Ghost of Tsushima


Decorriam os anos de 1274 e 1281, quando o Império Mongol por duas vezes tentou invadir o Japão e falhou. Enormes frotas marinhas, com o objetivo de conquistar território, tiveram não só de enfrentar um exército de guerreiros samurai, como também tempestades, tufões que arrasaram completamente a sua frota. A História é um pouco mais complexa do que isto, mas a verdade é que a conquista falhou, e no Japão ficaram as lendas, tanto dos bravos e honrados samurai, como os ventos divinos, ambos protegeram o território.

Com as lendas, vem sempre mais do que aquilo que realmente aconteceu, abrindo-se as portas a todo um mundo de imaginação. Séculos depois, o universo samurai faz ainda parte de toda a cultura pop japonesa, desde os contos históricos até aos mundos de fantasia, incluindo livros, filmes, até mesmo os videojogos. Entre eles está o trabalho de Akira Kurosawa, realizador de filmes tão marcantes que serviram de inspiração, mas também um escritor que, mesmo décadas depois de ter falecido, continuam a servir de base para novas criações.

É aqui que entra a equipa da Sucker Punch, um estúdio americano no qual muitos dos seus colaboradores afirmam ter crescido a ver estes clássicos do cinema japonês, todo um universo que sempre os inspirou, e que agora pretendem homenagear na forma de videojogo.

Eis, então, Ghost of Tsushima.


Este é um jogo de aventura em mundo aberto e livre exploração, que decorre precisamente ao longo da primeira invasão dos mongóis à ilha de Tsushima. Jin Sakai, o protagonista, é um jovem samurai que juntamente com o exército se dirige até ao ponto de chegada dos inimigos. Se corresse bem, não haveria invasão, mas o que acaba por acontecer é uma verdadeira chacina do exército, pois além de ter armas superiores, os invasores não querem saber de honra, o "ponto fraco" de um samurai.

Com esta derrota, quase todos os samurais desapareceram, sendo Jin um dos poucos sobreviventes, salvo por Yuna, uma ladra que, em troca, pede-lhe apenas que ajude a salvar o irmão, raptado pelos mongóis. Ao mesmo tempo, Jin descobre que o seu tio Shimura, líder do clã samurai, foi também preso numa fortaleza. O que é, porém, um único samurai, contra todo um exército para quem não existe sequer o conceito de honra?

Novamente derrotado, Jin começa a compreender que os grandes valores de um samurai não serão suficientes. Afinal, se os inimigos não são o povo de Tsushima, porque haveria de os tratar como tal? Infiltrar-se nos terrenos adversários, derrubá-los um a um, como se ninguém lá tivesse passado... assim começam a surgir os rumores de um fantasma. Sacrificar a honra, porém, também terá as suas consequências.


A jornada de Jin é uma história em 3 actos, cada um com um conjunto de missões aqui chamadas de "contos", nos quais a narrativa principal se vai desenrolando. Ao longo de toda a ilha, à medida que se vai conhecendo novas personagens, surgem também os Contos de Tsushima, missões que são opcionais, mas enriquecem profundamente toda a experiência.

Se em muitos jogos "open world" as diferentes áreas vão sendo preenchidas com bases inimigas para derrotar só porque sim, no mundo de Tsushima há sempre uma ou mais histórias para contar, desde a mais pequena aldeia até ao mais imponente dos templos. Por vezes, contos simples, como uma pessoa encontrada ferida revelar o que aconteceu à sua família, pedindo vingança. Outras personagens, porém, acabam por ter a sua própria saga, com vários contos ao longo do jogo. E se um cantor tiver uma lenda para partilhar, então vale mesmo a pena escutar.

Todos estes conteúdos aparentemente opcionais acabam por ser a verdadeira riqueza da história. Jin não está apenas a tentar salvar o tio, não está apenas a lutar contra um exército, mas sim a conhecer e ajudar, a aprofundar a sua relação com toda a população. Foram incontáveis os contos que, pelo caminho, fizeram descobrir novos pontos de interesse para mais tarde explorar. É nestes conteúdos que o jogador acaba por se envolver, querer sempre conhecer mais e melhor toda a ilha.


Tal como a história contrasta entre a honra e a infâmia, a exploração do mundo varia desde os locais mais calmos até aos de grandes conflitos, podendo estes encontrar-se mesmo lado a lado. Desde as longas planícies cobertas de flores, até às montanhas com vistas capazes de cortar o fôlego, passando por calmas florestas entre árvores sem fim, é simplesmente deslumbrante. Pelo meio, locais de sauna permitem não só relaxar como recuperar energia, outros levam a momentos de reflexão durante os quais se escreve um haiku, o tradicional poema japonês, contemplando a paisagem.

Explorar toda a ilha é um prazer. Se muitos jogos adoram ter o ecrã recheado de ícones de coisas para ver, fazer e colecionar, Ghost of Tsushima orienta os jogadores com o simples movimento do vento, que afecta toda a paisagem em redor. Coisas como o fumo à distância, um pássaro a chamar a atenção para um certo local, são formas de comunicação naturais que rapidamente se tornam intuitivas, oferecendo a este jogo um HUD bastante minimalista. Mesmo em termos de ícones a marcar localizações, o jogo deixa primeiro explorar algum tempo, antes de apresentar uma ajuda adicional. Ao conhecer bem as diferentes mecânicas de jogo, é até possível escolher um "Expert HUD", que o aproxima ainda mais de algo cinemático.

Ao jogar numa PlayStation 4 Pro ligada a um televisor 4K, é impossível não se ficar de boca aberta com todo o detalhe deste mundo. Simplesmente não se nota qualquer "pop-up" de elementos à medida que se vai aproximando, mantendo a mesma imersão quer se esteja a passar numa pequena aldeia ou a observar o distante horizonte. Um verdadeiro colosso, que leva o desempenho da consola muito além do que se podia esperar na geração atual.


Entre a mera exploração e os grandes momentos de ação, toda a fluidez do jogo faz com que este possa ser visto como uma grande série japonesa, mas com o prazer de ser o jogador a controlar tudo o que está a acontecer. A jogabilidade de Ghost of Tsushima conta com um magnífico sistema de combate que, apesar de complexo, conta com uma suave curva de aprendizagem.

Enquanto samurai, Jin começa com um pequeno conjunto de movimentos típicos do combate de espada contra espada. Uma mecânica simples, baseada em atacar, bloquear, desviar e quebrar a defesa do adversário. Conforme se vai jogando, porém, novas combinações vão sendo desbloqueadas ao gosto do jogador, incluindo posturas distintas que alteram completamente os seus movimentos. Se uma é boa contra espadas, outras serão ideais contra escudos ou lanças. Rodeado de inimigos, tão depressa se consegue quebrar as defesas de um escudo, como mudar de postura e rodopiar contra uma lança, voltando logo a seguir a mudar de postura contra espadas, num verdadeiro bailado digno de um filme.

Já enquanto fantasma, passar despercebido pelo meio dos inimigos, trepar para os telhados e assasinaá-los sem que os outros se apercebam, até mesmo colocá-los a lutar uns contra os outros, há uma vasta quantidade de técnicas a aprender que permitem derrotá-los sem sofrer qualquer arranhão. O verdadeiro prazer, porém, é misturar livremente todas estas opções. Tão depressa se pode começar com um confronto tradicional, digno de um samurai, como rapidamente desaparecer dos campos de visão dos inimigos. Em cada aldeia, cada acampamento, salvo em determinados momentos da história, a abordagem fica totalmente ao critério do jogador, com incontáveis opções à disposição.


Entre a belíssima exploração e o sangrento bailado do sistema de combate, mais do que os impressionantes gráficos que exploram todas as capacidades da consola, é mesmo toda a estética do jogo. Pequenas coisas como todos os contos da história terem um ecrã de título e encerramento, ou os grandes duelos entre samurais começarem com as clássicas perspectivas de um contra o outro, toda a apresentação é uma obra realmente cuidada. Mais importante que o "realismo" visual, a própria palete de cores é fiel ao que o cinema japonês utiliza neste género de filmes, mudando consoante a hora do dia e o clima. Algo comparável ao que Quentin Tarantino faz no cinema ao representar diferentes estilos, utilizando os mesmos materiais dos clássicos que pretende homenagear.

Com o trabalho de Akira Kurosawa como principal fonte de inspiração, a Sucker Punch criou um estilo de jogo muito especial chamado "Modo Kurosawa". Mais do que simplesmente mudar os gráficos para preto e branco, houve todo um esforço para recriar a gama de pretos, brancos e cinzentos utilizada nos filmes a preto e branco do realizador. Desde os altos contrastes, a toda a gama de cinzentos, incluindo até alterações na forma como é representado o vento, tudo de modo fiel ao que era feito noutros tempos. A desculpa perfeita para o jogar uma segunda vez, a preto e branco do princípio ao fim, e com o áudio em Japonês!


Inspirado e inspirador, Ghost of Tsushima é uma verdadeira homenagem à cultura oriental, capaz de transmitir uma experiência que os seus criadores podiam apenas imaginar, quando viam os grandes clássicos de samurais. Facilmente será recordado entre os melhores da PlayStation 4.

Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 4, gentilmente cedido pela SIEE.


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