Clássico ou Lenda: Cada Império sua Contenda


Artigo escrito por Francisco Maia.

Tenho andado numa de civ-builders que não são civ-builders. Gosto da ideia de ter um arco narrativo forte sobre o meu investimento no jogo, e normalmente isso traduz-se ou em jogos de civilização, pela sua gratificante construção, ou engine-builders, pela sua capacidade de fazerem o jogo parecer acelerar. No entanto, este jogo em particular, Imperium, chegou até mim um pouco de surpresa, por várias razões. A primeira é que o jogo vem dividido em duas partes: Imperium Classics é uma versão do jogo mais simples e linear, Imperium Legends uma versão mais complexa e atribulada. Logo aqui achei meio estranho. Se vou comprar um jogo, não quero ter de decidir se vou comprar a metade simples ou a metade complexa. O jogos são independentes um do outro, mas vocês sabem o que quero dizer.

A segunda cena é que não costumo jogar muitos deckbuilders. Dá muito trabalho pensar nas sinergias todas das cartas e ainda prestar atenção às probabilidades de certas combinações saírem no deck. Mas há algo de bastante agradável em Imperium.

Imperium, da Osprey Games, é um deck/civ-builder com facções assimétricas para 2 a 4 jogadores em que tentamos encontrar a melhor forma de levar a nossa civilização de bárbaros a Estado, e finalmente a Civilização Suprema. O jogo em si está dividido em dois pacotes: Imperium Classics, com facções mais pedestres (Celtas, Romanos, Macedónios, Cartaginenses, por aí...), e Imperium Legends com facções mais fantasiosas (Arturianos, Atlantes, por alguma razão os Egípcios??). Apenas é necessário comprar um deles: o primeiro é mais linear, mais adaptado a quem procure uma experiência mais leve - a assimetria das facções refere-se apenas a timings de jogo, ou direcções em que a jogadora se deveria inclinar. O segundo é um desafio mais atrevido - tanto a complexidade como a dificuldade sobem consideravelmente, e a assimetria é realmente assimétrica (pleonasmo? Que é isso?) colocando ao nosso dispor uma variedade de formas de jogar o jogo.

Para uma noção do que é o jogo - no nosso turno escolhemos entre jogar activar um número limitado das nossas cartas, atirar tudo para o descarte e sacar uma mão nova, ou saltar um turno para nos desfazermos das "cartas lixo". A estas acções acresce um mercado de cartas ao qual poderemos ir buscar reforços para a nossa civilização. Simples.


Avaliação D.I.C.E.

Dinâmica

Acho que a primeira coisa a ter em atenção quanto à dinâmica do jogo é que quatro jogadores é demasiado - o tempo entre turnos torna-se uma espera insuportável e o jogo pode estender-se pela tarde dentro. A três jogadores já não diria que não a uma jogatana, mas também não seria eu a sugeri-la. A dois é que o jogo está muito bem. No entanto, não deixa de ser muito multiplayer-solitaire. A interacção que há, quando a há, é feita sob a forma de um take that um pouco indiferente. Nunca senti que estivesse a levar cacetada feia, fosse qual fosse a nação com que jogava. No entanto há aqui algo que preciso de explicar para que uma parte gira do jogo fique clara.

Quando vamos buscar cartas ao mercado, representando novos desenvolvimentos na nossa civilização, tudo que meta progresso ao barulho vem com o seu quê de resistência; neste caso isso é representado pelas cartas de inquietação (as tradicionais 'cartas lixo' que não fazem nada em qualquer deckbuilder). Tudo o que nós queremos é livrar-nos delas o mais rápido possível pois valem dois pontos negativos no final do jogo, e enchem-nos a mão de inutilidade durante o nosso turno. Mas aqui entra a parte gira: as condições de vitória. 
Há três:
  • chegar mais rápido ao fim do nosso potencial baralho, coisa que se alcança apenas com muitos recursos;
  • comprar a última carta de glória (um baralho especial acessível a todos), coisa que se alcança apenas com muitas terras;
  • ou biscar a última carta do baralho da inquietação civil.
Nesta última condição, nem sequer se contam pontos: vê-se quem tem menos inquietação no baralho e esse alguém ganha o jogo. A civilização menos atribulada.

A razão pela qual isto é giro é porque claro, que os Celtas não se jogam da mesma forma que os Romanos. Enquanto os últimos querem construir um império e busca pela glória, os Celtas, com a sua incapacidade infraestrutural, encontram na distribuição de pancada um rumo à vitória bastante aliciante: as suas cartas têm facilidade em provocar inquietação civil nas civilizações inimigas. O mesmo com os Vikings, como seria de esperar. Já os Cartaginenses e os Persas procuram instalar-se economicamente e prosperar através dos seus recursos. Não é tanto que haja muitos caminhos para a vitória, tanto quanto são os três tipos de vitória que permitem um espraiar de estratégias.

No entanto, esta assimetria tem alguns limites. Ao fim de alguns jogos senti que estava sempre a fazer a mesma coisa. De maneira diferente, sim, mas a mesma coisa ainda assim. A falta de interacção complexa e interlaçada retira ao jogo um aspecto de geopolítica que podia ser interessante, deixando um pouco apenas um puzzle de eficiência para trás. A versão Legends resolve um pouco este problema, mas não completamente. De qualquer forma, com 16 facções possíveis entre as duas versões há muito por onde se explorar antes de o problema começar a fazer-se notar.


Integração Temática

Como pode ter ficado claro mais acima, o jogo parece-me altamente temático. Senti que cada nação com que joguei me dava indicações históricas de como jogar: os Celtas, por exemplo, claramente não quereriam uma infraestrutura gigante e um motor económico, mas antes um combate mais frontal onde possam pilhar a sua riqueza. Com cada facção senti que realmente está representada a sua fatia de história social.

Outro ponto que acho muito interessante é o mercado. À primeira vista é só um conjunto de cartas que podemos ir buscar por um preço e mais nada. Mas pensar um pouco sobre o assunto revela um conjunto de oportunidades de progresso histórico. Temos aliados que nos facilitam acesso a certos recurso, terras por explorar, e tecnologia para avançar a nossa civilização. Como tal, e como expliquei antes, podemos ter mais ou menos uma ideia em que tipo de cartas deveríamos focar-nos não só pelas regras mas pelo tema também. Vikings, por exemplo, estão mesmo a pedir uma expansão geográfica tremenda em procura de glória. Já os Persas adoram tributários e diplomatas.

Em termos gerais, consigo imaginar um outro Imperium, num universo paralelo, que seria seco como o pão-de-queijo do Pingo Doce ao fim do dia (sorry, estou a lanchar enquanto escrevo), mas não é este. Este até tem ali bastante sumo no que toca à transparência do tema.



Complexidade

Penso que isto seja talvez o ponto mais forte do jogo. Não só temos duas caixas com dificuldades assumidas diferentes, como temos bem assinalado por estrelinhas dentro das ditas caixas qual  a dificuldade de cada facção individual. De uma estrela a cinco, podemos decidir que tipo de experiência nos apetece: ligeirinha e descontraída, ou complexa e sobreaquecida. A razão pela qual gosto tanto desta faceta do jogo é que permite algo que muito poucos jogos permitem: jogar em pé de igualdade com pessoas com níveis de skill diferente. Se estou a jogar com a minha companheira, o nível de dificuldade escolhido tende a ser o mesmo. Mas com alguém que nunca jogou? Ora, eu escolho um nível mais difícil, e ofereço o humilhante nível BABY à convidada. Calma. Prometi que não ia ser hipercompetitivo. Chillax.

Como um ponto final, tenho de comentar algo em relação à dificuldade percepcionada do jogo. Quando se abre o livro de regras somos confrontados com um sem fim de terminologia específica ao jogo que activa em fases diferentes coisas diferentes com efeitos diferentes. Esqueçam. Leiam as regras de como começar a jogar, e depois o glossário interminável fica para consulta. Quando explico o jogo hoje em dia apenas explico a base. A terminologia e os efeitos que lhe seguem estão nas cartas. Mais vale o primeiro jogo demorar um bocadinho mais que ter a dor de cabeça de decorar o dicionário.



Entretenimento, Design e Arte

Comecemos pela arte: está muito melhor do que poderia pedir para um jogo destes. Para além de quase não haver cartas repetidas, o que implica uma quantidade astronómica de arte, o talentoso Mihailo 'Mico' Dimitrievski (Estoril 1942; Raiders of The North Sea; Quests of Valeria...) imbui cada carta com um charme extremamente particular. Sou fã de alguma da sua arte mas não toda. Aqui está claramente em casa: cada guerreiro é feroz, cada mercador está claramente a preparar alguma, cada paisagem emite uma brisa fresca, e quase dá para cheirar a decadência do Coliseu. Ao pôr de parte um pouco o exagero cartoonesco de outras obras suas, o Mico consegue ir até ao centro do que o torna um bom artista para jogos de tabuleiro - a arte, tanto quanto o jogo em si, conta uma história.


O design, principalmente a iconografia, está limpíssimo e detalhado. É fácil de perceber o que as coisas são com apenas um jogo de tarimba, e ajuda tremendamente com o que me queixei antes - cartas que remetem para outras cartas fazem-no através de iconografia clara, o que ajuda a manter o flow.

Quanto a entretenimento, acho que já poderei ter feito passar que Imperium é uma tarde bem passada. Descontraído mas nem por isso menos desafiante, é uma excelente forma de se sentir que se constrói alguma coisa enquanto se corre para a meta final. Tenho é de lhe apontar que os primeiros jogos tendem a demorar mais 20 minutos que os que seriam confortáveis, sendo os seguintes mais agradáveis, rodando por volta de hora, hora e meia.  



Considerações Finais

"Non enim ignavia magna imperia contineri" avisa-nos o historiador romano Tácito: "grandes impérios não são sustentados pela timidez". Imperium é arrojado, sem dúvida, tanto na arte como na aposta de fazer um deck builder ambos hiper-acessível e um desafio à altura do jogador mais inveterado. Mas não sei se não terá um fundo de timidez ao manter-se tão próximo da fórmula que o próprio jogo delineia para si próprio. Numa próxima iteração gostaria de ver confronto directo, maquiavelanismo, e diplomacia, talvez até mesmo uma continuação até à queda de cada império. Ou quem sabe condições de vitória mais directas, que não envolvam contar VPs. Enfim, um pouco mais de garra.

No entanto, o que faz, Imperium faz muito bem. E isso é mais que suficiente.


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