Lost Soul Aside


Os principais criadores de videojogos, durante a sua história, sempre se dividiram entre os japoneses, de onde jogamos muito do que acompanhamos nos anos 90 e 2000, e os norte-americanos, que além das consolas sempre estimaram com carinho o PC. Por vezes surgiam alguns estúdios europeus que marcaram gerações e, atualmente, todo o mundo acaba por trazer novos jogos ao mercado, até mesmo nós com já vários jogos portugueses por aí. Um país que se tem mostrado cada vez mais forte nos últimos anos é a China, com vários jogos lançados que chamam de imediato à atenção, entre outros que agarram milhões de jogadores no seu lançamento.


Um dos títulos mais recentes oriundos da China é Lost Soul Aside, um jogo de ação que chamou logo à atenção de muito através dos seus trailers, prometendo muita ação, visuais onde a ficção científica e a fantasia se uniam, num espetáculo com muita porrada, ataques e golpes especiais bastante animados e uma narrativa minimamente intrigante. Um jogo que vem com o carimbo China Hero Project, uma iniciativa com o apoio e mentoria da PlayStaiton que promove jogos da China, ajudando no seu desenvolvimento e os projetam para o mundo todo, como se fossem jogos feitos pela própria Sony.

Havendo já um punhado de jogos lançados através deste projeto, Lost Soul Aside foi um dos principais títulos dele, pelo seu destaque e por ser distribuído pela própria Sony, um jogo feito a pensar na PlayStation. Deixou-me com alguma expetativa, os trailers mostravam algo muito à Devil May Cry ou Bayonetta, um estilo de jogo que já me deixa com algumas saudades, embora este também tivesse ali muitas inspirações claras em Final Fantasy XV, desde o estilo do protagonista, ao modo como invocava armas, ou até alguma da direção artística. Acompanhamos a história de Kaser, protagonista estoico, com um estilo bastante cool todo de preto, com alguns detalhes orientais.


Este é um jogo simples, que nos manda logo para o meio da ação sem grandes questões: somos um grupo de renegados que quer derrubar um império opressor só que, no momento em que o seu grande plano de ataque ocorre, a região é atacada por criaturas invasoras onde fica a dúvida se são extraterrestres, de outra dimensão, se são demónios ou o caraças. Bem, não importa, são maus e não nos querem facilitar a vida, estragando os nossos planos. De nome Voidrax (nome este sendo repetido inúmeras vezes e lembra-me sempre a série de animação Ben 10), no meio do caos a irmã de Kaser vê a sua alma roubada por estas criaturas, dando um novo propósito ao nosso herói, que também se vê acompanhado por um curioso dragão, ou pelo menos a cabeça dele, de nome Arena.

A história muda, assim, radicalmente de propósito: o império afinal não importa, há um vilão concreto e guiados por Arena temos de ir à caça de coisas para salvar a irmã de Kaser. Desculpa perfeita para ir, então, viajar por diferentes regiões, matar mauzões e enfrentar novos desafios, à medida que vamos aprendendo um pouco mais da história dos Voidrax, de Arena e do mundo onde estamos. E, bem, é isto? O propósito mudou de tal maneira que todo aquele início pareceu meio que irrelevante, embora haja ali uma ligação bem óbvia, e serviu para introduzir um par de inimigos principais que nos vão dar dores de cabeça mais à frente.


Dito isto, sendo um jogo de ação das coisas mais importantes é mesmo isso, a porrada! Lost Soul Aside faz um trabalho… ok. Nota-se ali as inspirações dos jogos que referi, principalmente de Devil May Cry pelo simples ato de levar inimigos ao ar, fazer uma combinação de ataques e pregar a espada no chão, apenas para ir rapidamente ter contra outro inimigo e repetir o processo. Passei literalmente o jogo a fazer a mesma combinação, alternando entre uma espada e uma arma de duas lâminas, que transformam Kaser num autêntico beyblade de tantos rodopios que dá, que apesar de ataques distintos entre ambos repetia o mesmo processo. Há ainda uma espada grande, lenta, mas mais poderosa, e uma foice, todas elas com habilidades que vamos desbloqueando e novas combos para manter a ação.

Armas que servem também para resolver alguns puzzles, muito básicos que podiam ser simplesmente prompts para uma ação de ataque, ou usar a nossa foice como uma corda, mas o jogo obriga-nos a essa troca para nos lembrar que estas armas existem. Todas elas podem ser equipadas com acessórios, que além de atributos próprios podem ainda ser representadas visualmente na arma, onde temos de escolher o sítio onde ela é apresentada. Um toque estético, completamente supérfluo, ainda assim giro e dei por mim a investir algum tempo a decorar todas as minhas armas. Todas elas também têm uma skill tree e alguns toques de RPG, no modo como gerimos o nosso equipamento para tirar mais partido de estados associados aos elementos de fogo ou gelo, entre outros.

Com tanta coisa, acabou por ser muito estilo e pouca substância. Resumi o meu jogo à espada com que começamos o jogo e o "beyblade", usando elementos diferentes na esperança que fizesse alguma diferença, que pouco parecia fazer. Repetia sempre as mesmas combos, que se agravou muito devido à direção técnica do jogo cujos sons dos ataques pareciam que tinha pegado em duas garrafas de plástico, batiam uma na outra e temos ali o suposto som das lâminas a atravessar os inimigos. Um dos muitos detalhes que, em poucas horas, sentia que aqui alguma coisa não estava bem e não ia correr bem… e assim foi.


A jogabilidade é básica, demasiado básica embora haja ali potencial para algo bem mais interessante, soubessem aprimorar o sistema de combates, combos e aumentar o desafio, o que é curioso porque temos itens que tornam o jogo mais fácil, caso encontremos muitas vezes o ecrã de "Game Over". Mesmo o jogo em si, é um conjunto de áreas vazias seguidas onde nada se passa, que grande parte da aventura acaba por se tornar numa espécie de boss rush ali com alguns puzzles mal amanhados ou secções de plataformas mal executadas e desinspiradas, que me fizeram questiona se alguém testou o jogo antes de o lançar. Entre as muitas vezes que o jogo me crashou por completo e o save point ser uma adolescente irritante que não me deixava aceder ao menu de gravar até que todos estivessem calados. Senti-me mais chateado por este conjunto de coisas parvas, do que propriamente uma réstia que fosse de dificuldade.

Voltando um pouco à história, ela está tão mal escrita que a vontade de fazer skip às cutscenes era alta, não há um fio condutor, a ligação entre as personagens é distante e os seus diálogos geralmente irrelevantes, em nada ajudados pelo péssimo mau acting nas vozes. Isto inserido num mundo vazio, onde há algumas tentativas de construir algo que acaba por ser irrelevante, o que é pena, pois existem cenários com um potencial enorme desperdiçado, onde podia criar uma mitologia forte no jogo. Contudo, o resultado final ora foi um conjunto de Cavaleiros do Zodíaco da Wish (ou Temu, ou qualquer outra loja de qualidade suspeita) logo a arrancar o jogo, clichés mal executados, entre design de inimigos e bosses que pareciam copiar mal inspirações de Final Fantasy, Dark Souls ou Elden Ring.


Não é um jogo longo, avancei-o a bom ritmo e com uma dúzia de horas parecia estar já muito próximo do final, que honestamente pareceu-me bem mais tempo do que aquele contado pelo jogo, só porque houve ali vários momentos entediantes, o que não é um bom presságio sendo um jogo de pura ação. Há conteúdo adicional a explorar, missões mais desafiantes porque temos de cumprir com coisas específicas para poder derrotar os inimigos, mas estas missões só traziam alguns bónus que pouco contribuem para o jogo em si, são mesmo desafios extra. Não vi a história a melhorar à medida que avançava para o seu final, a relação entre Kaser, Arena e as restantes personagens continuava estranha, principalmente com Arena, cuja principal característica é a sua superioridade e arrogância, que faz questão de o apresentar a cada cinco minutos.

Entre bosses desinspirados e um jogo com imensas falhas, não temos aqui um bom presságio para o nível de qualidade que a bandeira do China Hero Project quer demonstrar, que têm mais atenção e suporte, mas talvez deviam mesmo ter atenção reforçada, nem que fosse para limar alguns dos pontos negativos que apontei aqui. Até porque a China tem-se apresentado como a origem de grandes jogos e títulos que marcam, que têm a atenção devida ao seu desenvolvimento e com sucesso.


É pena, todo o jogo tem ali o potencial, mas a sua execução fica muito aquém do festival de ação que era apresentado nos trailers, que afinal torna-se desinspirada assim que passamos umas horas com o jogo. Visualmente e a nível narrativo tinha também potencial, mas foi desperdiçado pela história mal amanhada e zonas inteiras que são apenas corredores com alguns itens a apanhar, entre puzzles de apanhar esferas brilhantes num curto espaço de tempo. Ainda assim há alguns pequenos segredos a procurar, ao que dava por mim a pensar se valia mesmo a pena o esforço.

Mesmo sem grandes expetativas, fui para Lost Soul Aside a pensar que me ia divertir num jogo, para dar porrada em bichos e ter ali uma história sci-fi minimamente interessante. O que encontrei, foi um jogo repetitivo onde simplesmente desligava enquanto combatia. Não sei até que ponto vão voltar a pegar neste universo, atrevendo-me a dizer que não, mas sinceramente não fico à espera de mais aventuras de Kaser e Arena.


Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 5, gentilmente cedido pela SIE.

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