Os Melhores de 2021

Artigo escrito por Francisco Maia.

É sempre difícil escrever estas listas por uma variedade de razões. Não seja a primeira uma linguística: por "os melhores" queremos sempre dizer "os que mais gostei", claro. Haverá espaço para dizer que melhor e favorito não é o mesmo, mas vou deixar essa minúcia para um outro artigo. Para este, digamos que são os meus favoritos de 2021. Depois entra uma segunda dificuldade: se as minhas contas não me falham, a pandemia começou há 73 anos e saíram para cima de um milhão de jogos novos desde então, certo? Mais ano menos ano, mais jogo menos jogo. Manter em mente a restrição temporal da publicação lúdica e a presentificação de um jogo na mesa tem algo de malabarismo existencial. Vou tentar, mas antecipo já que faço batota pelo meio, como sempre.

Portanto, olhando para este ano que deveria ter sido um desastre mas afinal foi uma benção para o hobby, há uns quantos que me saltam completamente à memória - diz ele como se não estivesse a olhar para a estante dos jogos. É uma mescla engraçada. Como tantas outras pessoas, comecei a dedicar-me mais a jogos com modo solo, jogos acessíveis a dois jogadores, enfim, pandemiquices. E no entanto, há um ou outro jogo que não jogaria com menos de 4 pessoas.

Deixemo-nos de parlapiê e passemos à acção. Por ordem absolutamente nenhuma:


Mini Rogue

Começamos por um jogo minúsculo. Originalmente era um Print and Play de 9 cartas desenhado para uma competição do BGG, este jogo apenas requer um baralho e alguns dados para jogar, mas no entanto a editora fez questão de nos dar componentes de excelente qualidade - quase fazendo com que a edição normal saiba a deluxe. Mini Rogue é um jogo primariamente solo em que vamo explorando uma masmorra. Cada piso tem um certo número de salas compostas por 9 cartas que vamos desvelando à medida que avançamos: monstros, armadilhas, abrigos, etc. No final de um número fixo de salas, descemos de piso e aumenta a dificuldade, mas não sem antes termos de nos debater (com a espada, não é verbalmente) com um chefão. No fundo dos fundos, o chefão dos chefões. Pelo meio vamos evoluindo a nossa personagem, caracterizando com poderes e itens especiais, que nem um RPG clássico. 

É um jogo rápido de se jogar, por volta dos 20 a 30 minutos, mas nem por isso pouco satisfatório. Antes pelo contrário, cada vez que acabo estou pronto para começar outro. Um bom acréscimo ao jogo é ter um modo para dois jogadores porque às vezes a felicidade é mais real quando partilhada. Às vezes. Outras deixem-me jogar sozinho, faxavor.  


Ankh

Ankh foi uma surpresa que não estou certo que devia ter sido uma surpresa. O capítulo final da trilogia mitológica de Eric Lang, que já contava com o excelente Blood Rage e o incrível Rising Sun, leva-nos agora para o Egipto. Como as suas contrapartes prévias é um jogo de controlo de área, um pouco do caos americano misturado com a cerebralidade europeia, batatada e estratégia amalgamados. O que achei surpreendente é o quão interessantes são alguns dos mecanismos que, depois de dois jogos muito bons, ainda conseguem manter o mesmo tipo de jogo com alguma frescura. Aquele que tenho de mesmo de apontar é o mecanismo de seleção de acções. 

Há quatro peões para quatro tipo de acções. No seu turno, um jogador pode avançar um deles (para executar a acção correspondente) e outro numa linha mais abaixo. Quando um jogador avança um peão para lá de um certo espaço, um evento é activado, como por exemplo, os jogadores pontuarem. O que isto significa na prática é que para além de se jogar Ankh no mapa principal, estamos todos numa guerra fria em relação a que acções podemos ou não fazer: não só é controlo de área, mas controlo de "tempo". Podemos controlar o timing do jogo. Quão fixe é isso? Honestamente, este é capaz de ser o meu preferido da trilogia, embora seja o que joguei menos. Também ajuda que é o único que se pode jogar com apenas dois jogadores e, surpresa séria, funciona bastante bem!


Iberian Gauge

Este é a batota que já tinha mencionado. O jogo é de 2017, mas esta edição da Capstone Games é que o deu a conhecer ao mundo portanto deslarguem-me a perna. Não podia deixar de pôr uma comboiada nesta lista. Iberian Gauge é o terceiro da linha Iron Rails da Capstone e o mais complexo, ainda que mantenha em geral um nível de simplicidade muito agradável. No jogo as jogadoras vão investir em companhias ferroviárias que num turno futuro expandirão as suas linhas de forma a conectar mais cidades, aumentando a sua receita e por tabela os dividendos pagos a quem nelas investiu.

Este é um jogo de alianças e facadas económicas. As companhias são geridas à vez por todas as pessoas que nelas tiverem investido e, como é claro, cada jogadora tem as suas garras em vários potes. Portanto é tudo sorrisos falsos e promessas de que tamojunto, camaradas. Mas claro que não tamojunto. Nunca tivémojunto. Só quero o teu dinheiro. Este jogo é particularmente interessante para quem estiver interessado em um dia fazer o salto para jogos de comboios mais pesadotes porque ensina umas heurísticas decentes a esse respeito, por exemplo a saber lidar com dinheiro pessoal e dinheiro da companhia de forma diferente. Recomenda-se.

Pax Viking

Este jogão é só mais um na lista infindável de Paxes. Para quem não estiver familiarizado, Paxes são jogos de equilíbrio económico e bélico num tema histórico, onde os jogadores conspiram nas sombras para se destruírem uns aos outros. São jogos pesados e muitas vezes longos mas com um arco narrativo que uma pessoa até sente que esteve a ver um filme ou a ler um livro quando acaba. 

Este em particular cobre a expansão dos povos escandinavos no séc.X, invadindo aquilo que virá um dia a ser a Europa. Pelo meio das suas instigadas terão de se estabelecer em postos de comércio, postos de abastecimento e afins, de forma a poder demonstrar o seu domínio da área. Em seu favor podem alistar aliados, e até deuses que lhes conferem poderes especiais.

Pax Viking brilha em duas frentes, a meu ver. A primeira é que transforma um sistema de regras muito, muito pesado como é o dos Paxes, em algo muito mais acessível que alguém com alguma paciência consegue entender bem. A segunda é correlacionada - dilui e distila magnificamente as características 4 condições de vitória de jogos prévios e dá mais agência a jogadores menos habituados no que toca a vencer o jogo. O que quero dizer com isto é que Pax Viking incorpora um certo elemento de construção de infraestrutura (através dos tais postos comerciais) que vemos nos jogos europeus, trazendo familiaridade ao jogo e uma sensação de gratificação, de "eu construí isto, olha que espetáculo" - algo que não é muito comum nos Paxes. Como tal, é uma excelente entrada na série, e um magnífico jogo por si só!


Brew 

Brew é um curioso novo jogo da Pandasaurus que parece ter voado por baixo do radar de muito boa gente. No jogo, somos magos num mundo onde as estações do ano se deslocaram do tempo e agora acontecem todas ao mesmo tempo, num caos que precisa de ser restaurado antes que o próprio tecido da realidade colapse. Ou qualquer coisa assim. O tema não é exactamente o ponto forte do jogo. Mas a arte é excelente, fazendo lembrar uma espécie de Ghibli ou algo que se lhe pareça. Por outro lado as mecânicas são realmente fortes. No nosso turno temos de alocar dados às diferentes florestas para que possamos usufruir dos benefícios que nos concedem. 

Até aqui é um familiar jogo de alocação de dados, mas a piada está precisamente na panóplia de formas que o jogo nos dá para podermos quebrar as regras: cartas de poções, animais de estimação, etc. É um jogo que não só prima pelo seu ambiente de cortar à faca, com todas as jogadoras a quebrarem regras a torto e a direito, mas também pela tensão da pontuação. No final de cada ronda, pontuam-se as florestas por maioria de presença nelas. Isso significa que quando se anda a disparar dados para receber recursos temos também de estar atentos às maiorias que se formam nas florestas: apenas a jogadora com mais presença pontua essa floresta. No final de contas é um jogo acessível mas com muito sumo para o tempo em que joga.


Mantis Falls

Guardei o melhor para último. Por vezes queixo-me que já não se arrisca tanto em desenhos inovadores mas Mantis Falls claramente quer que me cale. Um jogo de dedução social. ....para dois jogadores. What? Como é que isso funciona? - oiço-vos perguntar. Pois bem, a ideia é que ambos os jogadores estavam na cena de um crime horrível e agora precisam de fugir de quem preferia que não batessem com a língua nos dentes quando falarem com os chuis. Enviaram assassinos atrás de vocês, que terão de chegar até ao ponto de resgate antes que vos apanhem.

Como já podem ter calculado, é aqui que entra o toque de génio do jogo: uma das jogadoras pode perfeitamente ser a assassina, sem que a outra o saiba. No princípio do jogo são distribuídas duas de três cartas secretamente que nos dizem se somos o assassino (probabilidade 1/3) ou uma testemunha (2/3). A partir daí, as testemunhas não fazem a menor ideia se estão a jogar um jogo competitivo ou cooperativo. E se o jogo é giro quando há um assassino, é magnífico quando há duas testemunhas a acharem que a outra é que é o assassino. Ahhhh quero ir jogar só de pensar no jogo. 


Menções Honrosas

Não podia encerrar esta lista sem umas menções honrosas. Honrosas não porque de alguma forma valham menos que as outras, mas porque já falei o suficiente sobre elas: Imperium, e Oath

Espero que esta lista tenha despertado o vosso interesse num ou outro, e vemo-nos de novo em breve para os melhores de 2022, daqui a 73 anos. 

Boas jogatanas!

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