COATL


Artigo escrito por João Efigénia

Ao fim de alguns meses de espera, Coatl chega finalmente a Portugal, distribuído pela MEBO Games, trazendo consigo uma onda de cor e símbolos astecas, num jogo estratégico bastante simples e acessível, um óptimo jogo gateway que certamente irá agradar aos miúdos e aos jogadores novatos, e que será certamente um desafio até para os mais experientes.

O tema é irresistível para quem gosta de mitologias antigas: em Coatl, os jogadores são aspirantes ao cargo de sumo sacerdote asteca. Para provarem o seu mérito, vão construir esculturas de Coameh (o plural de Coatl), místicas serpentes emplumadas, em diversas formas e combinações. O vencedor, claro, será nomeado o novo sumo sacerdote! 

Na sua essência, Coatl é um jogo de construção de padrões. Os objectivos individuais prendem-se com a construção dos diferentes Coameh, anexando as diferentes partes do corpo de um Coatl umas às outras. Quanto mais longo e complexo for o Coatl, mais pontos poderá o jogador ganhar, isto se seguir as indicações dadas pelas cartas de Profecia que o jogador atribuir ao Coatl. Cada carta atribui um determinado valor em pontos ao jogador no final do jogo se tiverem sido cumpridos os seus requisitos. Por exemplo, uma das cartas mais simples apresenta duas peças azuis adjacentes, e atribui 2 pontos por 1 par de peças presentes no Coatl, ou 5 pontos por 2 pares.

O jogador deve, portanto, analisar bem as suas cartas de Profecia e tentar construir os seus Coameh de forma a cumprir estes objectivos secretos. Cada Coatl pode pontuar com até 4 cartas, e é necessário ter pelo menos uma carta anexada para poder ser completado.

Considera-se completo o Coatl que tem uma cabeça e uma cauda.

Para além disso, existem também as cartas de Templo. Estas podem ser jogadas quando um jogador completa um Coatl, e acrescentam pontos extra a esse mesmo Coatl. Consistem em objectivos mais difíceis de alcançar, como por exemplo, um Coatl constituído por 9 segmentos, sem nenhuma peça azul.

Existem ainda, por último, as chamadas Fichas de Sacrifício, que podem ser jogadas em vez de uma acção normal, e servem para desempenhar uma acção exclusiva destas fichas, como por exemplo, descartar todas as suas cartas de Profecia e de seguida, retirar novas cartas, descartando tantas quantas quiser. Estas fichas não são aconselhadas para os primeiros jogos, pois acrescentam um nível extra de complexidade e estratégia que pode não ser bem-vindo no processo de aprendizagem do jogo.

Parece complicado? Não é!

Coatl é um daqueles jogos que, ao fim de duas rondas, está praticamente dominado. O jogador pode, na sua vez, realizar 3 acções: tirar peças de Coatl do tabuleiro central (uma cabeça, uma cauda ou dois segmentos de corpo) e acrescentá-las ao seu tabuleiro pessoal (que tem espaço para 8 peças), retirar cartas de Profecia e acrescentá-las à sua mão (tendo um limite de 5), ou construir o Coatl.

Esta última acção é, de todas, a mais complexa. No entanto, o jogador tem a total liberdade de fazer “o que quiser”, as vezes que quiser e pela ordem que quiser: ou começa a construir um novo Coatl, ou amplia um Coatl existente, ou joga uma carta de Profecia num Coatl que cumpra o requisito dessa carta. As regras para construção do Coatl são explícitas e cumprem uma lógica ponderada: não se podem unir 2 Coameh incompletos, não se pode iniciar a construção de um terceiro Coatl se houver 2 Coameh incompletos, não se podem alterar peças já colocadas, entre outras restrições.

Caso um jogador complete um Coatl, isto é, ao ampliar um Coatl, o mesmo fica com uma cabeça e uma cauda, o jogador pode jogar todas as cartas de Profecia que quiser ou puder, mais uma carta de Templo, deve anunciar os pontos desse Coatl e virar todas as cartas jogadas para baixo.

E assim se desenvolve o jogo, que termina assim que um jogador concluir o seu terceiro Coatl, ou quando acabar a reserva de segmentos de corpo. O tabuleiro central do jogo é virado, revelando a tabela de pontuação, e os jogadores contabilizam os pontos de todos os seus Coatl completos, determinados única e exclusivamente pelas cartas de Profecia e de Templo: não interessa ter um Coatl de 17 segmentos se o mesmo só cumpre os requisitos de uma carta.

De salientar que existe ainda um modo Solo contra uma Inteligência Artificial chamada M.A.R.C.O., com um setup diferente e um determinado comportamento, consoante o setup escolhido pelo jogador e a dificuldade, havendo 5 modificadores de comportamento que podem ser usados individualmente ou combinados entre si. O derradeiro desafio será jogar com todos os 5 modificadores, mas é preciso dominar muito bem o M.A.R.C.O. antes de tentar.

A magia de Coatl prende-se com a construção dos padrões que as cartas nos exigem. Muitas vezes somos obrigados a ir buscar determinadas peças que também podem ser cobiçadas por outros jogadores: afinal, as cartas de Profecia e de Templo de cada um são privadas, e nunca sabemos os planos dos outros jogadores. A imprevisibilidade do fim do jogo também é um factor fulcral na tensão que se sente na fase final do jogo. Numa só jogada, um jogador pode terminar os seus dois últimos Coameh, o que despoleta o fim do jogo para todos os restantes. No entanto, podem também deixar o jogo “arrastar”, e tentarem concluir mais cartas de Profecia, de forma a maximizar os pontos de cada Coatl.

O modo para dois jogadores, em contrapartida, é relativamente mais complexo: o facto de haver menos jogadores a manusear o tabuleiro central e a ir buscar cartas de Profecia faz com que muitas vezes os jogadores se vejam obrigados a ir buscar peças ou cartas que, depois, são obrigados a inserir nos seus Coameh para libertar espaço no seu tabuleiro pessoal ou na sua mão. Torna o ambiente mais apertado, mas também mais calculista. Na nossa partida de teste a 2, ainda que um de nós tivesse 3 Coameh concluídos e o outro apenas 2, acabámos empatados a nível de pontos. O desempate foi feito pelo número de cartas de Profecia jogadas: 9 contra 8. É aconselhável jogar sempre com as Fichas de Sacrifício numa partida a 2, pois acrescentam acções essenciais para renovar o panorama do jogo, algo que, com mais jogadores, ocorreria de forma natural.

Imagem de fim de jogo com três Coameh completos

A luta pelas peças do tabuleiro é também algo reminiscente do Azul: há sempre aquele conjunto de peças em que estamos de olho, e de repente zás! O jogador à direita leva-as, o que nos leva a ponderar o que será que ele tem tramado com as suas cartas. O elemento de “take that” indirecto vai trazer daquelas frustrações saudáveis, dignas de um jogo de tabuleiro familiar, e que acrescentam aquela pimenta necessária para uma maior diversão com aqueles amigos que nos derrotaram naquele RPG supercomplexo, mas que não se ajeitam a fazer padrões.

O design e a arte são o ponto mais forte de Coatl. Não só ambas as faces do tabuleiro central são espantosas (o lado da pontuação é dos melhores designs de que tenho memória em termos de grelha), como todas as cartas têm ilustrações espectaculares e que fazem uma mesa lindíssima. Os três sacos incluídos (um para segmentos de corpos, outro para cabeças e outro para caudas), utilizados para preencher o tabuleiro central aleatoriamente são também de elevada qualidade, e muito bem detalhados. No entanto, todas as atenções estão voltadas, obviamente, para as peças de Coatl. Encaixam na perfeição umas nas outras, as cores contrastantes são um festim para os olhos, e nada dá mais satisfação ao jogador do que ter um Coatl com imensas peças e fazê-lo deslizar mesa fora, com um movimento ondulante típico da serpente que o inspira. O jogo desperta um pouco a criança que há dentro de nós, e só por isso merece lugar cativo nas nossas mesas! 

Coatl é um jogo desenvolvido pela Synapses Games, distribuído pela MEBO Games em Portugal, para 1 a 4 jogadores, e uma duração de 30 a 60 minutos, consoante o número de jogadores. E nesta altura de Natal, é o presente ideal para quem quer dar algo divertido e que ajude a exercitar a mente, assim como dar largas à imaginação, seja a que membro da família for. A sua dificuldade é acessível, e previmos que seja um jogo essencial a qualquer família de boardgamers, principalmente aquelas que adoram fotografar os seus jogos e que gostam de partilhar os jogos de tabuleiro modernos com os menos familiarizados, pois é um excelente jogo para principiantes e que a DICE Cultural terá no seu catálogo aquando do nosso regresso aos eventos. Vemo-nos lá!

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