Marvel's Spider-Man
Todos conhecem a velha tradição de videojogos inspirados em filmes e bandas desenhadas. Salvo raras exceções, ficam sempre aquém do esperado, muitas vez por terem de se restringir ao material de origem. Porém, com o universo da Marvel em máximos históricos de popularidade graças ao cinema, era inevitável que tentassem fazer uma grande aposta no mercado dos videojogos. Terá sido um tiro certeiro?
Reza a história que a Marvel abordou a Insomniac Games (Sunset Overdrive, Ratchet & Clank) com o intuito de desenvolver um jogo inspirado numa série à escolha do estúdio, que prontamente terá respondido "Spider-Man". Além do voto de confiança demonstrado no estúdio, subentende-se aqui um particular interesse dos mesmos em explorar o universo desta personagem tão amada ao longo de várias gerações. Assim surgiu este Marvel's Spider-Man, uma nova abordagem ao popular aranhiço, não uma adaptação de um filme ou de uma comic em particular.
A primeira grande decisão que teve de ser tomada em relação a este jogo foi a de que esta não seria uma "origin story". Entre comics, séries de animação e filmes no cinema, quantas vezes já se viu o Peter Parker a ser picado pela aranha? Pois aqui não, o nosso protagonista é um jovem de 23 anos que há 8 anos leva uma vida dupla enquanto Peter Parker e Homem-Aranha. Vive sozinho num apartamento, trabalha num laboratório científico onde aproveita para melhorar o seu fato e superpoderes e está separado há seis meses da sua ex-namorada, Mary Jane.
Há imensas personagens familiares no jogo, mas não necessariamente nos papéis e posições onde as vemos habitualmente, incluindo famosos vilões e algumas personagens secundárias. Sem querer entrar a fundo em detalhes da história, há que louvar a forma como o jogo a conta. Seria fácil escolher um vilão e torná-lo um perfeito antagonista, como acontece em tantas histórias de super-heróis. Aqui, porém, começa-se por prender Wilson Fisk, também conhecido como o Kingpin, que durante os passados 8 anos serviu precisamente esse papel para o Homem-Aranha.
O vizinho amigável de Nova Iorque vai fazendo as suas patrulhas regulares e colaborando não oficialmente com a polícia mas, após a prisão de Fisk, coisas estranhas começam a acontecer pela cidade, como se vários criminosos quisessem tentar a sua chance de ser o próximo Kingpin. O jogo faz uma óptima gestão de expetativa, introduzindo vilão atrás de vilão conforme o verdadeiro desfecho se vai desenhando, proporcionando pelo meio algumas "boss battles" espetaculares contra icónicos vilões deste universo.
De volta ao primeiro minuto do jogo, a primeira coisa a fazer é sair de casa em direção à Fisk Tower, balanceando nas suas teias por entre os prédios de Nova Iorque. Não poderia ser de outra forma, de tão bem implementada que está esta mecânica. Com o mínimo dos esforços se controla a personagem livremente pelos céus da cidade, de prédio em prédio e a grande velocidade. Ao avançar no jogo, vão sendo desbloqueadas novas habilidades que permitirão até fazer acrobacias pelo ar. Muito se deve também ao grafismo e à qualidade das animações. Não há como estar a jogar sem pensar "sou o Homem-Aranha"!
Este é um jogo de mundo aberto com muito para ver e fazer além de seguir as missões da história principal. À semelhança de séries como Assassin's Creed, à medida que se vai subindo às torres de comunicação da polícia, vai-se também ficando com um mapa recheado de ícones com colecionáveis, missões e desafios. Tudo conteúdo opcional mas que ajuda a enriquecer a experiência. Aqui não há grande inovação, é certo, mas também não há grandes defeitos a apontar. Também o sistema de combate pode ser facilmente comparado ao da série Batman: Arkham, mas a verdade é que dificilmente se encontraria um sistema mais adequado ao Homem-Aranha.
Os combates são uma verdadeira festa de ação, com murros, saltos e muitas teias. Há um sistema de combos bastante rico e a agilidade da personagem, assim como a capacidade de atacar à distância sem ser vista, abre um grande leque de possibilidades para abordar o combate. Parte-se do princípio que os inimigos ficam apenas inconscientes ou aprisionados nas teias do herói, pelo que a porrada não é mais do que eles merecem. Ao avançar na história, é bastante notório o escalar da violência nas ruas. Houve uma preocupação em coordenar o mundo com a narrativa e deixar na própria história um espaço importante para o herói fazer missões secundárias e reunir colecionáveis.
Conforme se vai progredindo, a personagem vai acumulando pontos de experiência, skill points e ainda tokens das sidequests, que irão permitir ficar mais forte e adquirir novas habilidades e ferramentas, incluindo diversos fatos especiais. O primeiro desses faz mesmo parte da história e corresponde à "White Spider" patente em todas as promoções do jogo. Até nisto a Insomniac fez uma das melhores representações da personagem!
Mas nem só de Homem-Aranha vive o jogo, que dá um grande destaque também ao Peter Parker. A história dos dois é indissociável e, naturalmente, os acontecimentos na cidade afetam os dois lados da sua vida pessoal e profissional. Enquanto humano, Peter irá trabalhar no laboratório, resolvendo uma série de simples puzzles, visitar a tia May no centro humanitário onde esta trabalha, etc. Em certos momentos, será mesmo possível jogar na pele de outra personagem. A narrativa é mesmo importante neste jogo e, da forma como é apresentada, poderia ser facilmente comparada a uma temporada de uma série de TV, com longos arcos de história e o uso do tempo necessário para desenvolver as diferentes personagens. Não há filme desta série que se possa comparar a isto.
Com uma PlayStation 4 "standard" não será possível apreciar todo o esplendor gráfico do jogo que se poderá ter com uma PS4 Pro ligada a um televisor 4K mas, mesmo assim, é um título visualmente fantástico, especialmente a nível de iluminação. Há um misto espetacular de realismo e fantasia na forma como tudo é apresentado e os detalhes nos cenários tornam-nos bastante "reais". Curiosamente, há poças de água em todo o lado, deixando cair por terra uma teoria que se popularizou na internet de que o jogo teria levado um "downgrade" nos gráficos pois um trailer aparentava ter "menos poças de água".
A banda-sonora acompanha na perfeição todos os momentos do jogo, além do excelente trabalho de voice acting que, embora esteja bastante cuidado na versão portuguesa, deve ser ouvido na sua versão original. Infelizmente, neste momento o jogo não inclui a opção de escolher o idioma, obrigando o jogador a alterar o idioma da consola para jogar na língua pretendida. O mesmo acontece com as legendas, que apenas podem ser ligadas ou desligadas, não sendo possível jogar com áudio em inglês e legendas em português, por exemplo.
Não disponíveis a tempo desta análise, mas a chegar com a atualização "Day One" do jogo, está um muito desejável Modo de Fotografia, onde se poderá tirar inúmeros screenshots personalizados do jogo, e ainda o modo New Game + que permitirá recomeçar a aventura sem perder algum do progresso, nomeadamente itens desbloqueáveis, para jogar num modo mais difícil. Não que o jogo seja particularmente fácil, mas há sempre muitos jogadores que procuram algo mais intenso. Está também anunciado um conjunto de DLCs para os meses após o lançamento, que irão introduzir mais personagens, missões e, claro, vilões para combater neste jogo.
Depois deste Marvel's Spider-Man, os jogos de super-heróis nunca mais serão como dantes. A Insomniac Games bebeu imensa inspiração de comics e filmes para construir o seu próprio universo, capturando ao mesmo tempo o humor e leveza da personagem e o tom sombrio dos vilões. A Marvel tem que estar orgulhosa da sua aposta neste estúdio, pois o seu feito é extraordinário. Sem arriscar nas fórmulas de muitas mecânicas de jogo, investiram tudo em criar a melhor experiência possível e, assim, dizer que este é o melhor jogo já feito do Homem-Aranha é pouco. É também bastante melhor do que qualquer um dos filmes criados em torno desta personagem. Fantástico!
Nota: Esta análise foi efetuada com base em código "Day Zero" do jogo para a PlayStation 4, gentilmente cedido pela SIEE.