Blacksad: Under The Skin


O universo da banda-desenhada Blacksad salta das páginas para uma vibrante aventura gráfica pela mão da Microids. Blacksad: Under The Skin é uma nova história dentro dos cânones oficiais da BD que tem muito para fazer as delícias dos seus fãs mas que serve igualmente como uma boa introdução a quem desconhece este mundo singular.

Blacksad apresenta-nos uma versão alternativa dos Estados Unidos da América em meados do século XX, um cruzamento de Zootrópolis com filmes “noir”. Neste universo não existem humanos mas sim animais em tudo semelhantes a pessoas, desde as suas características aos comportamentos. É neste mundo surreal de animais antropomórficos que se situa uma história que explora temas reais como corrupção, crime organizado e violência, numa adaptação que não se coíbe de ser explicitamente gráfica quando necessário.

Desde os primeiros momentos de jogo que vemos como este pretende ser uma homenagem aos velhos clichés do género “noir”. O nosso protagonista é o típico investigador privado dos filmes, com a sua gabardina, um ar perpetuamente cansado e uma visão pessimista do mundo. O seu passado é envolto em tragédia e o seu presente é marcado por uma quase ruína financeira, pontuada pelo fumo e álcool indispensáveis destas histórias. Felizmente, o humor tem também lugar, servindo frequentemente para que o jogo não se leve demasiado a sério.


Afinal, este é um jogo que começa com uma luta entre Blacksad, um gato, e um rinoceronte furioso por estarmos a investigar o seu adultério a pedido da sua esposa. A história começa bem e rapidamente introduz ao jogador duas das principais mecânicas de jogo: escolhas que irão moldar a narrativa e “quick-time events” (QTE). Ao fim da primeira cena estamos já a moldar o perfil do nosso personagem, algo que podemos ver numa progressão contínua no menu principal. Sensível, durão, honesto ou pragmático, estas são algumas das características que vamos desenvolvendo. Embora não faça uma diferença significativa na história, este perfil é um detalhe interessante que cria uma identificação maior entre jogo e jogador.

Os QTE são usados durante cenas de acção e apresentam alguns problemas. Nem sempre temos o tempo necessário para carregar no botão certo no momento exacto, algo que não seria tão frustrante se não fosse a persistência do jogo em obrigar a seguir a história linearmente. Por vezes, falhar um botão de uma série de dez obriga a recomeçar toda a sequência, algo que quebra a imersão e ritmo da história. Under The Skin nunca deixa o seu protagonista morrer, mostrando que nem mesmo a curiosidade pode matar o gato. Isto torna-se penosamente evidente em algumas partes onde o jogo nos oferece uma escolha, só para nos mostrar que essa possibilidade conduz à morte. E a morte aqui obriga a recomeçar toda a sequência novamente e a ensinar ao jogador que não é suposto agir naquele momento. Além de frustrante, esta ilusão de escolha é inevitavelmente irónica num jogo que apresenta como trunfo escolhas múltiplas para definir a sua história.

No decorrer da investigação, descobrimos que ser um gato vem com poderes especiais. Podemos activar os sentidos felinos de Blacksad para auxiliar a investigação, seja através de uma visão mais aguçada para descobrir detalhes, de uma audição mais atenta que consegue isolar determinados sons ou de um olfacto que faria inveja a qualquer Rex, cão polícia. Como mecânica de jogo nem sempre é bem conseguida, sendo interessante pelo desvendar de detalhes mas frequentemente à custa de uma quebra de ritmo na história.


O ritmo inconstante da narrativa é, aliás, um dos principais problemas de Under The Skin. A história sofre de alguns momentos desinspirados que arrastam a investigação mas que felizmente não se prolongam ao ponto de cortar o nosso interesse em desvendar todo o mistério.

Um ponto essencial do trabalho de investigação é a recolha de pistas, algo que se apresenta neste jogo como uma série de informações dispersas. Temos de fazer deduções com duas ou mais destas informações para descobrir novos detalhes e avançar com a história. Aqui o jogo peca por excesso de ajuda ao jogador: cada vez que temos pistas suficientes para fazer uma dedução, recebemos uma notificação para ligar as diferentes informações. Embora o jogador ainda tenha de saber quais os pontos a ligar entre si, esta notificação retira algum do esforço que poderia tornar o jogo mais desafiante e ser verdadeiramente recompensador a cada descoberta.

Algo que pode gerar bastante frustração inicial são os controlos de movimento de Blacksad. Andar com este gato pelos vários cenários pode parecer que estamos a puxar por um elefante desajeitado. No PC, sendo apenas possível usar o teclado para o movimentar (a falta que o rato faz!), Blacksad torna-se este animal lento, pesado e com dificuldades de orientação.


Como um bom filme de estilo “noir”, Blacksad: Under The Skin deixa-nos com uma sensação agridoce no seu desfecho, ainda que não pelas melhores razões. A história pode não ser realmente memorável mas é competente e envolvente o suficiente para prender a nossa atenção durante várias horas. Existem momentos que nos fazem rir com o protagonista e outros que nos chocam pela violência retratada. Reviravoltas e surpresas agarram-nos. Visualmente é um universo vibrante e cinematográfico, com um estilo gráfico distinto e cuja atenção ao detalhe se estende até aos menus. E assim sabemos como há muito mais para descobrir nesta aventura do que os seus problemas podem indicar. Houvesse mais tempo para refinar detalhes e mecânicas e este poderia ser um jogo que conseguiria atingir todo o seu potencial.

Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para PC via Steam, gentilmente cedido pela Microids.

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