Opinião: A história em The Last of Us Part II


Nota: Este é um artigo de opinião baseado na história e experiência de jogo em The Last of Us Part II, incluindo por isso algumas revelações importantes. Caso ainda não o tenham jogado ou estejam à procura da nossa análise totalmente livre de spoilers, recomendamos o seguinte artigo: The Last of Us Part II



Mais do que apenas um jogo, uma experiência inesquecível.

Não é um exagero dizer que The Last of Us Part II tem uma das histórias mais marcantes do universo dos videojogos. Na realidade, podemos ignorar a parte dos videojogos - é difícil pensar em muitos filmes ou séries de televisão que tenham conseguido algo tão bem construído, com um impacto tão forte no espectador, naquilo que se apresenta como uma mera história de vingança.

Para quem tem acompanhado o trabalho da Naughty Dog, é sabido que há muito tempo eles têm tentado quebrar barreiras, derrubar fronteiras entre o que pode ou não esperar de um videojogo. Assim surgiram momentos inesquecíveis, como a interação com a girafa em The Last of Us, ou o casal na sala de estar a jogar Crash Bandicoot, em Uncharted 4. The Last of Us Part II, porém, foi muito mais além do que se poderia esperar.

Há poucos anos, escrevi que "a Naughty Dog devia fazer um drama interativo", a propósito do crescimento desse subgénero. Mais do que uma árvore com muitas ramificações na história, importa mesmo uma boa escrita, uma boa narrativa, haja ou não uma escolha do jogador. «Depois de um grande êxito, é normal os fãs pedirem mais do mesmo. No entanto nesta altura não devíamos estar a pedir uma sequela, mas sim que eles façam o jogo que lhes apetecer». E aqui está The Last of Us Part II, que tanto consegue ser uma sequela, como estar longe de ser "mais do mesmo".


Também por isso, não foi surpresa assistir a uma série de reações negativas, vindas principalmente de um conjunto de pessoas que se auto-intitulam de "verdadeiros gamers". Pessoas para quem o mundo dos videojogos se devia limitar a apenas certos géneros, estilos ou temáticas, achando que se algo não lhes interessa então não devia existir. Felizmente, porém, não foram estes os jogadores com quem a Naughty Dog se preocupou. Em 2020, ainda há revoltas por uma história ter como protagonista uma rapariga que gosta de outra rapariga, cuja relação é tratada com toda a naturalidade de qualquer outra relação? Talvez sejam os indignados a precisar de rever os seus valores. Até porque, convenhamos, ninguém é obrigado a jogar, tal como ninguém é obrigado a ver um filme.

Ironicamente, a raiva e a revolta que alguns sentem devido aos seus preconceitos é precisamente um dos muitos temas deste jogo. Num mundo pós-apocalíptico onde os sobreviventes começaram as formas as suas próprias seitas, quase sempre em guerra umas contra as outras, o ódio de quem nem sequer jogou... acaba por estar muito bem retratado neste jogo.

The Last of Us Part II é um jogo sobre vingança e a forma como esta consegue corroer, destruir a vida de alguém. Após uma grande tragédia, Ellie começa uma longa jornada atrás de quem a causou, prometendo destruir tudo e todos os que se cruzem no seu caminho. Ao mesmo tempo, vai despertando novos sentimentos por Dina que, apaixonada, a acompanha nesta jornada. Duas emoções aparentemente contraditórias, que se vão desenvolvendo e influenciando o caminho da protagonista.

Ao longo de todo o jogo, a violência é um tema crescente, assim como a indiferença à mesma. Se na pequena vila onde tudo começa temos a adorável possibilidade de fazer festinhas a um cão, a reação não será a mesma quando um conflito contra os adversários nos faz, pela primeira vez, matar um cão. Após várias batalhas, porém, tanto Ellie como o jogador passar a achar isso normal. Algumas dessas mortes são, realmente, uma questão de sobrevivência. Mas terão sido todas? E quando se diz isto de um animal, o que dizer de todos os outros combatentes... Não são eles, afinal, pessoas?

Em que momento se está a ir longe demais?


Part II tem, literalmente, duas partes. Dois lados da mesma história, opostos, mas profundamente interligados. Quebrando o genérico "protagonista vs. vilão da história", o jogo coloca-nos na pele de Abby, precisamente a personagem que Ellie deseja matar, custe o que custar... como assim, agora é com ela que se está a jogar?

Mais do que um mero "plot twist", esta é uma mudança profunda na experiência do jogador. Uma surpresa tão grande, que teria sido um "spoiler" ao referir nas críticas - o que honestamente dificultou explicar o que fez deste um jogo tão bom, mas por uma boa razão.

Poucas coisas poderiam ser tão arriscadas num videojogo como acompanhar duas protagonistas em lados tão opostos da narrativa, onde facilmente os jogadores facilmente tomariam o partido de uma delas. Todo o desenvolvimento de Abby, as suas motivações, o seu passado... é extraordinária a forma como é criada esta ligação entre a personagem e o jogador. Quando os "desconhecidos" mortos por Ellie passam a ser os conhecidos de quem está a jogar, as emoções são completamente diferentes... É realmente impressionante a forma como uma mudança de perspectiva consegue mudar toda a experiência de jogo, fazer até sentir sensações contraditórias.

Tal como os diversos ambientes de jogo, desde a beleza de alguns cenários até aos de verdadeiro terror, The Last of Us Part II é uma montanha russa de emoções, capaz de misturar amor, ódio, compaixão e vingança. Também por isso é importante relembrar que este não é um jogo para qualquer um, e em alguns momentos consegue mesmo ser visceral.

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