Death Stranding 2: On The Beach

Death Stranding é um jogo especial para mim. Joguei-o apenas em 2023, 4 anos depois do seu lançamento, numa altura em que me encontrava perdido. A um nível mais básico, tinha acabado há pouco um outro jogo e andei umas semanas sem saber o que jogar até dar uma oportunidade a Death Stranding. Num nível mais pessoal, não estava no melhor lugar em termos de saúde mental, não sabia muito bem que direção tomar para o próximo capítulo da minha vida e, de certa forma, um jogo que consiste quase exclusivamente de longas e solitárias caminhadas ao som da banda sonora mais deprimente de sempre era exatamente o que eu precisava. Hesito em ser hiperbólico, mas a experiência de jogar Death Strading pela primeira vez tornou-se algo sagrado.

Durante cerca de um mês foi a única coisa sobre a qual conseguia pensar, uma verdadeira obsessão. E desde que vi rolar os créditos não fui capaz de o voltar a jogar. O meu Sam continuou onde estava, sem dar nem mais um passo desde então. Já tentei ver outras pessoas a jogar, bem como tantos dos inúmeros vídeos que procuram dissecar a tão complexa história de Death Stranding, mas não fui capaz de o fazer. Não é a mesma coisa. A única coisa que me manteve até agora ligado ao jogo de forma ativa foi a sua banda sonora, que será para sempre uma das minhas preferidas em qualquer meio artístico. Death Stranding será, para sempre, uma experiência incomparável.

E, com que então, o "FeDex Simulator" recebeu uma sequela. Lembro-me como se fosse hoje do primeiro anúncio de Death Stranding 2: On The Beach. Lembro-me de cada detalhe incompreensível daquele primeiro trailer que devo ter visto e revisto para lá de uma dezena de vezes. Era tudo tão estranho, mas, ao mesmo tempo familiar. Era Hideo Kojima na sua forma mais pura, tal como Death Stranding tinha sido. Tornou-se instantaneamente aquilo que eu mais antecipava em 2025. Nem filme, nem série, nem nenhum acontecimento pessoal poderia superar a minha antecipação para a sequela de uma das minhas experiências favoritas de sempre. E é óbvio que, quase 50 horas depois do meu primeiro passo em Death Stranding 2, tendo visto os créditos rolarem em mais uma das estranhas criações de Kojima, não fiquei desiludido. De certa forma, nunca poderia ficar. De outra forma, até as minhas mais altas expectativas foram superadas.

Encontramos Sam e Lou 11 meses depois dos acontecimentos de Death Stranding, a viver isolados e fora da rede quiral, como pai e filho, quando esta vida pacífica é interrompida pelo reaparecimento de Fragile, que pede a Sam para reconectar o México, tal como fez nos ex-Estados Unidos da América. A par dessa tarefa, Sam embarca também numa viagem para investigar um portal misterioso que surgiu no México e liga o país à Austrália. Isto significa que em Death Stranding 2 há ainda mais para explorar, incluindo um novo continente. Norman Reedus e Léa Seydoux estão de volta nos papéis de Sam e Fragile, ambos com performances genuinamente brilhantes, bem como Troy Baker, que é, para mim, o destaque de Death Stranding 2, no papel de Higgs. A sequela traz consigo também novas personagens, como Tarman (George Miller/Marty Rhone), Rainy (Shioli Kutsuna), Dollman (Fatih Akin/Jonathan Roumie) Neil (Luca Marinelli), entre muitos outros. Mas claramente, a adição de peso é Elle Fanning, no papel de Tomorrow, com mais uma performance incrível. O talento de Hollywood faz-se realmente ver em Death Stranding 2 e toda a experiência é elevada pelo desempenho hercúleo de todo o elenco.

A essência de Death Stranding é a base de Death Stranding 2, não haja dúvidas. Este continua a ser um jogo que consiste maioritariamente em realizar entregas por terrenos precários ao som da melhor música que existe. Isso tanto pode ser uma boa notícia – para aqueles que, como eu, se apaixonaram pelas melancólicas caminhadas e pelas deslumbrantes paisagens –, como uma má – para aqueles com mau gosto (está tudo bem, nem todos podemos ser abençoados com a capacidade de reconhecer instantaneamente uma obra-prima). Mas, no seu núcleo, mais do que qualquer outra coisa, Death Stranding é uma história sobre luto, sobre conexões, sobre escolher a corda – que simboliza estas conexões – em vez do pau – um instrumento de agressão, usado para manter os outros à distância. E, mais uma vez, Death Stranding 2: On The Beach é a continuação dessa história. E sim, Kojima sendo Kojima tem de contar essa história da forma mais elaborada e metafórica possível, mas a verdade é que o mundo é um lugar melhor por ter artistas como Hideo Kojima. Artistas que se expressam livremente, sem barreiras nem tabus, e que partilham connosco o seu talento e o seu gosto por contar histórias. E de cada vez que alguém partilha a sua história com o mundo, sem medo, sem se reprimir, o mundo torna-se um lugar mais livre, mais belo e mais puro, um lugar em que vale a pena viver.

Não querendo (nem podendo) partilhar mais detalhes sobre a história, viro a minha atenção para a jogabilidade em si, desta vez com um foco maior em ação. Enquanto que no primeiro jogo as bases inimigas eram escassas e o imperfeito sistema de combate nos motivava a enfrentá-las de forma furtiva, estas são agora muito mais comuns e as melhorias significativas feitas ao combate armado significam que esta é agora uma abordagem tão viável como a furtividade. Claro, também é sempre uma opção simplesmente dar uma volta maior e evitar os inimigos completamente. Maiores dores de cabeça foram as BTs, que parecem muito mais perigosas do que da última vez que as vimos. Fui detetado com muito mais frequência, muito fruto de um novo tipo de BT que é capaz de ver o Sam, não apenas ouvi-lo. Isto resultou em fúteis tentativas de escapar do alcatrão em que de repente me encontrava e, inevitavelmente, em peças de mercadoria frágeis completamente destruídas.

Felizmente, Sam conta com uma variedade de novas armas e ferramentas, incluindo um boomerang que pode carregar com o seu sangue para usar contra BTs e outros inimigos. Há momentos, no entanto, em que somos obrigados a lutar. Estas setpieces inspiradas em cenários de desastres naturais são homólogas dos momentos de Death Stranding em que enfrentávamos Cliff (Mads Mikkelsen) em cenários de guerra. Desta vez estamos frente a frente com um misterioso homem, que dá pelo não tão misterioso nome de Neil.

As novas armas não são, todavia, a única ajuda nova em momentos de combate. Existe em Death Stranding 2 uma nova árvore de habilidades que aborda todos os aspetos do jogo, desde o transporte de mercadoria ao combate furtivo e armado. Adicionalmente, o estilo de jogo de cada jogador influencia as habilidades de Sam. Se passas muito tempo com grandes quantidades de mercadoria às costas, o teu Sam tornar-se-á mais forte e resistente, enquanto que se deres muito uso às armas, a proficiência de Sam com estas vai aumentar. Estas habilidades cobrem todo o tipo de aspetos necessários para as árduas viagens de Sam, por isso não há necessidade de tentar encontrar a "forma certa" de jogar, já que o jogo se adapta a cada estilo.

A quantidade de terreno que temos para percorrer em Death Stranding 2: On The Beach não é necessariamente maior do que em Death Stranding (não levei a fita métrica nas minhas viagens), mas há certamente mais para explorar; mais ruínas, mais florestas, mais picos nevados e tanto mais, incluindo uma variedade de vida selvagem. Nunca se torna monótono ou cansativo percorrer a Austrália, ou o México de Death Stranding 2. Encontramos constantemente novos ambientes, acampamentos inimigos e áreas povoadas por BTs, frequentemente com condições climatéricas adversas. Ao longo das minhas viagens encontrei tempestades de areia, cheias, avalanches e fogos florestais, fenómenos que mudam drasticamente o mundo à nossa volta e destroem qualquer estrutura que encontrarem. Com tantas estruturas ao nosso dispor, sejam pontes, escadas, cordas ou zip-lines que cobrem mais espaço do que em Death Stranding, há sempre uma forma mais criativa de fazer cada viagem. Claro que também podes construir estradas e contar com as construções dos outros jogadores, mas aqui a grande novidade é o monorail, uma linha que cobre bastante terreno ligando vários postos em meros minutos e permitindo o transporte de carga e veículos.

Passamos, também, muito do nosso tempo a bordo do DHV Magellan, uma mistura entre uma nave e um navio, a base de operações de Fragile e da sua tripulação, que passa a incluir Sam, e que é capaz de navegar as correntes de alcatrão subterrâneas. Ainda que esta seja uma boa adição, na teoria, creio que não foi implementada da melhor forma durante a maioria do jogo. Algo de que me cansei rapidamente foi do facto que, talvez durante a primeira metade ou até mais, os postos que o jogo incumbia-me de ligar encontravam-se relativamente próximos uns dos outros, pelo que as viagens não eram muito longas. E, ainda assim, a cada dois postos que ligava, era obrigado a regressar ao DHV Magellan para descansar.

Este foi o único aspeto que tornou o jogo ligeiramente monótono e formulaico e, infelizmente, não serve sequer para nos proporcionar mais tempo com o resto da tripulação, com estas interações restritas ao desenvolvimento natural da história. Penso que existem apenas dois momentos em que podemos interagir com duas personagens específicas para descobrir mais sobre o seu passado, mas isso simplesmente não é suficiente. Felizmente, mais para a frente, o jogo encontra desculpas para nos levar em viagens mais longas e nos negar acesso ao nosso porto seguro, o que não só é mais desafiante, como nos dá mais oportunidades de refletir sobre a missão de Sam e o percurso feito até então.

Death Stranding e Death Stranding 2: On The Beach são, essencialmente, histórias sobre o espírito humano, sobre a ânsia que o ser humano tem para se ligar a outros, sobre como ninguém pode viver em verdadeiro isolamento. São histórias sobre aquilo que significa ser humano, amar, ter saudades, fazer luto e ultrapassar todo o tipo de obstáculos para ligar o mundo. Em cada posto que visitamos ao longo destes dois jogos, tenham eles dezenas de pessoas ou apenas uma, encontramos uma história. Uma história de medo do exterior, de resignação ao isolamento, de desconfiança do desconhecido, mas também de superação das inseguranças, de coragem para viver mais um dia e de perseverança para ajudar a completar a hercúlea tarefa de voltar a criar um mundo. Em Death Stranding 2 é possível aprender ainda mais sobre a vida destas pessoas, através de árvores de diálogo que permitem colocar questões sobre o trabalho que cada uma leva a cabo no seu posto, sobre as ferramentas que cada nova ligação proporciona ou até sobre possíveis inimigos nas redondezas. Se estás à espera do novo Mass Effect, no entanto, podes tirar o cavalinho da chuva. Ainda que algumas cutscenes contem com opções de diálogo, a história é mais ou menos linear e as tuas escolhas não alteram o destino de Sam e companhia.

Como não podia deixar de ser, a banda sonora de Death Stranding 2 merece um destaque tão grande como qualquer outro aspeto deste jogo, sendo uma parte tão importante da essência deste. Ludwig Forsell, que colabora frequentemente com Hideo Kojima, é o responsável por esta sinfonia perfeita, mas são as composições do francês Woodkid que ficarão comigo para sempre, tal como as da banda Low Roar, em Death Stranding. Faixas como "To the Wilder", "Any Love of Any Kind", "Story of Rainy", "Minus Sixty One" e tantas outras serão adições permanentes à minha playlist de música para todas as ocasiões, especialmente para as caminhadas existenciais que se tornaram um hábito após jogar Death Stranding. Death Stranding 2 nem sempre é o jogo mais épico ou convencionalmente entusiasmante. Não é God of War, Horizon Forbidden West ou Marvel's Spider-Man.

Não há lutas contra deuses, não há gigantes robôs-dinossauros, não há super-heróis (ainda que hajam bastantes poderes entre a tripulação do DHV Magellan). Paradoxalmente, ainda que seja talvez o jogo mais elaborado, complexo e difícil de entender entre estes, é, de uma forma estranha, o mais realista e o mais simples. E ainda que hajam momentos certamente épicos, capazes de competir com o melhor que cada um destes jogos tem para oferecer, são sempre as caminhadas, a parte mais discreta, no entanto, a mais importante de Death Stranding 2, que me emocionam vezes sem conta. Death Stranding 2 fez-me chorar, fez-me sorrir e fez-me voar, e muita desta emoção se deve à inesquecível e sublime banda sonora.

Death Stranding é, e sempre será, uma experiência especial para mim e tantos outros. Conseguirá Death Stranding 2 ter o mesmo impacto? É difícil dizer, para já. É certamente difícil replicar o efeito que Death Stranding teve uma segunda vez, mas On The Beach não deixa de ser uma sequela magnífica, arrojada e imparável, que volta a mostrar que a veia artística de Hideo Kojima é incomparável e que a comunidade dos videojogos tem sorte por ter um visionário como Kojima na sua vanguarda. Juntamente com um elenco de fazer inveja às maiores produções de Hollywood, uma banda sonora variada e simplesmente mágica, uma Austrália mais bela que nunca e um par de pequenas adições que refinam os aspetos menos polidos de Death Stranding, o lendário Hideo Kojima revela em Death Stranding 2: On The Beach um daqueles jogos que só aparecem uma vez por geração, se tivermos essa sorte. É, certamente, o meu jogo do ano, e possivelmente de toda a geração da PS5.


Nota: Esta análise foi efetuada com base em código final do jogo para PS5, gentilmente cedido pela SIE.

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