa que tem adquirido tudo o que pode dentro da indústria ficou interessada neste fenómeno. Pudera, o BGA cresceu 600% em 2020!!! Em Dezembro de 2020, cerca de 5 milhões de utilizadores estavam inscritos na plataforma. Diariamente, mais de 50000 jogadores estão, em simultâneo, na plataforma que conta, atualmente, com mais de 300 jogos no seu catálogo.
No início de 2021, a Asmodee "chocou" o mundo, uma vez mais, ao informar que tinha adquirido o Board Game Arena! No meio das declarações, muita polémica rolou e temia-se o fim do BGA tal como o conhecemos. No entanto, a Asmodee garantiu que o site funcionará de forma autónoma, com completa liberdade editorial e que viu no BGA uma oportunidade de acelerar o processo de comercializar os seus jogos, mostrando à comunidade os seus produtos e e aferir sobre a qualidade dos mesmos antes de estes serem lançados no mercado.
Para o BGA, a decisão prendeu-se maioritariamente com o facto de ter na Asmodee um parceiro que suporte financeiramente o crescimento astronómico que têm experienciado, assim como a capacidade a nível de infra-estruturas e recursos humanos que o BGA até então não tinha.
Bem, todos sabemos que o dinheiro aqui falou mais alto e um pequeno grupo de pessoas, que teve uma ideia em 2010 e que durante anos penou por sucesso estará, muito provavelmente, bem na vida e com o futuro (financeiramente) assegurado!
Na verdade, desde que o a Asmodee anunciou a aquisição do BGA, a velocidade com que novos títulos surgem, e alguns deles muito interessantes, tem sido impressionante! Todas as semanas a secção "Beta" é atualizada com 2/3 jogos jogáveis e perfeitos no que à jogabilidade diz respeito... o que há anos atrás seria impensável! Se esta aquisição será boa ou má a longo prazo, só o tempo o dirá, mas uma coisa é certa, o COVID veio transformar, por completo, a vida das pessoas... neste caso, mudou a vida de muitas para melhor!