Tulip Bubble, Economic Trouble
Artigo escrito por Francisco Maia.
Há um par de anos tive a oportunidade de comprar um jogo qualquer sobre flores de uma pequena editora taiwanesa. Eu até gosto de flores, mas não sei se o suficiente para querer um jogo sobre tal tema. No entanto, duas coisas despertaram o meu interesse: por um lado o jogo é bonito, por outro é um jogo de leilões. Ok, tinham a minha curiosidade mas agora têm a minha atenção. Por alguma razão que me sobrepassa, o preço tinha caído 70% e acabei por pagar algo como €15 por ele - isto é um mau sinal.
O jogo gira em torno da grande bolha económica dos bolbos de tulipas nos Países Baixos que resultou no colapso financeiro de 1637 - conhecido por Tulip Mania. A malta holandesa, por razões que apenas os deuses sabem, começou a comprar bolbos de tulipas como se fossem cartas Magic, e tal como estas também os bolbos chegaram a preços estapafúrdios (e parafraseio a Wikipedia: em 1635, 40 bolbos foram vendidos por 100,000 florins. O salário anual de um trabalhador seria 150 - 300 florins. Leiam sobre o assunto, que parece prever o mercado dos TCGs).
Caixa maneirinha, insert jeitoso, arte porreira, preço acessível. |
Quando experimentei o jogo pela vez não sabia bem o que esperar, estava de pé atrás. Mas vá, é levezinho, convida-se uns amigos e está feito. Bem, o jogo é muito giro. Então, antes de mais há duas partes no jogo: a primeira é a óbvia compra e venda de tulipas em três cores diferentes, a segunda é a especulação de mercado. Por fases:
- Fase de mercado. Há um evento económico que entra em vigor. Revela-se aleatoriamente uma carta do baralho, e aumenta-se ou diminui-se o valor de de mercado de uma cor de tulipa, às vezes até múltiplas vezes a mesma cor.
- Fase de venda. Dá-se a oportunidade de venda do nosso portfolio florífero. Simples - apenas podemos vender as flores que temos na mão (na primeira ronda não teremos nenhuma, claro) para dois sítios: ou para o mercado, em que cada flor é paga mediante o seu valor na bolsa, ou para colecionadores que pagarão muito bem por lotes específicos de flores. Todas as cartas que vendemos vão para a fileira de flores vendidas.
- Fase de compra. As tulipas estão dispostas em três fileiras - Próximo Carregamento, Recém Chegadas, e Vendidas. Podemos comprar flores das duas ultimas duas sendo a primeira reservada ao próximo turno, evidentemente. Aqui é onde o jogo começa - no nosso turno colocamos um de três tokens em flores que queiramos comprar, mas claro que isso seria fácil demais. Se no final de todos colocarem os seus tokens houver alguma carta com mais que um token, as jogadoras a quem pertencerem os tokens decidem com um leilão qual delas fica com a carta. Senão, a carta é comprada pelo valor de mercado.
- Tenho de fazer aqui uma chamada para falar dos dois mecanismos que me cativaram logo para o jogo. Este jogo revolve inteiramente em redor de retornos sobre investimentos (mesmo como eu gosto). Queremos comprar baixo e vender alto. Até aqui, chapa cinco. MAS a melhor parte (ou a pior?) é que não precisamos de ter o dinheiro na mão quando licitamos ou compramos a maldita flor. O banco cobre o que não tivermos. Fantástico. Mas eis o senão: pedir dinheiro ao banco significa que não podemos vender as flores "hipotecadas" a colecionadores, apenas directamente ao mercado. Quando o fizermos, o valor do empréstimo é pago de imediato e ficamos com o resto. Parece um pormenor, mas normalmente dói na alma. O segundo mecanismo é que quando uma flor é leiloada, o excedente da oferta vencedora é divido pelas perdedoras, espalhando assim o capital como um desvario marxista naquilo que é uma selva capitalista.
- A última fase é o cleanup, o que seria uma seca noutro jogo qualquer mas aqui é essencial pela simples razão que, de uma forma muito temática, a escassez das cores das flores em jogo vai afectar a especulação do mercado. A cor com mais presença na mesa desce de valor, a segunda estagna, e a terceira sobe. Giro, não é? Isso significa que mesmo que percamos leilões podemos lixar as adversárias ao escoar produto para desvalorizar o que acabaram de nos "roubar".
Ninguém diria que nascem na beira da estrada, pelo que pagam por elas. |
Avaliação D.I.C.E.
Dinâmica
As dinâmicas deste jogo são a minha praia. Primeiro, a ideia de posicionamento na compra atrai-me muito. A ideia de que se for logo para as flores mais populares então vou ter competição, mas se for para as mais tímidas talvez fique com elas a preço de mercado. Este trade-off é muito bom mesmo. A ideia de se poder pedir empréstimos ao banco automaticamente e a distribuição do excesso no final do leilão são ideias que no papel me desagradariam mas que na realidade funcionam muito bem. É mais fácil alguém que não apanha muito bem o jogo ou que não é tão dado a especulação jardineira poder continuar em jogo e ter alguma coisa para fazer todos os turnos. Mas para mim onde o jogo brilha é mesmo na criação de escassez artificial das flores. Imaginem a Susana, que não gosta dos confrontos dos leilões, a comprar as flores mais mixurucas por baratinho, que são tantas que não valem nada. E compra. E compra… compra… e de repente não há mais daquelas. E o valor sobe. E sobe… e sobe… e estão todas na mão da Susana, que as vende por uma quantidade de florins que faria o Jeff Bezos corar. Adicionando a esta versatilidade a narrativa providenciada pela sorte dos eventos (algo que achei que ia odiar mas afinal adoro), o jogo é um misto de crunchiness económica e galhofa de domingo à tarde. Como de costume, o leilão é o grande equalizador na mesa. Se toda a gente estiver no mesmo nível, temos uma dinâmica mais competitiva. Se ninguém estiver para aí virado, temos a diversão de ver os fanfarrões (ahem... não vou mencionar nomes) a apontar para as estrelas e a espalharem-se no asfalto.
Integração Temática
A temática está mais ou menos toda lá. Como em qualquer jogo de bolsa, para ser sincero. Fosse tulipas ou bitcoin, nós sentimo-nos como investidores. Mas se precisava de ser sobre as tulipas ou não funcionava? Ehhhhh. Gosto bastante da divisão temática entre vender para o mercado, volátil e imprevisível, e para os colecionadores mais estáveis e seguros. Mas claro que é uma corrida. O mercado aceita tudo, mas uma colecionadora interessada num conjunto específico de flores é mais rara e quando obtém o que quer, até loguinho. Essa parte deu-me uma sensação de urgência que apreciei bastante.
Complexidade
Não sei se chamaria a este jogo de complexo, mas por outro lado não sei se é super simples. As regras são relativamente fáceis de aprender e o flow do jogo é intuitivo. No entanto, pode ser um jogo relativamente opaco nas primeiras jogatanas - a estratégia normalmente terá não só de prever os movimentos dos outros jogadores mas também como esses movimentos irão afectar o mercado em termos de especulação, tudo sob os temidos eventos aleatórios para os quais nos podemos preparar se tivermos atenção. Portanto enquanto é um jogo que mecanicamente não será muito mais complexo que um Modern Art ou um The Estates, e estrategicamente (tal como nos outros mencionados) é menos provável que seja tão linear que qualquer pessoa consiga apreender imediatamente o que deveria estar a fazer num dado momento. No entanto, não penso que isso seja impeditivo de introduzir este jogo a não-jogadores. Mais sobre o assunto na secção seguinte.
Entretenimento, Design e Arte
Em termos de diversão, acho que é o jogo mais divertido que tenho. Demorei algum tempo até perceber a razão para ser tão mais divertido que os outros mas cheguei à conclusão que se deve aos eventos aleatórios. Num jogo cujas mecânicas estão normalmente tão ligadas à estratégia e cerebralidade, é estranho ver algo tão importante deixado (mais ou menos) ao acaso. Mas a verdade é que é divertido ver alguém a ter sorte ou azar. É divertido ver alguém a pagar demais por uma tulipa, fanfarrar, e depois perder tudo porque o mercado foi desta para melhor. Diacho, é divertido ser essa pessoa! Outra coisa é algo que já mencionei antes, mas acho que o facto de termos caminhos realmente alternativos para fazer dinheiro permite que toda a gente esteja empenhada no jogo até ao final, quando noutros jogos por vezes nota-se um efeito de bola de neve económica que é chato ver de fora.
Em termos de design e arte, eu acho um jogo extremamente limpo e bonito. Há muita gente que não gosta dos tons pastel para os jogos mas eu acho que lhe dá um certo requinte que me puxa para dentro do tema (mas hei, eu sou fã do Harald Lieske, portanto quem sou eu para falar). A única coisa que não gosto são os escudos para manter o dinheiro escondido mas aqui em casa joga-se com dinheiro à vista portanto nem sequer me maça muito.
Considerações Finais
Se o valor de um jogo for medido através do rácio custo/diversão/tempo de jogo, então este é o jogo mais valioso da minha coleção. Também ajuda o desconto que tive ao comprá-lo. Mas de qualquer forma, é um jogo que dá perfeitamente para preencher uma tarde em família ou com jogadores ávidos, para competir ou para divertir. É uma hora e pouco bem passada e recomendo para qualquer coleção, mas mais ainda para quem gosta de jogos de leilão e quiser algo com uma vertente mais prazerosa.