Roadwarden
Curiosamente, há tempos surge um curioso jogo indie que se apresentava como a digitalização perfeita destes livros, substituindo as folhas de estatísticas pelo ecrã, tal como toda a aventura. Em Roadwarden exploramos um hostil mundo, com criaturas e outros perigos que não se poupam em ceifar-nos a vida, realidade esta que temos de explorar cautelosamente se quisermos ser bem sucedidos. É um role-playing game à antiga que me recorda dos Baldur's Gate originais, embora aqui toda a ação seja apresentada através de texto e breves ilustrações para acompanhar o que está a acontecer.
Entrando no jogo, somos recebidos por uma belíssima pixel art e texto, e assim será o resto do jogo. É uma aventura narrativa, onde tudo é detalhadamente contado através de texto e tudo o que fazemos é com base nas respostas dadas no momento. Sendo um jogo praticamente todo ele um livro com algumas interações, tanto a história como as nossas escolhas estão muito bem conseguidas, o que me fizeram muitas vezes ponderar qual seria a melhor resposta ou ação a ter, com imensas opções em grande parte do jogo.
Lembrou-me de Baldur's Gate por sentir que a história mudava dependendo das minhas escolhas: uma ação num momento influenciou eventos posteriores, levando-me num rumo que tive de aceitar e não tinha como dar a volta. Também fui fiel às minhas raízes, embora o jogo não tenha um criador de personagens em si (porque não a vemos, basicamente), só passados uns minutos no jogo é que tomamos a decisão e queremos ser um Fighter, Mage ou Scholar, este último que escolhi por preferir a breve descrição, não sabendo que tinha tomado a melhor escolha possível para o meu estilo de jogo. Sendo um Scholar, fui capaz de investigar melhor o que me rodeava, estudando os espaços à procura de pistas e segredos que me ajudavam, então, na aventura.
Certo, não foi a melhor escolha para os momentos de combate, bem que sofri a lutar contra tudo o que era bicho, goblins, bandidos, entre outras criaturas místicas. Mas, senti que a aventura foi mais sobre explorar tudo e desvendar segredos, entre conversas extensas com tudo o que era personagem, tomando as decisões certas para facilitar o que surgia depois. Em parte, também senti aqui um pouco de Myst, procurando por pistas e segredos à minha volta, sendo particularmente interessante quando me era dada a hipótese de procurar ou perguntar por algo específico, onde escrevia eu próprio, sem um conjunto de respostas pré-definidas.
Mergulhei bem no jogo, não dava pelas horas a passar e a única coisa que fazia era ler, ler bastante e prestando o máximo de atenção e tomando algumas notas necessárias. Há todo um conjunto de informações presentes no ecrã que acompanham a aventura, desde o estado da nossa vida, se temos fome ou se o dia está ou não a acabar, este último ponto bem importante, pois não queremos estar ao relento durante a noite. Até porque este é também um jogo de sobrevivência, com escassos recursos e muito pouco dinheiro que temos de conseguir, quer a aceitar missões que me levavam a explorar novos locais ou descobrir novas coisas por outros sítios que já tinha atravessado. Ao contrário dos livros choose your own adventure, aqui temos sempre presente um mapa e uma ilustração do sítio que estamos a explorar, que se vai desvendando à medida que exploramos.
Este é um título visualmente muito bem conseguido, embora tenha tido ali alguns soluços na Nintendo Switch (e Nintendo Switch 2), principalmente ao arrancar entre delays ao navegar nos menus, por alguma falta de otimização que me confunde, pois o jogo não pede grandes recursos. Todo ele é detalhado através de uma rica pixel art com um esquema de cores muito limitado, bem próprio, sendo todo ele em tons de castanhos. Cidades, montanhas, inns, percursos perigosos ou templos com segredos, tudo está detalhado através da ilustração sempre presente, dando uma imagem bem definida do que estamos a explorar. Visuais esses que também me transportaram para os tempos que jogava RPGs clássicos no PC.
Acabei por jogar mais em modo portátil, que encaixou perfeitamente na experiência do jogo por ser uma espécie de livro, mas também porque era mais prático usar o ecrã tátil para as minhas escolhas, do que usar os controlos tradicionais. Embora visualmente apelativo, o mesmo não se aplica a nível sonoro, pois a única coisa que ouvimos é a música de fundo e nada mais, zero sons de interação, nem o típico click quando escolhemos alguma coisa. Algo que gostaria era o típico som de texto a aparecer, algo bem comum entre os RPGs dos anos 90, que aqui quebravam a monotonia sonora do jogo.
Foi uma experiência bem desafiante, tudo parecia estar contra mim e senti o esforço de conseguir dinheiro para comprar mantimentos, armas e recursos para ajudar na aventura. Nada era dado ao desbarato, tinha de prestar bem atenção ao texto para que as respostas caíssem nas graças das personagens, para elas também ajudarem-me. Com uma escrita muito bem conseguida foi fácil manter-me motivado nestes diálogos, embora a sobrevivência que senti o jogo todo onde, do nada, tinha picos de dificuldade por não estar preparado, frustrou-me um pouco. Até porque começando por um caminho não há muito como dar a volta, aqui não há propriamente um grind para ter mais dinheiro ou itens, pois temos mesmo de lidar com tudo o que nos aparece à frente e pouco mais.
Este é o jogo perfeito para os que adoram visual novels, que querem algo ainda mais extenso ao nível de escrita com um desafio que não costumo encontrar noutros jogos do género assim narrativo. É também perfeito para aqueles cujo bichinho dos livros das Aventuras Fantásticas ganhou agora uma nova vida, tendo aqui uma alternativa digital bem explorada. Um mundo que se vai moldando através das nossas escolhas, oferecendo experiências com impactos diferentes, dependendo do que dissemos ou fazemos. E não é preciso decorar tudo, já que o jogo tem um glossário bem útil para consultar informações sobre personagens e locais que já conhecemos.
Roadwarden é também a modernização dos RPGs à base de texto, pondo de parte tudo o que são ecrãs de combate. Parte de mim até gostava de ver ali um ecrã de combate com um sistema mais convencional que estamos habituados a ver, mas isso seria fugir muito à direção do jogo, com combates que podem nem ser sempre claros, mas dão-nos toda a informação necessária para lidar com eles. Os visuais estão mesmo nos cenários ilustrados, onde vemos a progressão do dia nas pequenas nuances das cores, onde adorei ver pequenos pormenores como algumas alterações nos objetos presentes, ou partes dos cenários, devido às ações que tomei.
Fico curioso com o que o jogo irá-me mostrar se voltar a jogar do início, tomando decisões diferentes não só para a minha personagem como para as escolhas que tomei, dando-me vontade de explorar tudo novamente do início com o conhecimento que tenho sobre os eventos que decorrem. Roadwarden é certamente um jogo que irei visitar novamente no futuro, numa altura em que não hajam tantos lançamentos, pois merece muito o nosso tempo!