Deliver us Mars

Catapultado para a ribalta graças ao sucesso estrondoso de Deliver us the Moon em 2018, o estúdio KeokeN Interactive volta à carga com mais uma adição neste universo. 

Como o próprio título indica, temos pela frente a paisagem rochosa e desoladora de Marte numa narrativa que decorre 10 anos depois dos acontecimentos do primeiro jogo e onde a temática de fundo continua inalterável; o planeta Terra continua a sofrer e lentamente a tornar-se inabitável devido às inevitáveis alterações climáticas.

Em Deliver us Mars encarnamos a pessoa de Kathy Johanson, uma sagaz e inconformada jovem astronauta que acaba por fazer parte de uma equipa que tem como missão ir a Marte à procura de uma expedição científica que anos antes tinha partido e tinha como objetivo descobrir soluções que iriam ajudar a curar um planeta Terra muito castigado pelos erros da raça humana e também saber do paradeiro do seu pai que fazia parte da mesma. Há muitos anos que nada se sabia sobre essa expedição mesmo após várias tentativas de comunicação.

Existe uma certa sensação de urgência que a narrativa deste jogo proporciona ao jogador enquanto pessoa que vive neste grande planeta azul. Há toda uma temática que já é do nosso conhecimento e que de certa maneira nos faz pensar, sociedade atual (nem toda, infelizmente), sobre ela. As alterações climáticas e a forma como nós, seres humanos, estamos a tratar o planeta onde vivemos. Este jogo lança-nos para um futuro bastante provável que poderá ser o resultado tudo o que temos feito até agora e continuamos a fazer de não houver uma alteração de paradigma e é uma nova lembrança que os desenvolvedores da KeokeN Interactive voltam a fazer em jeito de continuação de uma conversa que já tinha havido na primeira iteração desta saga.

Mas o mais interessante nem acaba por ser esta temática, que apenas serve de catalisador para aquilo que na realidade mais interessou ao estúdio contar desta vez, as relações humanas.

Começando pela protagonista principal que é brilhante no seu trajeto intelectual mas emocionalmente afetada pelos acontecimentos que levaram à ida do seu pai para Marte e acabando numa espécie de olhar exploratório ao que aconteceu à primeira expedição, é novamente através de hologramas humanoides que nos é mostrado como o ser humano reage às várias vicissitudes. A solidão, a pressão de obter resultados, o pensamento crítico a reagir à figura da autoridade, o escalar de emoções e decisões são razões contribuem para que o enredo seja interessante e valha a pena acompanhar a viagem de Kathy pelas planícies desérticas de Marte.

Algo extremamente agradável neste jogo é a forma como conseguiram emular todo o ambiente do planeta Marte. Paisagens lindíssimas e fielmente apresentadas de acordo com o conhecimento que temos do planeta. Sentimos que estamos num planeta diferente, hostil e onde o próprio vazio característico dos desertos de Marte serve de catalizador emocional e nos faz sentir verdadeiramente sozinhos.

Mas se toda a história e espaço cénico são interessantes e a performance dos atores de voz contratados proporcione sensações genuínas ao jogador - mesmo que a mesma seja contada e justificada a conta gotas e em momentos chave não atinja o clímax emocional desejado - houve muita coisa que desta vez faltou.

Os aspectos mais flagrantes que provocaram desilusão são a falta de originalidade nos puzzles, as mecânicas que o estúdio mete à disposição do jogador e a atroz falta de atenção aos detalhes no que toca ao desempenho dos modelos das personagens e os seus movimentos, quer em cutscenes, quer em jogo jogado.

Devo dizer que sou possivelmente a pessoa mais picuinha que existe no que toca a movimentos de personagens tanto que ainda nos dias de hoje não consigo jogar Mass Effect: Andromeda sem fazer cara feia. Aqui é igual ou pior. As personagens não andam, não correm, não saltam, não escalam paredes, não sobem escadas e não interagem fisicamente como um ser humano normal faz ou deveria fazer. Existe aqui alguma falta de experiência no estúdio que tinha sido disfarçada no primeiro jogo devido à falta de gravidade na lua e do nosso personagem estar sempre de fato de astronauta e que aqui claramente não deu para mascarar. Onde se nota em demasia esta falta de cuidado é nas cutscenes onde parece que as personagens são postas à pressa no momento em que aparecem em cena e onde podemos ver cabelos a esvoaçar ou posições estranhas que são retificadas no momento em que as personagens aparecem em cena. Uma quebra de imersão total em momentos onde ela faz mais falta.

Gostava de elaborar um texto mais complexo em relação aos puzzles mas só há um tipo de puzzle e repete-se durante todo o jogo. Apontar lasers a receptores e usar matemática de primeira classe para somar ou subtrair fisicamente o poder dos mesmos de modo a abrir portas ou novos caminhos. Absolutamente redutor ainda por cima quando o seu antecessor oferecia mais variedade e objetividade com menos duração de jogo.

Como já referi, Deliver us Mars apresenta também uma nova mecânica, o escalar. Ao princípio estranha-se, depois entranha-se mas rapidamente se torna um fardo. Obrigando o jogador a literalmente simular o processo de uma escalada, o processo acaba por ser bastante moroso, mesmo quando essa mecânica já se encontra memorizada. Podia resultar num jogo de 2 ou 3 horas, num que demora sensivelmente 8 ou 9 horas acaba por cansar escalar tanta parede. *pun intended* 

Deliver us Mars não teve direito ao mesmo amor e carinho que o seu antecessor. Os modelos 3D das personagens e respectivos movimentos parecem inacabados, a história é interessante em conteúdo mas não na forma em como é contada e onde a sensação de tensão nem sequer chega a ter lugar nos momentos cruciais. Dizer que os puzzles são repetitivos é ser-se simpático e nem a nova adição da escalada salva a falta de originalidade mecânica. Ainda assim somos presenteados com paisagens maravilhosas, uma temática mui nobre que dá um contexto interessante à história e umas interpretações muito capazes e emotivas a nível de performance de voz. Acabou por falhar em outros aspectos que tão bem Deliver us the Moon tinha deixado como standard e deixou uma espécie de conclusão no ar… o conceito foi bom mas a sua execução foi parca em proporcionar resultados.


Deliver us Mars está disponível desde 2 de fevereiro de 2023 para PlayStation 5,  PlayStation 4, Xbox Series X|S, Xbox One e PC (Steam e Epic Store).

Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para PS5, gentilmente cedido pela Heaven Media.

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