The Kids We Were

Quem diria que um jogo simples e entretido poderia despertar tantas emoções diferentes num jogador? The Kids We Were é uma espécie de Life Is Strange com gráficos pixelizados, ou até uma história animada de um filme sobre a vida atribulada de uma criança. Sendo que podemos também encontrar uma pitada de Regresso ao Futuro, e tudo isto combinado apresenta ao jogador uma experiência bastante emotiva, que poderia ser replicada mais vezes em outros títulos.

Este título apresenta-se como um jogo difícil que pode ser até complicado para certos jogadores. Não por causa de quaisquer puzzles complicados ou exigências de habilidade - é um "simulacro ambulante", na sua essência - mas por causa de algo muito mais desafiante: a sua honestidade crua e inflexível. É um jogo que lida com alguns temas pesados, tratados com cuidado mas também com uma certa e refrescante aspereza.

Como qualquer jogador sem experiência ou conhecimento do jogo, tive de jogar em curtos períodos, parando frequentemente para me afastar, para processar. Para os jogadores mais sensíveis deixo um alerta pessoal: Cuidado ao jogar este título. 

Aviso de spoiler: serão apresentados pequenos spoilers deste mesmo jogo, a fim de falar sobre os temas que explora e fazer-lhes justiça.

Para o dizer claramente - e para dar algo de um aviso de conteúdo, tanto para o jogo como para esta review - The Kids We Were é sobre violência doméstica. É também sobre muitas outras coisas, mas o fio condutor de tudo é o impacto do abuso, particularmente nas crianças, e sobre como ele pode perpetuar-se ciclicamente de geração em geração. É tratado com sensibilidade: não é gráfico ou mesmo demasiado descritivo, visto através dos olhos das crianças e da lente abstrata da nostalgia sonhadora. Mas é exatamente essa perspectiva inocente que a torna tão impactante, sem nunca precisar de acentuar o choque deste tema. Por vezes, as palavras simples e dolorosamente bruscas de uma criança podem deixar uma maior impressão. Como uma reflexão sobre algumas das piores coisas de que as pessoas são capazes, The Kids We Were é notório, podendo ainda dizer-se que se trata de um título de partir o coração. Mas também é esperançoso: no seu todo, pode-se ver retratada a forma de como esses ciclos de abuso, por mais inevitáveis que possam parecer, podem ser parados.


A história começa quando o personagem principal procurava o seu pai desaparecido. Um encontro invulgar coloca Minato, de 11 anos de idade, a ser enviado 33 anos para o passado, mais concretamente para 1987. Com a ajuda de um caderno cheio das lendas locais de uma pequena cidade e os conselhos para "encontrar Nozomi" são as únicas pistas que ele tem de seguir para a tarefa urgente de melhorar ou até corrigir o futuro - embora o que precisa exatamente de ser arranjado, e como, esteja longe de ser claro. O cruzamento de caminhos com um grupo de crianças unidas na sua desconfiança em relação aos adultos põe estas aventuras em movimento, tanto para umas férias de Verão cheias de aventuras como para perguntas mais sombrias sobre a vida e a família.

É a forma como este enredo é contado e entrelaçado, quase que como sem esforço, que faz com que The Kids We Were Were realmente se destaque. Apesar do peso dos seus temas centrais, há um ar leve na maior parte do jogo. Minato e o resto da sua equipa de desajustados são crianças enérgicas e brincalhonas que na sua maioria só se querem divertir. As amizades que se formam através da tentativa de conseguir que um velho e excêntrico caçador de tsuchinoko (uma criatura da mitologia Japonesa), lhes ensine os seus truques, ou desafiando-se uns aos outros a embarcar num comboio supostamente assombrado - estas são para toda a vida.

O enquadramento das viagens no tempo e o cenário dos anos 80 criam um ambiente decididamente nostálgico, à medida que se explora uma pequena cidade rural cheia de encanto do período Shōwa, com muitos pequenos detalhes para coletar e uma galeria de colecionáveis para encontrar. Sendo a aldeia de Kagami um reconforto que levará o jogador a revisitar a infância, mesmo que não seja a sua.


Desta forma e com todo este envolvimento, The Kids We Were, deixa cuidadosamente os seus temas mais sombrios desdobrarem-se, e dá-lhes peso e significado. Cada uma destas crianças é definida pelo seu trauma - até certo ponto como não poderiam ser? - mas também se tornam pessoas vivas, felizes e inteiras para além disso. A profundidade da caracterização, auxiliada por uma tradução inglesa especialmente bem escrita, faz com que se sinta cada uma destas crianças como real e relacionável, e isso é uma base crucial para a direção que o jogo toma.

A nostalgia é mais do que um simples estado de espírito, e a viagem no tempo é mais do que um simples pretexto narrativo pois ambos alimentam a questão de como o passado define o futuro: até que ponto as nossas experiências enquanto crianças determinam os tipos de adultos que acabamos por ser?  Que papel desempenham as nossas escolhas? Se pudesse voltar atrás e mudar o passado, para corrigir as coisas, voltaria a fazê-lo?

Estas são ideias familiares em histórias de viagens no tempo, mas assumem um significado diferente neste título devido ao tema da violência doméstica. Nesse contexto, este tema torna-se muito mais fundamentado na triste realidade dos ciclos de abuso, e na forma de os desfazer. Mais uma vez, e em última análise uma mensagem de esperança, e sem querer dar demasiado, a forma como um riff no Regresso ao Futuro se transforma num conto sobre a escolha de um caminho diferente não é nada mais do que belo. 


Todo este conjunto é o que fez de The Kids We Were We Were um jogo tão difícil de passar. Apesar da aparente fragilidade na sua configuração, é uma história honesta e desoladora sobre um assunto extremamente difícil, abordado com o maior cuidado e ainda mais confronto para o mesmo. Mas é uma viagem dolorosa que precisa de ser feita, com uma mensagem de esperança no final, e o abraço caloroso de amigos íntimos e memórias de infância preciosas para o levar até lá. 


Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para Nintendo Switch, gentilmente cedido pela Gagex, e o artigo original publicado pela Shindig Games & Pop Culture.

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