Night Call


Artigo por Joana Maltez

Segredos. Conselhos. Confissões.
Estas são as palavras de ordem quando mergulhamos no universo parisiense de Night Call, a aposta em estilo “film noir” da editora Raw Fury.

Este jogo narrativo coloca-nos no papel de um taxista mas, na verdade, assumimos diferentes versões do que isso pode significar. Para um dado passageiro podemos ser o ombro amigo que ele precisa num momento de desespero; para outro seremos o voyeur acidental de um momento fugaz. Ao volante do nosso táxi transformado em confessionário, entramos na teia de histórias humanas que compõem o retrato de Paris.

Mas estas observações do quotidiano são muito mais do que podemos inicialmente pensar. A Cidade Luz encontra-se sob a ameaça de um serial killer e o jogador é o único sobrevivente dos ataques perpetuados pelo assassino. Essa condição especial serve para nos lançar involuntariamente para o centro da investigação policial, onde somos simultaneamente vítima e suspeito. Para limparmos o nosso nome, vamos precisar de colaborar com a polícia na procura do verdadeiro culpado.

O táxi torna-se assim a principal ferramenta usada pelo jogador para chegar à verdade. As interações com os passageiros são essenciais para desvendar o caso, mas nunca sabemos quem pode ter uma pista ou teoria que nos ajude a aproximar da identidade do assassino.


A jogabilidade de Night Call é desarmante na sua simplicidade. A ação desenvolve-se num mapa da cidade similar a outros que poderíamos encontrar em aplicações como a Uber ou Google Maps. O mapa apresenta potenciais passageiros, postos de abastecimento e pontos de interesse para a nossa investigação, que vamos desbloqueando ao longo do jogo. Durante as 7 noites que tem para deslindar o mistério, o jogador precisa de encontrar o equilíbrio entre o tempo dedicado na procura pelo serial killer e o seu trabalho como taxista. Mesmo com um assassino à solta, ele continua a ter contas para pagar e se não ganhar dinheiro suficiente no fim de cada turno, o jogo não mostra misericórdia. Esta é uma das mecânicas que Night Call utiliza para aumentar a dificuldade, mas que frequentemente falha em introduzir tensão real nesta experiência.

Uma das grandes promessas de Night Call é a variedade de casos e de assassinos. Existem 3 casos para explorar e a identidade do culpado varia a cada playthrough, aumentando potencialmente o valor de rejogabilidade. O problema é que a execução desta ideia compromete esse mesmo valor e a promessa lançada. Embora os casos e assassinos sejam diferentes, o jogo em si não apresenta quase diferenças nenhumas entre investigações e personagens. Após a conclusão do primeiro caso (centrado à volta de um serial killer conhecido como The Judge), avançamos para The Angel of Death apenas para descobrir que os diálogos se mantinham iguais e os passageiros que já conhecíamos previamente não tinham qualquer memória do nosso taxista. Cada vez que iniciamos um caso novo voltamos à estaca zero: o nosso protagonista sofreu um ataque de um serial killer e todas as personagens voltam a ser introduzidos como se fosse a primeira vez.


Este é um dos pontos mais problemáticos de Night Call e que fragiliza o impacto de muitos dos diálogos obtidos numa primeira experiência. Após conversas memoráveis com um caso, é frustrante voltar a repetir tudo numa situação que seria supostamente diferente. E isto é particularmente desapontante porque os passageiros e as suas conversas são o verdadeiro coração do jogo, muito mais que a investigação policial. As histórias que as personagens partilham são verdadeiramente envolventes, diversas nas suas experiências e frequentemente complexas. É palpável a sensação de que estamos a conhecer alguém, um passageiro que podia ser uma pessoa real com a sua história de vida. Isto é um feito notável alcançado pelo jogo, especialmente quando temos em atenção que todos os diálogos são apenas em texto e com animações visuais muito limitadas. E, sem querermos desvendar muito, existe um toque de realismo mágico em algumas interações que originam os momentos mais intrigantes e interessantes do jogo, evidenciando assim o potencial de Night Call.

Infelizmente, a componente da busca pelo serial killer empalidece face ao lado mais humano e mundano do jogo. Isto sucede devido a factores como a suposta não linearidade da narrativa a mecânicas pouco inspiradas. Night Call promete uma experiência não linear, mas a repetição de diálogos e personagens subverte essa ideia, transmitindo a sensação de que as nossas escolhas não têm realmente impacto no desfecho final. Por outro lado, a investigação pelo assassino oferece mecânicas pouco envolventes centradas na recolha e ponderação de pistas e provas no final de cada turno. Infelizmente, não é permitido ao jogador uma leitura e pesquisa mais activa das peças que vai descobrindo sobre o caso, resumindo-se esta componente a um quadro com detalhes muito sucintos sobre os suspeitos. A única parte da investigação que instiga maior envolvência é quando temos a possibilidade de ir a pontos de interesse para investigar as pistas que vão surgindo.


O estilo visual de Night Call é um dos seus pontos fortes, com uma estética “film noir” que enobrece a história e se enquadra perfeitamente na imagem romântica de Paris. O jogo é minimalista na forma como apresenta as personagens e locais, mas a estética confere uma força visual importante na imersão do jogador. A música tensa que acompanha o protagonista na calada da noite é também uma peça-chave que nos envolve a cada passo.

Existe a sensação de promessa por cumprir em Night Call graças a uma ideia inicial interessante mas profundamente comprometida por uma execução problemática. Ainda assim, este é um jogo com potencial para agradar aos fãs deste género e que procurem por experiências diferentes com uma forte componente narrativa.

Nota: Esta análise foi efetuada com base em código final do jogo para PC via Steam, gentilmente cedido pela Raw Fury.

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