Life is Strange: Double Exposure



Em janeiro de 2015, quando era lançado o primeiro episódio de Life is Strange, eu era, para todos os efeitos, uma criança, a curtos meses dos meus 13 anos, prestes a fazer a transição de PES e LEGO para Assassin's Creed e Uncharted e a descobrir a minha paixão pelos videojogos. Lembro-me de jogar este primeiro episódio e de ficar fascinado pelo quão diferente este jogo era daqueles que eu estava habituado a jogar. Tão mais vivo, mais adulto. Nada de particularmente novo, na altura, mas para mim era e, apesar de me ter ficado por esse primeiro episódio, foi um jogo que me ficou na memória. Até que chegou o verão de 2024, quando, sem nenhum jogo épico de 100 horas na minha estante, decidi finalmente dar uma hipótese a uma série de jogos mais pequenos que tinha guardados no meu backlog, umas quantas pérolas que me escaparam nos últimos anos.

O primeiro? Life is Strange. E depois deste, bem, é justo dizer que não consegui pensar verdadeiramente em mais nenhum jogo. Já lá vão 3 meses desde aquela noite de verão em que, por entre lágrimas, vi os créditos correrem, e desde aí nada foi capaz de me capturar da mesma forma. Foi, para mim, um daqueles jogos que se torna um favorito instantâneo, aqueles que sabemos imediatamente que ficarão connosco para sempre, acabando por moldar uma parte da nossa personalidade.


Double Exposure marca a primeira vez que a série volta a personagens de jogos anteriores desde o spin-off Before the Storm. Está de volta Max Caulfield, a protagonista do primeiro jogo, mas ficamo-nos por aí no que toca a regressos. Na verdade, para além da personagem de Max e da ideia de poderes de tempo, Double Exposure parece não ter qualquer interesse em trazer absolutamente mais nada do jogo original, pelo menos para já. Isto torna-se claro rapidamente, quando a pesada e traumática escolha que Max é obrigada a fazer no final de Life is Strange é insensitivamente reduzida a uma escolha entre dizer que Chloe que morreu no final desse jogo ou que a sua relação acabou por razões não muito claras.

Esta é uma escolha que fazemos nos primeiros momentos do jogo e é uma decisão por parte da Deck Nine que me deixa confuso, uma vez que aqueles jogadores que escolheram salvar Chloe em Life is Strange, certamente o fizeram por sentirem uma ligação à personagem que justificasse o sacrifício necessário para o fazer. E como um destes jogadores, sinto que é no mínimo estranho o esforço que Double Exposure faz para se distanciar de Life is Strange, bem como a decisão de resolver a relação destas personagens fora do ecrã.


Importa esclarecer que, ao contrário de Life is Strange, bem como Before the Storm e Life is Strange 2, sendo desenvolvidos pelos franceses da Don't Nod Entertainment, Double Exposure é da autoria da desenvolvedora norte-americana Deck Nine, também responsável por True Colors, e esta mudança reflete-se fortemente em todos os aspetos do jogo. De facto, Double Exposure contrasta fortemente com a primeira aventura de Max, a começar pelo tom imprimido pela Deck Nine neste título.

Estamos claramente perante uma tentativa de enquadrar esta história como um mistério, ao contrário de Life is Strange, Before the Storm e, tanto quanto consigo perceber sem ainda o ter jogado, Life is Strange 2, que diria serem nomeadamente histórias focadas num período formativo da vida dos protagonistas e na forma como as suas relações se desenvolvem durante esse período. Não quero com isto dar a entender que as relações de Max são insignificantes para a história de Double Exposure, mas parecem-me claramente ser um meio para contar este mistério, enquanto que em Life is Strange, estas personagens são o próprio fim, o foco da narrativa.


Esta tentativa de construir um mistério é visível tanto no próprio enredo como na banda sonora, que continua a ser um ponto forte da série, ainda que não seja tão memorável como a de Life is Strange. O destaque aqui é claramente "Someone was listening", a música que nos cumprimenta no menu inicial de Double Exposure, e que ao início parece uma música calorosa e acolhedora, mas que, de cada vez que toca e à medida que progredimos na história, se torna mais e mais sinistra. Já o enredo misterioso desenrola-se alguns anos depois de Life is Strange, tendo Max deixado Arcadia Bay e Chloe para trás, seja por esta ter falecido ou por a relação entre as duas ter terminado, um destino escolhido pelo jogador numa conversa que acontece bastante cedo no jogo.

Max é agora uma espécie de professora de fotografia numa universidade (o jogo parece pouco interessado em dar mais do que estas pinceladas gerais, sem grande tempo para pormenores) quando a morte misteriosa da sua amiga Safi a leva a descobrir que os poderes de manipulação temporal que tinha na adolescência foram substituídos pela habilidade de viajar entre duas linhas temporais paralelas; numa delas, Safi continua viva. É este o paradigma que configura a tentativa de escrever uma história mais complexa, que acaba por ser apenas confusa, muito por causa de uma aparente falta de interesse em pensar verdadeiramente o funcionamento da narrativa para além dos traços mais largos. Esta é uma história que constantemente me deixou com mais perguntas que respostas, perguntas essas mais frequentemente causadas por confusão do que curiosidade.


O elenco de personagens que protagoniza esta história é totalmente competente para o efeito, ainda que nenhuma seja capaz de atingir o nível até das personagens mais passageiras de Life is Strange. A quantidade de atenção que é dada a cada uma parece-me desequilibrada; seria de presumir que passaríamos uma quantidade significativa de tempo com Safi na linha temporal em que esta ainda está viva, mas a verdade é que, enquanto que grande parte do mistério se passa à sua volta, não é realmente até ao 4.º capítulo que voltamos a passar mais tempo com ela. Igualmente, é-nos dado a entender no início da história que Max, Safi e Moses são um trio de amigos, sendo Moses o melhor amigo de Safi e, através desta, amigo também de Max.

Na verdade, antes da morte de Safi, temos a oportunidade de presenciar a dinâmica da relação que os três partilham e todos parecem estar sensivelmente no mesmo nível de amizade. Por essa razão, parece totalmente incongruente que, quando temos acesso ao diário de Max e podemos consultar as suas notas sobre todas as personagens, que esta descreva Moses como "O melhor amigo da Safi. Meu… conhecido?", implicando uma relação muito menos próxima daquela que presenciamos até esse momento e que, de facto, podemos ver durante todo o resto do jogo.


Outro ponto de contraste entre Double Exposure e o seu predecessor é o estilo visual. Isto não se resume à qualidade gráfica, que, como já vimos no anterior título da Deck Nine, True Colors, é significativamente distinta do trabalho da Don't Nod. Se a pergunta for "objetivamente, qual destes jogos é graficamente mais realista?", a minha resposta teria de ser Double Exposure, de forma enfática. A qualidade visível na pele das personagens e na grande maioria das texturas presentes nos vários ambientes é notável; igualmente, os movimentos faciais são verdadeiramente impressionantes e o jogo é, no geral, genuinamente bonito, ainda que não consiga afastar a ideia de que uma ou duas personagens em particular parecem ter saltado diretamente de uma partida de Fortnite, dada a forma como as suas faces parecem consideravelmente menos detalhadas que as restantes, enquanto que os cabelos parecem mais peças de LEGO, dada a falta de fluidez dos diferentes fios.

Mas será este passo em direção ao realismo totalmente positivo? Eu creio que não. Uma parte daquilo que, para mim, tornou Life is Strange tão único foi o facto de ser possível sentir em cada detalhe a vontade de ser algo diferente daquilo que já existia. O maior exemplo disso era, claramente, a forma como a possibilidade de voltar atrás no tempo alterava a dinâmica dos já conhecidos jogos de escolhas, mas o exemplo mais visível era o seu estilo visual. Claro que, graficamente, um jogo de 2015 nunca poderia estar ao nível de um jogo moderno, mas a arte de Life is Strange, nomeadamente detalhes como a pequena interface que surgia quando podíamos interagir com algo e que simulava ser um desenho de Max, contribuía para a vibrante personalidade deste jogo. Em Double Exposure, tudo isso foi substituído por um design moderno, limpo e minimalista, tudo o que Life is Strange não era. Double Exposure não tem uma personalidade distinta, e acaba por saber a apenas mais um jogo genérico.


Uma palavra de louvor tem de ir, na minha opinião, para a forma como Double Exposure perpetua a missão desta franquia de lidar com temas incorretamente divisivos, como a sexualidade, a identidade de género, o racismo, entre outros, com a maior das normalidades, ainda que, por vezes, peque por não haver uma exploração mais profunda dos mesmos. Ainda assim, é algo que irei sempre apreciar nesta franquia, e é bom ver que estes jogos continuam a ser um espaço seguro para aqueles em busca de uma representação aberta e realista do mundo à nossa volta, numa altura em que estes espaços se tornam cada vez mais valiosos.


Apesar da natureza predominantemente negativa desta análise, acredito que exista em Double Exposure um jogo que vale a pena jogar, e estou convencido de que as fortes críticas que elenquei ao longo deste artigo vêm de um lugar em mim onde considero Life is Strange um dos melhores e mais significativos jogos que alguma vez joguei, o que só dificulta a missão de oferecer a quem lê uma opinião objetiva - e que opinião alguma vez poderá sê-lo, independentemente das circunstâncias? A opinião mais objetiva e sincera que consigo dar é esta: apesar de uma história confusa e, por vezes, incoerente, Life is Strange: Double Exposure é um jogo com os seus méritos, que talvez até seja mais facilmente apreciado e compreendido por aqueles sem qualquer ligação prévia a Max, Chloe ou qualquer evento do jogo original. No entanto, como alguém que tem a mais alta estima por Life is Strange, Double Exposure é um jogo que me entristece mais por aquilo que não é, do que pelo que é.


Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para PS5, gentilmente cedido pela Ecoplay.

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