Cyberpunk 2077

Night City, 2077. A promessa de nos tornarmos uma lenda numa mega-metrópole futurística realizada, ou uma esperança apressada?

Estamos em 2077. As corporações tomaram conta de um mundo onde já não há nações e as que há estão subjugadas a empresas gigantes. Os ricos ficaram mais ricos, os pobres mais pobres, a violência escala e o clima piora. Os recursos cada vez mais escassos e básicos são ainda mais inalcançáveis e a justiça deixa de ter mãos a medir. Mas o sonho, o sonho nunca morre e a promessa de que qualquer ninguém pode ser alguém desde que faça o impossível continua a existir. A nossa história nesta cidade de perdição pode começar de 3 formas distintas e que nos dão não só um início diferente mas também opções de diálogo e interações com certos personagens diferentes.

Um nómada cuja vida foi passada na estrada num ambiente familiar e honesto como já não existe nas cidades, um literal miúdo de rua que fez o que foi preciso para sobreviver ou um escravo das corporações megalómanas, todos acabam a conhecer o grande Jackie Wells. O Jackie separa-nos da nossa vida anterior, vive para o sonho e através dele e com ele começamos a criar nossa própria lenda. Ainda que o inicio agradecesse mais algum tempo a ambientar-nos a quem somos, e o meio ano de aventuras iniciais estar resumido numa cena pré registada, comum a todos os inícios, a empatia para com aquele personagem forma-se.

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Temos uma primeira missão que nos põe imediatamente cara a cara com a brutalidade e crueldade deste mundo e somos inicialmente confinados a uma "pequena" parte da cidade. As primeiras missões que por ali vamos realizando vão lentamente introduzindo alguns dos muitos subsistemas do jogo, desde o hacking até mandar com um taco a alguém. Logo na primeira temos um proverbial tutorial cobrindo a maioria do sistema de combate e o resto dos sistemas vão sendo lentamente apresentados (com a exceção do sistema de crafting que nunca chega a ter a devida atenção, ainda que seja bastante simples). Quando a primeira grande missão acaba, com ela vem a abertura do mundo por completo.

Algumas missões opcionais e principais introduzem-nos às melhorias cibernéticas que podemos fazer e introduzem-nos a um cast variado e extremamente realista, em discurso ações e expressões.

Aqui infelizmente há algum descarrilamento. Enquanto que tudo que diz respeito a personagens não genéricos está incrivelmente detalhado, o restante mundo muitas vezes falha em convencer do ambiente. O comportamento dos genéricos é isso, genérico e mesmo as autoridades não são particularmente brilhantes. Pior quando realmente nos metemos em sarilhos e ganhamos umas estrelinhas de demérito eles aparecem proverbialmente do nada, e num mundo tão bem construído quebra a imersão. 

Esta é realmente a maior falha num jogo que prometia e que se sente ter tudo o que precisa para ser uma lenda em si mesmo. Bugs visuais são expectáveis num projeto desta escala e coisas que são passíveis de resolução mais tarde, mas neste momento sente-se a pressa que foi colocada por datas escolhidas mas não concordadas. Os sistemas de equipamento e subida de nível estão muito bem desenhados também, cada nível melhoramos um atributo e escolhemos uma nova habilidade, e podemos subir na proficiência das mesmas com o uso. Se gostarmos muito de usar a tecnologia contra o inimigo vamos ganhando níveis e bónus específicos, do mesmo modo que ganhamos outros quando decidimos usar força bruta.

As armas são satisfatórias de disparar e há muita variedade desde armas mais básicas como um tubo de metal a sniper rifles que mandam lasers. O equipamento tem stats e pode ser modificado com acréscimo de características criadas ou encontradas. O combate, tal como os diálogos oferece mil e uma opções de como o enfrentar e foram muitas as vezes em que uma combinação de força bruta, escondidinhas e fritar uns chips levou à vitória. Os veículos sentem-se diferentes e são diferentes a manusear e no som que produzem. Os detalhes dentro dos próprios carros são fenomenais e sentimos mesmo que roubar ou adquirir legitimamente o nosso veículo de eleição é mais do que para mostrar a quem vê, mas também para o sentir.

A banda sonora é fenomenal e nos momentos mais intensos surge como num excelente filme de ação, a tensão é palpável pelo som e pelo visual. As radios têm todos os gostos e até inclui opções para quem quiser streamar e partilhar a aventura retirar música que não pode ser comercializada. Falando em opções, são bastante compreensivas a nível visual, auditivo e do que afeta o que vemos no ecrã. No entanto há alguns lapsos relativamente a outros títulos recentes em relação a acessibilidade que espero que venham a caminho.

Sente-se realmente o mundo e, de região para região da cidade, a envolvência é palpável, das zonas ricas com carros que parecem saídos realmente do futuro aos bairros amontoados e com pouca segurança. No entanto o grande número de bugs visuais, de performance que por vezes não parece de todo consistente e de comportamento, levam a sentir que é um quadro incrível mas que foi disposto no chão porque alguém apressou e não colocou a moldura que segura tudo no sítio e permite uma experiência plena. Já foram feitas promessas de melhorias, mas dado as provas de que a equipa de desenvolvimento sofre com horas muito para além do razoável é uma promessa algo envenenada, e esperemos que todas as polémicas façam com que hajam mudanças reais e palpáveis.

Cyberpunk 2077 promete muito e ao fim do dia é muito que nos dá. Uma experiência fenomenal, mas cujas falhas técnicas levam a que se percam demasiadas vezes o impacto de uma base incrivelmente prometedora.


SEGUNDA OPINIÃO, por Telmo Couto

Se o protagonista tem direito a uma segunda consciência no seu interior, também merece, então, uma outra opinião. Tal como aconteceu um pouco por todo o mundo, a cópia de review do jogo para consolas só chegou ao Meus Jogos depois do seu lançamento para todas as plataformas, já a internet se tinha tornado uma tempestade em torno de bugs e, principalmente, desilusões, agravadas por todo o entusiasmo que havia em torno do jogo ao longo dos últimos anos.

Aqui, porém, a experiência já só começou após da primeira grande atualização para Xbox One depois do lançamento, a correr numa Xbox Series S. Como referido acima, sim, o jogo atualmente conta com diversos bugs visuais que vão surgindo ocasionalmente (o que faz um telemóvel a flutuar na rua?) mas que felizmente não têm impacto em termos de jogabilidade. Em geral, mesmo sendo esta uma versão da anterior geração, com a atualização para a atual a caminho, sem uma data prevista, é um jogo belíssimo em termos visuais, mesmo que longe de todo o material promocional retirado de um PC topo de gama.

Recheado de cimento, ferro, vidro e néon, a estética da Night City é fiel a clássicos do género "cyberpunk" como Blade Runner e Ghost in the Shell. Alguns cenários, por isso, são simplesmente deliciosos para os fãs do género, recheados de cores vibrantes, hologramas e, acima de tudo, possibilidades. É caso para dizer que já seria algo expectável, mas é precisamente nessas possibilidades que se encontra a grande desilusão. Este é um mundo recheado de população, sim, mas sem contar com as personagens principais, as restantes não passam de figuração. Acaba por ser uma ironia das tentativas de realismo, ver os NPCs aleatórios da cidade a agir em loops tão básicos que facilmente passam por robôs, enquanto personagens cibernéticas tentam mostrar sensibilidade.

Tal como nos filmes acima referidos, a identidade é um tema central em torno do protagonista. Aqui, cada jogador pode escolher o seu background, mas seja V um nómada, um miúdo da rua ou um genérico funcionário de uma grande empresa, irá parar a um destino muito mais dramático do que poderia imaginar, encontrando-se com uma segunda personalidade dentro de si, criada a partir das memórias de um terrorista bastante parecido com o Keanu Reeves.

Mas se, na história principal, o jogo conta realmente com uma interessante narrativa, o protagonista que tanto detalhe leva a criar nunca chega a criar uma grande ligação, mesmo que o 1º acto do jogo tivesse precisamente essa intenção. Toda a evolução do personagem acaba por ser resumida numa cutscene, desprovida de emoção, pelo que a luta pela sua identidade contra a do terrorista acaba por também não ter o efeito que os criadores pareciam tencionar. Há, sim, um verdadeiro impacto nas escolhas que vão sendo feitas nas conversas com outras personagens, cujas opções também podem variar conforme o background escolhido inicialmente.

Ainda assim, Cyberpunk 2077 é um jogo que se joga com prazer. As missões são recheadas de drama e acção, além de que por todo o jogo se sente o resultado das escolhas do jogador, que fazem deste um grande RPG em termos de jogabilidade. Ao investir nos sistemas de hacking, por exemplo, haverão cada vez mais tecnologias à disposição. Ao investir no combate direto, por outro lado, a personagem poderá tornar-se num verdadeiro brutamontes. Na prática, dificilmente dois jogadores chegarão ao fim com personagens iguais, fazendo desta uma experiência bastante pessoal, num mundo recheado de cor... e perigo.

Um jogo que, acima de tudo, oferece uma boa experiência, mesmo que nem sempre corresponda às expectativas, com bastante potencial para melhorar com as futuras versões - especialmente quando forem dedicadas às consolas da nova geração.


Nota: Artigo escrito por Bruno Santos e Telmo Couto, com base na versão Xbox One e código atualizado à data do artigo, nas consolas Xbox Series X e Xbox Series S, respectivamente. Materiais gentilmente cedidos pela Bandai Namco e Xbox Portugal.

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