Clair Obscur: Expedition 33
É curioso quando, por vezes, surge um jogo que em tão pouco tempo se torna um dos lançamentos que mais aguardo. Acontece-me, quê… uma vez por ano no máximo, sendo que sempre fui mais fã dos anúncios que surgem a meses do seu lançamento, do que aqueles jogos anunciados há quase meia década que nada mais sabemos além do nome (estou a olhar para ti, Dragon Quest XII). Clair Obscur: Expedition 33 é a nova entrada nesta lista, foi revelado no verão passado e, desde então, anda na boca do mundo!
Desde que apareceu de surpresa adotei o nome de "o JRPG ocidental" devido às inspirações claras e mais que assumidas por parte da Sandfall Interactive, a equipa de desenvolvimento. Uma equipa francesa recente, fundada em 2020 que nesta primeira obra foi capaz de trazer nomes de peso para dar as vozes às suas personagens (já lá vamos). Num mercado que ainda há aqueles que consideram os RPGs por turnos um género de nicho ou a desaparecer, é curioso continuar a ver lançamentos assim, ainda mais quando eles vêm do ocidente. Foi exatamente assim com Baldur's Gate III, um dos meus jogos favoritos desse ano, sendo que ano passado voltei à minha costela oriental com Metaphor: ReFantazio. Agora chegou a vez de Clair Obscur: Expedition 33, que há muito questionava se seria o meu jogo favorito do ano? E, como nota, chamarei-lhe apenas Clair Obscur a partir de agora que, como boa inspiração nos jogos japoneses, também este tinha de ter um nome fora do comum.
Desde que o comecei não fiz outra coisa senão embrulhar-me neste mundo onde o surrealismo é a ordem do dia, onde tudo parece uma pintura que nos leva para os mundos de fantasia e oníricos, dignos dos sonhos mais incríveis, bizarros ou até mesmo dos pesadelos mais assustadores. Uma aventura que no seu início é inspirada pelas ruas de Paris, nas suas avenidas e pequenas praças onde facilmente encontramos um café com gente na esplanada. Entrando na aventura "a sério" vemos um mundo bem diferente, com céus devidamente adornados por detalhes dignos de obras de arte, que se espalham para tudo o que nos envolve. Um mundo fragmentado, diria, onde o céu parece rasgado a meio e as planícies parecem quebrar com as leis da física, o que logo no início me deixou a pensar como raio seriam os cenários mais à frente no jogo.
Somos logo introduzidos à temática do jogo: a morte. Por extensão a perda, pelos olhos de Gustave vemos um mundo destinado a perdermos aqueles que nos são mais queridos, num ato constante que é a Gommage. Do francês "apagar" ou "esfregar", a determinado momento quem está numa certa idade desvanece em pétalas, deixando de existir num momento belíssimo e poético que assinalava a sua morte, evento este provocado pela Paintress que desenhava um novo número no horizonte, numa espécie de contagem decrescente onde o número "33" passa a ser o farol luminoso que vemos ao longe, dando o nome ao jogo. Curioso que esta contagem de tempo pela morte certa lembrou-me Xenoblade Chronicles 3 e de toda a carga emocional associada, o que me fez logo pensar se este jogo não faria algo semelhante.
Sabendo que serão os próximos, Gustave parte numa expedição juntamente com muitos outros que sabem que a Gommage espera-lhes em breve. Digamos que… o início desta expedição não correu tão bem como planeada e, a lado de Gustave temos Lune e depois ainda Maelle, formando o trio inicial de personagens que temos na equipa. As sequências de animação estão belissimamente construídas, mesmo que precisassem de um bocado mais atenção, principalmente na reação das personagens que, por vezes, pareciam inexpressivas ou desconexas da emoção das vozes que acompanham o momento. É um jogo extremamente cinematográfico e muito bem conseguido, há momentos em que o jogo nos leva para os filmes noir através de alguns truques ou técnicas visuais que… bem, quero que descubram. Mesmo a banda sonora tem tanto músicas épicas de combate como temas que nos acompanham a aventura, músicas que dei por mim várias vezes a trautear, principalmente o tema principal do jogo que nos é atirado à cara tanto em momentos felizes, como noutros que nos levam as lágrimas ao rosto. Se gostaram da banda sonora de NieR: Automata, vão gostar muito do que vão ouvir aqui!
Tudo isto embeleza um RPG por turnos "à antiga", com alguns toques modernos ou até mesmo tendências recentes: temos, por exemplo, um número limitado de poções que recuperamos ao descansar num save point, que por sua vez também faz respawn a tudo o que é inimigo, algo digno de um Dark Souls e grande parte de tudo o que é soulsborne. Embora sejam combates por turnos, todos os seus momentos pedem a nossa máxima atenção, se é que queremos sobreviver, através de uma espécie de dança com os inimigos sempre que eles atacam. Ao bom estilo dos RPGs de Mario ou do clássico (esquecido) da PlayStation The Legend of Dragoon, em Clair Obscur temos de reagir aos ataques dos inimigos no momento certo. Aqui não encontramos a típica ação de defesa, temos apenas a possibilidade de contra-atacar cuja janela de oportunidade é extremamente curta, ou simplesmente desviar onde temos um maior tempo de reação. Não há dicas visuais, botões nos ecrãs ou algo a indicar que seja claro estes momentos, temos mesmo de usar a nossa atenção máxima aos combates e muitas foram as vezes que fiquei frustrado. Digo isto porque sou ganancioso e queria sempre conta-atacar, sabendo que me podia apenas desviar… só que cada inimigo tem os seus próprios ataques, tal como ataques diferentes onde aprender o timing certo torna-se um autêntico desafio!
O combate escala quando nos são introduzidas novas mecânicas quer para saltar ou para lidar contra-ataques extremamente mortíferos, com timings também eles específicos para cada inimigo, embora estes tenham uma dica visual que nos ajuda. Já disse que há ataques onde os inimigos exigem um desviar ou contra-atacar, seguido por outro ataque que nos obriga a saltar, terminando a combo com um golpe mortífero? Ah pois! É mesmo um jogo de reação, infelizmente senti que muitas janelas de oportunidade para os contra-ataques eram pouco percetíveis seja pelo tamanho dos inimigos, seja pelas suas animações que pareciam meio… desfasadas. Sim, eu sei que podia deixar de ser ganancioso e simplesmente jogar pelo seguro e desviar-me, mas, é mesmo gratificante quando contra-atacamos com sucesso, principalmente quando envolve a equipa toda! Houve combates que demoraram bem mais tempo do que gostaria de admitir, podia também baixar a dificuldade para mais fácil que torna os ataques adversários quase que irrelevantes, algo que recomendo caso não estejam tão habituados a uma jogabilidade de ação e reação. O meu orgulho falou mais alto e, após habituar-me aos ataques desses adversários, não só foi relativamente tranquilo como todo o movimento do combate, acompanhados pela sua música e todos os efeitos especiais, foi uma belíssima dose de dopamina!
Para enfrentar estes desafios a nossa equipa tem todo um conjunto de ataques e habilidades, envoltos num sistema de combate que adorei! Cada ataque tem propriedades que aplicam estados especiais aos inimigos, que depois podemos combinar com outros ataques, criando ali uma sinergia entre tudo para otimizar o melhor possível a nossa prestação. São coisas que me lembram de Shin Megami Tensei, pois dava por mim a ter tudo tão bem planeado com uma sequência de ataques construída, trazendo-me resultados bem satisfatórios. Depois, há todo o sistema de Pictos, "equipamento" para as personagens onde podemos construir estratégias bem detalhadas que entram em sintonia com os ataques e habilidades que usamos. É o estilo de RPG por turnos estratégico que amo, que vão muito além do simples atacar, fazer magia e defender quando comparado com nomes icónicos como Final Fantasy ou Dragon Quest e, mais do que ter esta estratégia é que temos desafios no jogo onde é mesmo preciso tirar partido disto tudo, desafios estes opcionais que ainda não os explorei na totalidade, mesmo já tendo terminado o jogo.
Este é apenas um dos lados da complexidade (para mim bem-vinda) do jogo, que acompanha outro bastante mais notório que é cada personagem ter um estilo de jogo bastante próprio. Gustave tem os ataques mais simples, diretos, onde vamos subindo uma espécie de barra de energia para depois provocar ataques mais fortes. Lune "brinca" com os elementos, como boa maga que é, criando energias específicas para melhorias aos seus ataques num jogo de luzes e cores. Tudo escala com Maelle, com stances que vamos alternando para uma melhor performance, como boa espadachim, mudando os seus atributos a meio do combate. Já Sciel, outro membro da Expedition 33 joga com dois estados diferentes, um conjunto de stacks que vai aplicando aos inimigos para melhores resultados. Por último temos Monoco, extremamente mais simples que os restantes porque se limita a usar ataques adquiridos ao derrotar determinados inimigos, algo que os fãs de Blue Mage de Final Fantasy vão gostar, embora tenha também um sistema de combinações entre ataques.
Como disse no início da análise, o jogo conta com elenco de luxo, com vozes como Charlie Cox (Daredevil) no papel de Gustave, acompanhado por Jennifer English (Baldur's Gate III) a trazer uma performance incrível a Maelle. Vozes inconfundíveis como a de Andy Serkis (O Senhor dos Anéis) no papel do austero Renoir, ou até mesmo Ben Starr (Final Fantasy XVI) que parece estar em tudo, aqui a dar a voz do misterioso Verso. É um elenco riquíssimo, não ignorando os restantes atores, que me obriga a querer jogar em inglês sem qualquer desdenho às vozes em francês, que honestamente se inserem melhor no jogo e, ainda o hei de jogar com essas vozes. Aliás, foi o meu grande dilema a começar o jogo, sentia que estava a fugir à visão do jogo, mas, em poucos minutos não me arrependi em nada da escolha que tomei. Até porque conseguiram o trabalho mais emocionante que tive pela frente nos últimos tempos.
O combate faz grande parte do jogo, como bom RPG por turnos "à antiga" que conta ainda com um world map que exploramos livremente, recheado de imensos segredos, locais opcionais e várias side quests que vão querer fazer para ter acesso a todo um conjunto de surpresas, entre elas, roupas e cortes de cabelos para as personagens. Coisas fúteis, possivelmente, ainda assim diverti-me imenso a colecionar, até mais do que as armas que obtinha a lutar contra inimigos secretos. Todos os cenários também convidavam à exploração, com pequenos segredos em todos eles onde a navegação só é penalizada pela completa ausência de um mapa que nos auxilie na navegação, levando-me muitas vezes a andar perdido em determinados momentos. Só há um mapa quando exploramos o mundo de forma geral, este que inicialmente parece colossal, mas rapidamente me apercebia que não era assim tão gigantesco como poderia imaginar no início, principalmente quando encontramos Esquie, uma curiosa personagem que se torna no nosso principal meio de transporte. Ainda assim são imensos os segredos que por lá andam, numa aventura onde me foquei principalmente na história principal, com algum conteúdo opcional aqui e acolá, levou-me muito menos tempo quando comparado com jogos que facilmente chegam às 80, 90 horas.
E tudo, mas tudo isto vai recheando um jogo com uma história que me marcou, e marcou bem! Se houve um sentimento que me acompanhou durante toda a aventura foi nunca saber o que aconteceria depois, entre momentos inesperados, surpreendentes e até de inquietação. É um jogo dramático, não há modo simpático de o dizer, tal como um bom filme noir francês consegue ser. Há momentos felizes, é uma aventura que une um grupo de personagens numa missão que, aos poucos, vão desvendando um pouco mais sobre o mundo que os rodeia, algo que acontece até aos últimos momentos do jogo. Até nisto Clair Obscur consegue ser um RPG japonês, a história está constantemente a evoluir por temas distintos, desvendando cada vez melhor a big picture de tudo o que nos rodeia, enquanto vai desenvolvendo bem as suas principais personagens. Porque, afinal de contas, este é um jogo sobre as suas personagens.
Embora já o tenha terminado, ainda não o larguei. Honestamente nem sei quando é que vou pousar o comando e pensar "ok, está feito", até porque mais depressa quero jogar novamente no início e ver a evolução de tudo com uma nova perspetiva, do que descobrir todos os segredos que o jogo esconde, algo que sei que o farei seja como for. Há questões que gostaria de ver endereçadas, resolvidas, principalmente a questão do mapa, pois sei bem que o timing preciso para os contra-ataques é mais fruto da minha ganância que outra coisa. Além da sua história e das suas personagens, dos combates que (literalmente) agarraram-me ao ecrã, dos cenários fantásticos que ilustram na perfeição o que é a imaginação, aquilo que me fica mais na memória são as músicas que ouço mesmo não estando a jogar. É das melhores bandas sonoras que me vem à memória, honestamente, das melhores dos últimos anos onde faço uma vénia a Lorien Testard, quando tenho memórias de jogos como Final Fantasy XIV: Endwalker e Metaphor: ReFantazio ainda tão frescos.
Não sei o que esperar de um próximo jogo da Sandfall Interactive, mas honestamente, quero mais obras como o Clair Obscur: Expedition 33, de preferência mantendo o género RPG! O jogo marcou-me, e bem, por tudo aquilo que referi na análise e principalmente pelos momentos da história que nem me atrevo a pronunciar. Digo só que vos vai prender ao ecrã constantemente, sem momentos mortos, sem o encher de chouriços habitual, sempre acompanhado por uma belíssima banda sonora que vão querer ouvir em loop mesmo após acabarem o jogo. Isso e que preciso que mais pessoas joguem (e terminem) o jogo, pois há muito que quero falar do jogo e não posso, nem devo. Uma incrível ode ao género RPG, aos jogos do mesmo e, se são fãs, não podem mesmo, mesmo deixar passar Clair Obscur: Expedition 33!
Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para PlayStation 5, gentilmente cedido pela Cosmocover.