Like a Dragon: Infinite Wealth

Foi numa noite de janeiro de 2021 que, depois de muito ouvir sobre estes jogos japoneses que eram "uma espécie de GTA, mas com um combate mais interessante em que podes atirar bicicletas e cones gigantes", decidi comprar um tal de Yakuza 0 e dar-lhe uma oportunidade. A primeira coisa que vi, ao iniciar o jogo, foi uma introdução cinemática que conta com alguns do jogo, um pequeno vídeo que costumava ocupar os momentos que, normalmente, seriam dados ao logo do estúdio, da distribuidora, etc. Sem qualquer contexto, os breves flashes de personagens que ainda não conhecemos ou momentos que ainda não vivemos não estragam de todo a experiência, mas engrandecem-na, deixando-nos entusiasmados para perceber o que estamos a ver. No meu caso, bastou apenas esta introdução para me conquistar. Ainda não tinha sequer começado o jogo ou verificado as opções de cima a baixo sem alterar nada, como todos nós fazemos antes de começar, e já não havia como voltar atrás. Foi naquele momento que eu decidi que ia levar a cabo a tarefa hercúlea de saltar de cabeça para uma franquia que, apenas em títulos mainline, já contava com sete; e foi em junho do ano passado que finalmente pude dizer que tinha jogado tudo o que era Yakuza (sem contar spinoffs como Judgement e Ishin).

Foram raras as ocasiões em que me senti tão entusiasmado para o lançamento de um jogo como nos meses que precederam o glorioso 26 de janeiro de 2024. God of War Ragnarök e The Last of Us Parte II são, talvez, os únicos jogos, recentemente, cuja antecipação foi comparável àquilo que senti por Like a Dragon: Infinite Wealth. Sem contar com Like a Dragon: Ishin! e Lost Judgement, ambos spinoffs, e Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name, algo mais pequeno do que os outros títulos, ainda que, provavelmente, uma das melhores entradas na franquia, Infinite Wealth marcou o primeiro lançamento desta série que eu pude aproveitar desde o primeiro dia, e isso foi algo estranhamente importante e significativo para mim.

Infinite Wealth transporta-nos, pela primeira vez na série, para lá da fronteira japonesa, levando a história para a cidade havaiana de Honolulu, acompanhando Ichiban na busca pela mãe que nunca conheceu. E é por aqui que quero começar. Honolulu é, verdadeiramente, a personagem principal de Infinite Wealth, com a sua atmosfera vibrante, colorida e solarenga, que apenas consigo comparar àquela de Okinawa, em Yakuza 3. Mas nem Okinawa era capaz de competir com a vivacidade de Honolulu, a sua densidade populacional ou a quantidade de atividades que há por todo o lado. Este sempre foi um dos pontos fortes desta série. Kamurocho é um mapa bastante pequeno quando comparado com os mapas que vemos na maioria dos jogos modernos de mundo aberto, mas nunca temos essa sensação devido à quantidade de coisas que há para fazer e às pessoas que habitam esta cidade.

Com a transição para Honolulu, havia a preocupação bastante legítima de que um mapa imensamente mais vasto trouxesse uma cidade que parecesse mais vazia, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Há uma vastidão de conteúdo secundário, tanto que, na verdade, não prometo não me esquecer de mencionar nada. Comecemos com as sub-histórias ou missões secundárias. Infinite Wealth conta com um total de 52, e é certo que muitas satisfarão a necessidade de muitos que nunca jogaram Yakuza de partilhar clipes engraçados destas sub-histórias questionando a seriedade do jogo. Mas, não obstante a comédia presente nestas histórias, é também através delas que os jogos Yakuza contam as suas histórias mais emotivas e sinceras, como a de um homem determinado a mostrar neve à sua esposa antes desta falecer ou a de uma criança que abre uma bancada de limonada para poder comprar uma prenda para alguém especial. Dito isto, claro que é hilariante fazer uma dança para invocar uma tempestade ou lutar contra um Roomba gigante.

Para além das sub-histórias, há uma imensidão de minijogos e atividades secundárias que acabarão por devorar o tempo de qualquer um que se aventure por Honolulu, sendo os destaques de Infinite Wealth a Dondoko Island e os Sujimons. Certamente já ouviram ou leram algures que a Dondoko Island podia ser um jogo por si própria, e eu não estou aqui para contrariar isso. Não só é mais completo que muitos jogos, com uma história, personagens e, até certo ponto, mecânicas completamente próprias e separadas da história de Infinite Wealth, como é perigosamente viciante, facilmente provado pelas minhas sessões de até 6 ou 7 horas em Infinite Wealth sem sair da ilha. Mas em quê que consiste este minijogo, se é que lhe podemos chamar isso? Arriscando não dizer nada de novo, Dondoko Island é o Animal Crossing de Infinite Wealth, uma jornada em que Ichiban embarca para revitalizar um velho resort que se tornou pouco mais do que um monte de lixo na costa do Havai. Vais destruir o lixo que se foi acumulando na ilha, construir edifícios e mobília e apanhar insetos para aumentar a popularidade do resort e, eventualmente, acolher visitantes.

Se Animal Crossing não é bem a tua onda, que tal umas batalhas de Póke — ups, Sujimon? Enquanto que aqui já não temos algo tão elaborado ou completo como a Dondoko Island, temos um minijogo mais que satisfatório e que só parece pequeno em relação a algo que é uma raridade nos videojogos. Ao estilo de Pókemon, este minijogo consiste, numa primeira fase, em apanhar os vários Sujimons existentes no jogo. Estes são os inimigos que encontramos em batalhas aleatórias pelo mapa ou em dungeons, e, assim que estejam na tua coleção, podes adicioná-los à tua equipa e usá-los em batalhas com os treinadores que encontrarás espalhados pelo mapa e ao longo desta sub-história.

Importa também falar das outras novidades, começando por Crazy Delivery, um minijogo no qual Ichiban efetua entregas de comida a bordo de uma bicicleta e soma pontos consoante a quantidade de truques que fizer na viagem, ou Sicko Snap, que vê Ichiban a embarcar nos trolleys que passam por Honolulu e a fotografar os tarados que se escondem pela cidade e Miss Match, um dating app sim em que criamos um perfil para Ichiban e conversamos com potenciais correspondências na esperança de conseguirmos um encontro cara a cara. Claro, não seria um jogo Yakuza se não pudéssemos jogar dardos, shogi, poker, entre outros. Mas o destaque — e, independentemente das novidades, o minijogo preferido de qualquer fã verdadeiro — é o karaoke, que volta em força com um total de 20 canções.

Para além das novidades que dão que falar, Like a Dragon: Infinite Wealth conta com algumas quality of life improvements que podem passar despercebidos aos menos atentos, mas tornam esta experiência infinitamente mais agradável. A grande maioria destas circunscreve-se ao combate, que viu uma melhoria significativa em relação a Yakuza: Like a Dragon, a primeira aventura da série com combate turn-based. Começo com algo minúsculo, mas que facilita bastante a vida de qualquer um que ande pelas ruas de Honolulu, Ijincho ou Kamurocho. Falo da adição da mecânica de Smackdown, que permite derrotar um grupo de inimigos de nível significativamente inferior premindo apenas um botão, com a contrapartida de recebermos menos XP. No campo do combate propriamente dito, em Infinite Wealth, não só podem todos os membros da party pegar em objetos do ambiente para atacar inimigos, como é bastante mais claro quando é que isso vai acontecer, aparecendo um símbolo por cima de qualquer objeto próximo o suficiente de uma personagem para ser utilizado. No entanto, isto seria muito menos útil sem a próxima adição: a possibilidade de movimentar a personagem que controlamos dentro de um círculo à sua volta.

Isto permite aproximarmo-nos de objetos para os utilizar, mas também posicionarmo-nos de forma mais vantajosa em relação aos adversários ou outros membros da party, já que ataques mais próximos ou pela retaguarda de inimigos causam mais danos e um ataque junto de um outro membro tornar-se-á um ataque conjunto. De forma semelhante, um ataque com uma área de efeito assinala agora a respetiva área e um ataque que projete o inimigo para trás será acompanhado de uma seta que mostra a direção em que este voará, o que nos ajuda a atacar inimigos contra paredes, causando mais dano ou na direção de outro membro, que realizará um ataque consecutivo.

Mas a maior novidade aqui — e, sem dúvida, uma das melhores apostas da RGG em Infinite Wealth — é a forma como o combate típico de Kiryu encontra um lugar dentro do combate turn based. Ao contrário das outras personagens, Kiryu tem 3 modos de ataque: Brawler, Rush e Beast, nomes que serão familiares aos fãs mais antigos da franquia. No modo Brawler, Kiryu realiza ataques fortes e as famosas Heat Actions, enquanto que o modo Rush, com ataques mais rápidos, permite que Kiryu realize dois ataques consecutivos e se movimente numa área maior. Por fim, o modo Beast é particularmente útil para quebrar as defesas de inimigos. Uma outra particularidade de Kiryu no que toca ao combate é uma habilidade intitulada de Dragon's Ressurgence, que permite que Kiryu escape das restrições do combate turn-based e se mova e ataque livremente — como nos bons velhos tempos — durante um determinado período de tempo.

Outro aspeto em que se verifica uma melhoria em relação a Yakuza: Like a Dragon são as ligações entre os líderes da party (Ichiban e Kiryu) e os restantes membros. Tal como em Like a Dragon, encontramos os chamados Drink Links, oportunidades de Ichiban e Kiryu beberem um copo com os seus amigos e discutirem aquilo que se passa nas vidas deles para lá da história principal. A principal diferença, em Infinite Wealth, é que o desenvolvimento destas ligações através dos Drink Links tem consequências no gameplay, no sentido em que os ataques em conjunto que mencionei anteriormente, bem como outros, só podem ser desbloqueados completando os Drink Links, que ficam disponíveis ao atingir um determinado nível na ligação com outra personagem. Mas também encontramos uma novidade no desenvolvimento destas ligações, na forma de Bond Bingos.

Cada personagem tem um bingo associado, bingo esse que completamos passando em certos locais que despoletam a possibilidade de conversarmos com essa personagem e descobrindo algo sobre ela, ao estilo das party talks que já existiam em Yakuza: Like a Dragon. Uma vez completo o bingo, desbloqueamos um encontro a sós com essa personagem e é adicionada uma selfie ao bingo. Apesar de parecer um pequeno detalhe, uma das minhas coisas preferidas de fazer neste jogo aparentemente infindável foi perseguir estas conversas ao longo do mapa e ficar a saber mais sobre aquele que se tornou muito provavelmente o meu grupo preferido de personagens em qualquer videojogo. Falando de personagens, este é o momento certo para passarmos à história propriamente dita.

O coração desta história, como de qualquer Yakuza, são as suas personagens. Qualquer jogador que dê uma hipótese a esta franquia maluca saberá que a RGG consegue competir com os melhores estúdios no que toca à qualidade da escrita das suas personagens. Mas não se tratam só de personagens bem escritas; mais importante que isso é a sua profundidade e o quão reais elas parecem, algo que se torna particularmente impressionante quando consideramos a bizarrice das peripécias por que passam no dia-a-dia. Como não podia deixar de ser, Infinite Wealth é um exemplo perfeito de tudo isto, e se o novo grupo de personagens não me tinha convencido totalmente em Yakuza: Like a Dragon, todas as minhas dúvidas se dissiparam nos primeiros momentos de Infinite Wealth, que tão perfeitamente captura as dinâmicas de um grupo de amigos. Como já sabíamos à partida, este é um jogo com dois protagonistas, Ichiban e Kiryu, com um foco claramente maior em Ichiban, a quem são dedicados mais capítulos. Curiosamente, apesar disso, senti que a história pertence muito mais a Kiryu, no sentido em que a sua história tem um sabor bem mais pessoal.

Enquanto que, com Ichiban, estamos constantemente a desbravar novo território (uma nova cidade, um novo país, novas personagens, a busca por uma mãe que ele nunca conheceu...), com Kiryu somos constantemente incentivados a refletir não só sobre tudo o que aconteceu nos oito jogos que passamos com ele, como na forma como esses acontecimentos moldaram esta personagem e como a história de Infinite Wealth desafia as crenças e motivações de um Kiryu com todos esses anos de desenvolvimento e uma nova perspetiva sobre a sua própria vida. E deixem que vos diga, sem querer estragar as surpresas que a RGG preparou, que, se são fãs de longa data desta franquia, então há algo extremamente especial para vocês neste jogo, que testará mais do que uma vez a vossa capacidade de lutar contra as lágrimas.

Por fim, falta tocar na dungeon de DLC, "The Big Swell". Esta dungeon só pode ser acedida após a conclusão da história principal e começa de forma semelhante a outras sub-histórias, mas, desta vez, incluindo toda a party. Francamente, esta é a única dungeon que ainda não concluí em Infinite Wealth, mas o que pude ver foi que tem uma aparência bastante distinta das outras dungeons, o que torna mais suportável o ato repetido de derrotar inimigos (nem sempre sou o maior adepto de dungeons e grinding no geral). Mas o meu aspeto preferido de The Big Swell foi a incorporação de todos os membros da party no diálogo e na sub-história, algo que gostaria de ver aplicado com mais frequência nos próximos jogos, em vez de as sub-histórias incluírem apenas Ichiban ou Kiryu.

No entanto, a parte do DLC que deu que falar foi a decisão de restringir dificuldades e, especialmente, a opção de Novo Jogo + atrás do DLC. No que toca a este tema, é impossível não me mostrar desagradado, porque esta é simplesmente uma decisão objetivamente horrível. Não há nada que a justifique e é de longe o meu maior problema com Like a Dragon: Infinite Wealth. Qualquer problema com a história ou com uma ou outra mecânica cai por terra em comparação com a limitação de recursos que são tomados por garantidos na maioria avassaladora dos jogos de hoje em dia aos jogadores que estejam dispostos a pagar, pelo menos, mais 15 €.

Se Yakuza: Like a Dragon foi uma experiência imperfeita, mas bem-sucedida, de levar a série numa nova direção, Like a Dragon: Infinite Wealth é o aperfeiçoamento dessa experiência. O que não resultou tão bem no seu antecessor, Infinite Wealth encontrou forma de fazer resultar, e até aquilo que já tinha tido sucesso viu melhorias. Entre a introdução de novas mecânicas no combate, o aprofundamento de sistemas pré-existentes (como as ligações entre os membros da party e os Drink Links), a inclusão de novos empregos para as personagens e uma imensidão de minijogos que, se fores como eu, vão fazer com que leves quase 100 horas para completar a história, há tanto para adorar em Infinite Wealth que não consigo imaginar a possibilidade de um fã da série não passar um bom tempo com este jogo. E é para essas pessoas que este jogo existe. Este não devia ser o primeiro Yakuza de ninguém. Esse devia sempre ser o Yakuza 0. Ou o Kiwami. Mas comecem pelo 0. Like a Dragon: Infinite Wealth é algo verdadeiramente especial e ultrapassou todas as minhas expectativas, até as mais irrealistas. Como alguém que atribui grande significado a esta franquia, posso apenas agradecer à RGG por aquilo que nos deu.


Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para PS5, gentilmente cedido pela Ecoplay

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