Cuphead
Uma frase feita e cliché, mas que é repetida quando surge um jogo difícil porque um jogo não pode ser difícil por si só, tem de ser o Dark Souls de qualquer coisa - aliás, o primeiro jogo foi o Demon’s Souls. Haja coerência! Não parece bem juntar todos estes jogos difíceis num só rótulo ou o Guitar Hero III, com a Through Fire and Flames (Expert), levava o bolo para casa.
Dito isto, Cuphead é o Cuphead dos jogos de plataformas. Um jogo com um mérito bem seu, com as suas qualidades e defeitos.
Cuphead: Don't Deal With The Devil, ou Cuphead para os amigos, foi um jogo que ignorei durante muito tempo por não ter a consola. Sabia da sua existência e no que consistia, mas não me preocupei em seguir o seu desenvolvimento até aos sussurros de que poderia sair na nossa Nintendo Switch. E quando tive a oportunidade de o analisar, saltei sem medos por saber que ia dar bom uso ao modo cooperativo.
Quanto à premissa, esta é simples: os irmãos Cuphead e Mugman vão ao casino do Diabo (tudo para dar certo) e perdem uma aposta com o próprio. O castigo é ficarem sem almas, mas como o Diabo é caridoso propõe uma troca: as suas almas ou as almas dos devedores que fugiram. E assim começam as aventuras dos nossos heróis de porcelana, uma demanda insana contra inimigos ainda mais excêntricos.
Gosto de um bom desafio, mas sou uma nódoa. Tenho zero habilidade e técnica, mas muita paciência e tolerância para a repetição. A minha sorte é ter companhia para jogar com tudo o que não tenho e foi à conta dela que avançamos nos níveis. Sim, é um jogo muito difícil. É preciso bons olhos, bons tempos de reacção e uma destreza manual para sobreviver que dou por mim a encravar no meio de tanta confusão ou a olhar para o outro boneco porque estou perdido. Sim, é mesmo tramado, mas é justo.
As personagens têm vidas infinitas. Podemos morrer vezes e vezes sem consequências; não perdemos itens, equipamento, moedas, nada. Não existe aquela ansiedade de ter medo de perder. Acontece, retomamos o nível e conseguimos. E, para que não nos falte nada, o jogo mostra o nível de progresso para nos motivar com um está quase! Assim, quando lá voltarmos, sabemos que o final está mesmo perto, só mais um bocadinho. Também pode frustrar porque estava quase e morremos por um erro tolo.
Ainda no que toca a dificuldade, o jogo torna-se mais difícil com duas pessoas, o que faz sentido porque somos dois a atacar o boss, mas a dificuldade também vem do caos que mencionei acima. Há muita coisa a acontecer no ecrã e uma pessoa distrai-se. Por várias vezes, perdi a personagem de vista, misturada no movimento e na confusão do cenário, caí em buracos ou levei com projécteis de inimigos que nem dei por eles a vir. Problema meu ou problema do jogo…
Há coisas que eu, como jogador, desejava: checkpoints e mais níveis de plataformas, em vez de dois ou três por mapa. Achei pouco, mas melhores que o simples boss rush do jogo, mas desejar coisas diferentes fará com que Cuphead deixe de ser Cuphead e passe a ser outro jogo. Aceito o que tenho e compreendo que só haver bosses em doses curtas contribui para o seu sucesso porque não cansa nem frustra a longo prazo.
O melhor que podemos fazer é adaptar. Para isso, mudei os controlos à minha medida porque não estavam a funcionar comigo, mas é algo que requer habituação – recomendo um Pro Controller ou que tentem usar o D-Pad. Achei os analógicos imprecisos e tive dificuldade em estabilizar a personagem.
A estrela do jogo também é o estilo que tem tanto de estranho como de fantástico. O pessoal da StudioMDHR viajou aos anos 30 e trouxe para os dias de hoje um tipo de animação que não se via há anos: o estilo Rubber hose. Em bom português, mangueira de borracha. Espreitem os trabalhos de Max Fleischer, os desenhos animados da Betty Boop ou Felix the Cat, entre outros, e vão ver do que falo porque uma imagem vale mais do que mil palavras.
As influências não se ficam por aqui porque estes desenhos animados eram muitas vezes acompanhados de bandas sonoras incríveis da época como Jazz, Blues, etc. A minha peça favorita ainda é o vídeo da Betty Boop, com a música de Cab Calloway - St James Infirmary Blues. Vão lá ver, eu espero.
A animação é tão fora e nota-se o tempo em que foi feita, mas de uma qualidade que deita abaixo muito do que se faz hoje. E Cuphead fez um trabalho de casa incrível, até a qualidade da imagem emula uma televisão antiga, daquelas enormes onde tínhamos de caminhar para carregar nos botões. Já não se devem lembrar!
Que jogo! Ainda bem que o deixei passar para ser agora surpreendido, massacrado e testado. É curto, é bom, não prolonga a sua estadia e se foi um teste para mais jogos da concorrência, que venham eles se tiverem esta qualidade. Bato o pé ao ritmo deste jogo e ainda faço a dança da intro, é qualquer coisa.
Nota: Esta análise foi efetuada com base em código final do jogo para a Nintendo Switch, gentilmente cedido pela Popagenda