Smartphone Inc.


Artigo escrito por Marco Silva

Hoje falo-vos de um jogo que recentemente teve a sua versão actualizada (v1.1) no Kickstarter e que chegou há pouco às minhas mãos. Tive o prazer de experimentar a versão base numa das minhas noites de jogo na Leiria Con de 2019 (quando ainda podíamos fazer esse tipo de reuniões e jogar todos juntos às centenas num espaço bons tempos). 


O Smartphone Inc. teve bastante sucesso na sua primeira versão em 2018 mas a tiragem foi muito pequena e ficou rapidamente esgotado, sendo muito difícil de encontrar. Fiquei muito contente com o facto da editora Cosmodrome Games ter decidido fazer o reprint do jogo e ter lançado a campanha no Kickstarter, e claramente não fui o único. Nesta segunda versão a editora conseguiu amealhar mais de 200K$, com mais de 3 500 backers. Não foi um sucesso enorme, mas já deu para o criador colocar algumas melhorias sobre a versão normal. O jogo é o bebé do euro-game designer Russo Ivan Lashin que também lançou o jogo Skytopia: In the Circle of Time em 2019, com arte do Russo Viktor Miller Gausa.


Vou falar-vos um pouco do jogo base e porque é que eu gostei tanto deste jogo, deixando os pormenores das diferenças entre a versão base e a versão 1.1 para o final do artigo.


Em Smartphone Inc vestimos a pele de um CEO de uma empresa multinacional que produz smartphones semelhantes aos dos modelos primordiais, com poucas apps, pouca tecnologia, mas com imenso potencial. O tema do jogo está maravilhosamente bem conseguido e está muito bem ajustado a todas as mecânicas e à forma como o jogo se desenvolve. O jogo pode ser jogado entre 1 a 5 jogadores, em que cada jogador terá de amealhar o máximo número de pontos (que representam o domínio do mercado de smartphones) ao longo de 5 turnos. Cada turno está muito bem estruturado em 8 fases muito simples e que representam no fundo todas as decisões que, como CEO, devíamos fazer num ciclo de criação e venda dos nossos inovadores smartphones.


O jogo envolve uma mecânica económica muito interessante com características muito únicas, como, por exemplo, a primeira fase de planeamento, em que temos 2 peças que são semelhantes a cartas grandes em cartão com uma matriz de 2x3 cada uma, e o que temos que fazer é escolher como sobrepor as 2 peças que têm dois lados (frente e verso) diferentes e que mostram combinações diferentes de símbolos. Esse plano inicial vai determinar as ações que temos disponíveis ao longo das restantes fases, desde o número de smartphones que vamos produzir, quantos pontos de Pesquisa e Desenvolvimento podemos usar, quanto pontos de expansão vamos conseguir ter para crescer o nosso domínio no mapa, e até mesmo o preço a que vamos vender os nossos Smartphones, tudo nesta primeira fase.


Como já podem concluir é um jogo cheio de estratégia e é um dos pontos que mais gosto neste euro-game.Mas não é um jogo de estratégia económica normal, em que fazemos dinheiro e o vamos utilizando de forma acumulativa como seria de esperar. Em cada ronda vamos ter que fazer escolhas, e em cada ronda as vendas que fizermos apenas nos dão pontos, mas no início de cada uma das 5 rondas os jogadores recomeçam novamente de um ponto semelhante de partida, por isso o carácter económico que se vê em muitos jogos deste género, que não têm nenhum mecanismo de catch-up, não existe: aqui estamos sempre a competir por virar o marcador, e o facto de termos ganho muitos pontos na ronda anterior não nos garante que vamos ter mais vantagem na ronda seguinte e por isso nunca podemos relaxar.



Um outro ponto muito interessante neste jogo é que apesar de ter na sua definição 8 fases por cada ronda, é um jogo bastante rápido.A primeira fase é a que necessitamos de ponderar mais coisas na nossa decisão e essa é simultânea, por isso todos os jogadores estão a pensar secretamente qual vai ser a sua estratégia.Aqui podem sofrer um pouco os jogadores com muito AP (ou os “Super-Estrategas” como definia o meu amigo Bruno Maciel no seu artigo sobre Os Diferentes tipos de Jogadores de jogos de Tabuleiro). Depois disso as fases são uma materialização da estratégia, por isso são de execução rápida.



A parte de expansão do mapa (area control) é uma componente muito interessante e normal neste tipo de jogos. Está muito bem conseguida,pois tem um impacto muito relevante na capacidade de escoar o produto produzido, adicionando um aspeto importante à estratégia do jogo: não chega produzir muito, pois se não conseguirmos vender, perdemos o stock produzido, por isso, temos que expandir. Um outro aspeto muito interessante é o de Investigação (R&D), em que temos uma fase em que podemos desenvolver novas tecnologias que não só nos dão habilidades especiais, como também pontos no final do jogo, e ainda nos abrem possibilidades de vendas adicionais nas cidades em que já estamos.


Como podem ver, temos várias dimensões que temos que gerir, sabendo que os cartões que viram acima e que vos falei na fase de planeamento são muito limitados no número de opções que vos permitem apostar por cada ronda, por isso não podem maximizar todos estes aspetos de desenvolvimento ao mesmo tempo.



O jogo inclui um manual e modo de jogo separado para 1 jogador com uma “Inteligência Artificial” chamada Steve. Nesse manual têm os comportamentos todos definidos desse jogador em cada uma das fases e assim podemos ter uma experiência de jogar o jogo contra o Steve. A experiência em si é idêntica ao jogo normal quando o estamos sozinhos e queremos matar o bichinho. O Steve tem uma particularidade que pode ser utilizado em jogos com 2-4 jogadores para criar uma dinâmica nova.


Eu sou um apaixonado por estratégia por isso adorei jogar o jogo: toda a forma como precisamos de planear a expansão do nosso mercado, entender o que os outros jogadores estão a apostar e fazer decisões programadas para reagir a isso, é mesmo uma vida de CEO.

Um outro ponto que é incrível é a qualidade tanto gráfica do jogo, desde a capa, que podem ver na imagem no início deste artigo, como do tabuleiro e componentes: é mesmo muito boa, moderna e simples, muito bem inserida no tema dos smartphones. Até mesmo a iconografia do jogo faz lembrar os ícones de apps do iPhone. O tabuleiro tem recortes profundos, e por isso é muito espesso, para conseguirmos colocar os componentes (e não é apenas um desenho de uma zona no tabuleiro para largar peças), os componentes dos diferentes tipos de marcadores são em plástico translúcido com cores diferentes por cada jogador (confesso que vejo a qualidade, mas as formas podiam ser mais simples e claras de distinguir), e até os player trays são muito fixes e funcionais.


Acho que a nível de qualidade da construção do jogo apenas fiquei um pouco triste com a forma como os componentes ficam demasiado apertados na caixa, com imensas peças que precisam de ficar soltas porque não há outra forma de fazer caber tudo, e a caixa quase que nem fecha com todas as coisas lá dentro… e como os player trays ficam no fundo da caixa todos apertados é mesmo muito chato de os tirar porque não temos onde colocar os dados… acho que uns inserts bem feitos, um pouco mais de espaço na caixa que não precisava de ser tão pequena, teria dado uma experiencia de qualidade de arrumação muito melhor ao jogo.



Dito isto e para quem possa estar a perguntar-se quais as diferenças que esta versão 1.1 trás ao jogo base de 2018, a resposta curta é muito pouco…


· Os normais upgrades que trazem novas peças para as tecnologias (10 novas peças) de R&D que trazem pequenas alterações possíveis ao jogo se as quiserem inserir, e aumentam a longevidade pois há mais combinações possíveis de tecnologias, o que dá estratégias diferentes.

· Um player board dedicado para 2-3 jogadores, que era uma falha que tinha o jogo base pois o mapa era muito grande e tinha que introduzir uma mecânica que limitava um pouco a expansão para o jogo ser competitivo com poucos jogadores. Assim, o Ivan nesta “expansão” inclui um mapa mais pequeno para quando não conseguimos juntar a malta toda à volta da mesa e queremos fazer um jogo a 2 com a nossa cara-metade

· Inclui um modo Hardcore que no fundo consiste num conjunto de placas de planeamento novas com muito menos opções e que torna a tarefa de escolha da estratégia na primeira fase ainda mais difícil, e com isso o jogo todo muito mais difícil. Uma feature que acrescenta uma longevidade muito interessante ao jogo.

· Uma das tecnologias novas introduz uma pequena variação na venda de produtos que inclui umas figuras em plástico até bastante detalhadas de um CEO que irá se mover pelo mapa para supervisionar em pessoa as operações de venda. É uma mecânica nova que dá mais um eixo de estratégia ao jogo e que joga em conjunto com as tecnologias, tornando este aspeto do jogo um pouco mais relevante quando se escolhe jogar com estas novas tecnologias.

· Também foram incluídas 24 diretrizes, que representam objetivos comuns para os jogadores realizarem durante o jogo que lhes podem trazer pontos de vitória adicionais no final do jogo. Isto cria mais um eixo de estratégia ao jogo, o que é bastante agradável.


Um ponto que esta versão traz é uma folha de achievements, para marcar os momentos em que conseguimos fazer certos feitos de estratégia.Não é bem uma mecânica de jogo mas confesso que é uma coisa que vejo em muito poucos jogos.



Uma vantagem muito interessante deste jogo, e da forma como todas estas adições foram criadas, é que podemos escolher adicionar só uma delas ou mais ao mesmo tempo. Assim, controlamos melhor a forma como o jogo é jogado, quanta complexidade queremos adicionar à estratégia e até ter combinações diferentes de alguns dos módulos adicionais e criar experiências diferentes de jogo, bem como o ajuste a níveis diferentes de jogadores e gostos diferentes no que toca a complexidade e estratégia.


A versão Kickstarter em si trouxe ao backers alguns extras exclusivos, mas nenhum deles muito relevante ou limitador da experiência que qualquer outra pessoa possa ter ao comprar a versão de retalho. Por isso se acharem que este é o jogo para vocês, aproveitem a oportunidade de terem esta nova versão reprinted.


Eu pessoalmente adorei o jogo e recomendo-o a todos os amantes de jogos de estratégia e economia. Se gostam de jogos solo, o jogo é desafiante para se superarem: não é um Robinson Crusoe, que vos vai tirar o sono de tanto levarem no pêlo, mas o Steve é um adversário interessante e desafiante, ficando fiel ao jogo normal com mais jogadores. Não é um jogo de entrada (ou chamados Gateway game) mas é um excelente exemplar de Euro Game, cheio de estratégia, uma mecânica com muito inovação sem ser demasiado complexo.


Para mim em particular, tenho um gosto especial pelos temas de tecnologia, e falei disso no episódio “Temas que mais gostamos de ver nos jogos de tabuleiro” do DICE Podcast, e os temas ligados a tecnologia têm tanto para explorar e não se vêm tanto nos jogos de tabuleiro .Compreendo que é um risco muito grande criar um jogo muito técnico e que se torne uma seca, mas acredito que um jogo sobre tecnologia pode ser tão interessante e emocionante como um jogo de ir para uma ilha construir estradas e aldeias e andar a colher madeira e criar ovelhas. Fica aqui uma recomendação para quem, como eu, também gostava de ver mais jogos de tabuleiro com tecnologia como tema do jogo.


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