Returnal


Um ciclo de morte após morte, num mundo que se encontra em constante mutação. Depois da popularidade crescente do género “roguelike” no universo dos jogos indie, chegou a vez da Housemarque, por trás de jogos como Alienation e Resogun, se aventurar nesta temática com o novo Returnal. Será este exclusivo da PlayStation 5 uma passagem deste estilo para o mainstream?


Returnal é um jogo de ação e aventura na terceira pessoa, no qual acompanhamos a astronauta Selene, uma exploradora da agência espacial Astra que, após receber uma misteriosa transmissão, acaba por se despenhar num planeta ainda mais misterioso e… estranho. Afinal, uma das primeiras coisas que lá encontra é um corpo de outro astronauta em decomposição, o corpo de alguém chamado… Selene?!

Como em qualquer “roguelike”, cada derrota significa um regresso ao ponto de partida, mas não haverão duas jornadas iguais. O mundo funciona como uma espécie de puzzle no qual as diversas peças se podem encaixar das mais variadas formas e, assim, ao sair da primeira área tanto se pode entrar numa zona tranquila, como outra recheada de inimigos. No entanto, existem regras nessa aleatoriedade, das quais o jogador se vai apercebendo à medida que vai avançando. Para dar um exemplo, em Crimson Wastes, uma das regiões a explorar neste planeta, haverá sempre uma área aberta com várias zonas aleatórias, até se chegar à entrada de um “templo”, a partir do qual haverá outro conjunto de zonas totalmente aleatórias que, ultrapassadas, irão levar até ao topo. Há toda uma estrutura e uma lógica por detrás, que acaba por tornar aquele mundo algo familiar.



A cada novo ciclo, Selene terá à disposição a mesma arma inicial, mas associada a um elemento diferente. Todos os acessórios e melhorias obtidas no ciclo anterior são perdidas, exceptuando os upgrades que são identificados como permanentes, como novas habilidades, por exemplo. Em geral, estes upgrades são raros, obtidos a custo com o avanço da história ou a derrota de grandes bosses, mas serão esses elementos permanentes que irão realmente fazer sentir que se está a progredir. Também pouco frequentes serão uns itens chamados Ether que, depois de serem obtidos, permanecerão com a personagem nos ciclos seguintes. Estes poderão ser utilizados para várias finalidades, mas têm uma contrapartida, pois serão sempre gastos em troca de algo que se irá perder no ciclo seguinte. Cabe ao jogador decidir se está ou não no momento certo para os utilizar.

A melhor abordagem para um jogo deste género é ter em conta que, a qualquer momento, seja por uma distração ou algum azar, todo o progresso se tenha perdido. Novo ciclo, novo caminho, mas em todas as jornadas se aprende alguma coisa. No meio do “aleatório”, as salas vão-se tornando familiares, os locais de onde os inimigos aparecem passam a ser uma espécie de rotina, começando-se a aprender para onde apontar mesmo antes da criatura aparecer. Com o tempo, percebe-se que o mesmo sítio pode ter diferentes graus de dificuldade, mas os inimigos irão sempre surgir nas mesmas posições. Até mesmo os grandes inimigos e bosses têm uma rotina, pelo que assumir a possível derrota é uma óptima mentalidade para se aprender e voltar a tentar.

Para evitar batotas, Returnal não tem um sistema de gravação habitual que permita gravar uma jornada a meio e depois recomeçar, senão lá iria todo o conceito. O jogo grava automaticamente tudo o que acontece de relevante, desde os upgrades e colecionáveis permanentes até às mais diversas estatísticas de gameplay. Ainda assim, desligar o jogo, implicará o começo de um novo ciclo. Para deixar uma jornada a meio e poder continuar depois, a única opção será mesmo deixar a consola em “sleep”. Existem, porém, dois tipos de “checkpoints” que poderão ou não ser utilizados, dependendo tanto da sorte como da decisão do jogador. Um deles consiste numa sala (que pode ou não aparecer) onde a protagonista será “protegida” pela tecnologia alienígena e, se morrer, voltará a esse local sem perder qualquer upgrade adquirido até então. O custo, porém, é gastar o já referido Ether, que não é fácil de adquirir. A outra opção é, por acaso, encontrar ou conseguir adquirir uma figura de astronauta, que na prática servirá como um “revive” automático, com a saúde no máximo.



Returnal é, assumidamente, um jogo difícil. Seguindo as pisadas de jogos anteriores da Housemarque, este é um verdadeiro “bullet hell” na terceira pessoa, no qual os inimigos disparam todo o tipo de lasers e balas em cores neon, por cima de toda a escuridão. Em contrapartida, Selene terá à disposição um diverso conjunto de armas para encontrar durante a sua exploração, com os mais variados tipos de disparos principais e secundários, visualmente gloriosos em todos os aspectos. Disparar, desviar, disparar e disparar. Há ainda a opção de atacar fisicamente com um sabre luminoso que, em conjunto com o “dash” da personagem, parece só deixar um rasto de destruição. Quanto mais se mata, mais adrenalina, o que faz disparar ainda mais depressa e de forma mais poderosa, até que se sofra algum dano e tudo volte ao normal.

Se esta sensação de “space shooter” já consegue ser gratificante, nada como ir lutar contra um boss para perceber o quão épico o jogo consegue ser. Os bosses encontram-se em arenas bem espaçosas, mas são capazes de disparar em simultâneo para todas as direções, em sequências visualmente impressionantes de ataques atrás de ataques. Tal como em tudo neste jogo, há que entender que tudo aqui é mecânico. Aprender os seus movimentos, as sequências, os desvios, avanços e recuos, até que os combates se tornem verdadeiros bailados. Depois de incontáveis mortes até lá chegar, é sempre gratificante derrotar o boss de cada bioma, levando de recompensa algo permanente, que permitirá assim aceder à próxima região.

Pelo meio, há imensas mecânicas que poderão ajudar ou prejudicar o jogador, que ajudam a fazer de cada jornada algo ainda mais aleatório. Por vezes, logo nas primeiras salas há uma série de upgrades à disposição, noutras há imensos inimigos e upgrades acompanhados de alguma maldição. Descobrir como tudo funciona, decidir se compensa ou não apanhar um item, tudo faz parte da experiência. Felizmente, o jogo conta com uma boa dose de tutoriais a acompanhar.

Por mais que o “bullet hell” e o “roguelike” sejam as principais componentes em termos de promoção e divulgação deste Returnal, na verdade o melhor elemento do jogo está na sua componente de exploração. Pode parecer irónico quando se fala de um jogo onde, a cada jornada, as diversas áreas são sorteadas e distribuídas numa nova combinação, mas a verdade é que todas elas parecem cuidadosamente planeadas entre si. Logo desde o início, o jogo transmite uma sensação semelhante ao clássico Metroid Prime, num ambiente escuro e chuvoso como ponto de partida para uma misteriosa aventura. Não só a própria ligação entre as diversas áreas, na primeira região deste planeta Atropos, é idêntica à desse clássico, mas também a parte de, ao longo da jornada, se verem obstáculos que serão inultrapassáveis e plataformas inalcançáveis até que sejam obtidos novos equipamentos - incluindo um "grappling hook". Cada nova mecânica incentiva a explorar de novo as regiões anteriormente visitadas e tentar aceder a novas áreas. Honestamente, pode parecer irónico que um mundo em constante mutação também apele à exploração, mas é mesmo isso que se sente neste que pode muito bem ser considerado um "metroidvania". Quem quer saber de rótulos, mesmo?



Artisticamente, é um jogo realmente impressionante em todos os aspectos, oferecendo-nos um planeta que tanto tem de sinistro como de deslumbrante. Diferentes regiões do planeta contrastam entre si, da floresta escura ao deserto vermelho, passando pela cidade abandonada em tons de sépia, numa mistura de influências que tanto faz lembrar jogos como Metroid Prime ou filmes como Alien e Blade Runner 2049. Tudo isto, combinado com os vestígios de uma civilização perdida e monstros saídos do imaginário de Lovecraft mas com todo o tipo de ataques em cores néon.

Ao mesmo tempo, este é o primeiro título exclusivo para a PlayStation 5 que realmente demonstra ter sido criado de raiz a pensar nesta consola, em todos os aspectos. Visualmente, é absolutamente extraordinário, desde as sombras aos reflexos, aos altos contrastes entre os cenários e os ataques, tudo com uma fluidez intocável mesmo nos momentos mais recheados de ação e inimigos. Além disso, não existe qualquer sensação de loading ao longo de toda a exploração. Depois, há toda a experiência sonora, que tira o máximo partido do 3D Aúdio da PS5 para colocar o jogador mesmo no centro daquele mundo, ouvindo todos os sons e ruídos através de um bom headset. Um exemplo simples, notável logo no início, é a sensação da chuva em redor, que tanto se pode ouvir, como sentir com a vibração do comando. Tudo isto, junto, faz deste um jogo realmente imersivo.

Mesmo a condizer, está toda a história deste jogo que, embora seja minimalista, se vai aprofundando conforme se vai jogando. Afinal, quem é Selene, o que a levou ali? Este está longe de ser um jogo de terror, mas tal não quer dizer que não seja sinistro. Além de versões anteriores da personagem que vão sendo encontradas pelo caminho, Selene chega a encontrar a sua própria casa naquele planeta. Mas como assim? Conforme se vai avançando, particularmente após a chegada a novos biomas do planeta, a casa voltará a abrir as portas, explorando as confusas memórias desta persistente exploradora, que só pretende terminar com este ciclo infinito de morrer, explorar e voltar a morrer.



Não é, porém, um jogo para todos. Como já referido, Returnal é difícil e foi planeado para isso mesmo: avançar, morrer, aprender, recomeçar. Com aproximadamente 25 horas de jogo para esta review, ainda me encontro a decifrar os mistérios do terceiro bioma, num total de seis regiões existentes. Sem qualquer opção de ajustes a nível de dificuldade, a tentativa e erro é realmente parte da experiência, que tanto tem de frustrante como de gratificante. Para dar um exemplo, a maior frustração até este momento foi com o boss da segunda região, por ter chegado lá recheado de bons equipamentos e acabar derrotado quando o próprio monstro estava mesmo a ficar sem HP. Logo a seguir, porém, veio a enorme celebração, quando na tentativa seguinte já o consegui derrotar, sem metade do equipamento anterior! Afinal, tão importante como o equipamento, é o conhecimento dos movimentos, a capacidade de antecipação. Naturalmente, isto ser ou não algo apelativo irá depender de cada jogador.

Como se tudo isto não bastasse, o jogo conta ainda com um modo adicional de desafios diários, que poderão ser acedidos a partir da nave onde se começa a jornada. Este modo fica disponível após a derrota do primeiro boss, dando acesso às outras regiões conforme se vai avançando no modo principal, e permite competir com jogadores de todo o mundo pela melhor pontuação.


Returnal é, de facto, o primeiro grande exclusivo da PlayStation 5 a demonstrar todas as capacidades da consola, envolvendo os jogadores num ciclo vicioso de tentar, tentar e voltar a tentar. Caberá aos jogadores, finalmente, quebrar esta maldição, que tanto tem de desafiante, como gratificante!

Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 5, gentilmente cedido pela SIEE.

Latest in Sports