Em defesa de The Last of Us Parte II
AVISO: Este artigo contém spoilers para The Last of Us Parte II e,
possivelmente, para as próximas temporadas de The Last of Us HBO
Dias antes do lançamento do 3º episódio de The Last of Us, a HBO anunciou que
a série tinha sido renovada para uma 2ª temporada. Antes ainda do final da 1ª
temporada, Neil Druckmann (criador dos jogos The Last of Us) confirmou que a
história de The Last of Us Parte II se estenderá por mais do que uma
temporada. Infelizmente, ao contrário de The Last of Us, não se pode dizer que
a sua sequela seja universalmente amada, ainda sendo, quase 3 anos depois do
seu lançamento, um dos jogos mais divisivos e controversos de sempre. Nesse
sentido, sendo The Last of Us Parte II um dos meus jogos favoritos de sempre,
senti que tinha um dever de escrever este artigo em preparação para as
próximas temporadas da série da HBO, não com o intuito de convencer aqueles de
vós com uma opinião negativa do jogo, mas sim como uma forma de simplesmente
exprimir o meu amor por este jogo e tentar explicar aquilo que, na minha
opinião, faz desta uma das melhores histórias alguma vez contadas num
videojogo.
The Last of Us Parte II foi, sem dúvida, a pior experiência que já tive com
um videojogo. Foi, provavelmente, a coisa mais angustiante, triste e
deprimente que já me obriguei a experienciar, e adorei cada uma das mais de
50 horas que demorei a concluir a história e, mais tarde, a conquistar a
platina. Curiosamente, este foi também o primeiro jogo que exigiu de mim
algo mais do que o simples ato de o jogar. Foi o primeiro jogo que suscitou
em mim uma necessidade de escrever e foi, consequentemente, o jogo que me
trouxe até esta posição, como escritor na equipa do Meus Jogos.
The Last of Us Parte II começa com uma promessa. Uma promessa de Joel de ser
um homem melhor, de tratar Ellie como uma filha em vez de mercadoria e de
criar uma nova vida em Jackson. Mais tarde, é uma promessa de Ellie de
vingar a morte do seu "pai" e, finalmente, será também uma promessa de Abby,
que busca redenção. Mas tudo a seu tempo.
Começamos com um close-up da guitarra de Joel - e lembrem-se
desta imagem, vai ser importante - enquanto o ouvimos a confessar a Tommy as
suas ações do final do último jogo. Este é um Joel que está, finalmente, a
fazer pazes com a sua decisão e a aceitar a verdade.
A cavalgada de volta para Jackson com Joel e Tommy presenteia-nos com um
momento para refletir sobre tudo aquilo por que passamos no primeiro jogo,
culminando naquela fatídica decisão de salvar Ellie e sacrificar uma
potencial cura para a infeção Cordyceps.
Em Jackson, vemos uma verdadeira cidade, muito mais desenvolvida que o
povoado em que encontramos Tommy no primeiro jogo. Seguimos Joel até um
anexo no qual encontramos uma rapariga a ouvir música e a desenhar no seu
caderno. As sapatilhas Converse são suficientes para a
identificar: é Ellie. A conversa entre os dois parece indicar uma relação
mais constrangedora do que aquela que conhecíamos. Joel ainda se está a
habituar a voltar a encarnar o papel de pai, enquanto que Ellie parece mais
distante do que nos lembrávamos. Talvez aquele "Ok" no final do primeiro
jogo tenha significado algo diferente do que na altura achámos. Antes de lhe
desejar uma boa noite, Joel toca para Ellie um cover de "Future Days", dos
Pearl Jam, uma música que nunca falha em trazer-me lágrimas aos
olhos. Uma música feliz, achamos nós, sobre o efeito que Ellie teve sobre
Joel, sobre a caminhada que fizemos no primeiro jogo e sobre a forma como
uma criança de 14 anos conseguiu consertar um homem quebrado por um mundo
cruel. Bem, acontece que as palavras "If I ever were to lose you, I'd surely lose myself", são verdadeiras tanto para Joel, como para Ellie. São estas palavras que
vão moldar as próximas 25 horas de jogo.
5 anos mais tarde, conhecemos Abby, aquela que será, junto com Ellie, a
protagonista desta história. Descobrimos que o seu grupo se encaminha para
Jackson, em busca de alguém. Quem é esse "alguém"? Ainda não sabemos, mas
temos um bom palpite de quem poderá ser, por muito que não queiramos
admiti-lo. Este é um bom momento para falar de algo que encontrei num dos
vários vídeos e artigos que li em preparação para a escrita do meu próprio
artigo, com o objetivo de ficar a conhecer as críticas daqueles com uma
opinião diferente da minha, mas também para descobrir se aqueles que, como
eu, gostam deste jogo, têm as mesmas razões que eu ou outras.
Um dos
apontamentos que mais ficou comigo foi um feito pelo youtuber Luke Stephens
num vídeo intitulado "The Last of Us Part II - Forgiving the Unforgivable",
no qual ele descreve o início de The Last of Us Parte II como
"dreadfull", no sentido mais puro da palavra: é "full of dread", ou seja, cheio de temor ou medo. Isto é, tudo está a correr bem. Ouvimos
um belo cover de "Future Days", Ellie parece ter feito amizades em Jackson
(talvez até mais do que isso) e tanto quanto o jogo nos diz, Abby e o seu
grupo não têm necessariamente más intenções. Mas nós somos mais espertos que
isso. Nós jogamos o primeiro jogo e ele ensinou-nos que por cada coisa boa
que este mundo dá, tira duas ou três. E é exatamente isso que a Naughty Dog
quer fazer-nos sentir. Este medo de que a qualquer momento nos podem puxar o
tapete debaixo dos nossos pés faz-nos ter receio do que está para vir, mas,
ao mesmo tempo, obriga-nos a seguir em frente, ansiosos por descobrir o que
se esconde por detrás da cortina.
E a verdade é que tínhamos razão. A morte de Joel foi o maior murro no
estômago que já experienciei em qualquer videojogo. Não foi a primeira vez
que vi uma personagem querida morrer, nem seria a última. E apesar de ter
vivido a morte de outros protagonistas de quem até gostava mais do que Joel,
nunca essa morte foi tão súbita e violenta como esta. E a qualidade desta
cena deve-se, em grande parte, à genialidade com que este momento é
construído. A sequência de eventos que levará, ultimamente, à morte de Joel,
inicia-se com Abby a fugir de uma horda de infetados. Quando parece que não
há mais fuga possível, surge uma mão que a ajuda a levantar-se e a protege.
É uma experiência quase transcendente, algo raro nos videojogos, cujo único
outro exemplo de que me recordo neste momento é Metal Gear Solid 2. Quando
estamos na pele de um protagonista, seja Joel, Nathan Drake, Kratos, Solid
Snake ou tantos outros, raramente refletimos sobre a forma como as outras
personagens o veem. Para nós, os feitos incríveis que estes protagonistas
levam a cabo passam a ser normais.
Mas aqui estamos nós, na pele de Abby, a ver esta figura, com quem passamos
tanto tempo, agora de uma nova forma, transformando-se numa figura quase
divinal. Eu lembro-me de ficar com um sorriso de orelha a orelha ao ver esta
cena desenrolar-se; no meio de tanta ação, com tanta adrenalina a correr por
mim, nem duvidei das intenções de Abby quando esta sugeriu a Joel e Tommy
que se abrigassem da tempestade na casa onde o grupo dela se instalou.
Mas ao chegar lá, o tom muda rapidamente. Enquanto que o grupo se mostra
amigável, a expressão na cara de Abby é preocupante. E depois acontece. Joel
apresenta-se e as caras amigáveis desaparecem, substituídas por uma
expressão fria. Há algo de muito errado.
Este é o preço de ser um homem bondoso neste mundo cruel, um mundo que não
deixa espaço para amar, para crescer, para confiar. Este não foi só o erro
de Joel, foi também o nosso. Nós confiamos demasiado em Abby e é isso que
torna a morte de Joel tão chocante.
E assim começa a cruzada de Ellie por Seattle, a continuação de um ciclo
perpétuo de vingança e o início de uma obsessão que não só destruirá a sua
vida, como acabará com a de tanto outros.
Nada em Seattle é feito ao acaso. O primeiro dia é repleto de áreas abertas
e verdejantes, que convidam a uma exploração calma e refletiva.
Passamos muito do nosso tempo à procura dos códigos necessários para abrir
os portões que rodeiam o interior da cidade e as conversas entre Ellie e
Dina são despreocupadas e sinceras. Falam dos sonhos, das vidas que querem
ter. É impossível acreditar que alguma vez poderiam ser consumidas pela
mesma raiva e sede de vingança que consumiu aqueles responsáveis pela morte
de Joel. Mas assim que Ellie começa a riscar nomes da sua lista, é difícil
parar.
As áreas pelas quais passamos começam a encolher, tornando o final do
primeiro dia quase claustrofóbico. O céu perde o seu brilho azul, um
cinzento desconfortável agora no seu lugar, e as conversas começam a ser
mais unilaterais, à medida que a obsessão de Ellie começa a consumi-la. E
então vemos Joel, naquele que poderá muito bem ser o meu momento favorito do
jogo: o museu. Lembras-te do homem que te salvou? O homem que te mostrou os
dinossauros e te levou ao espaço? A sua morte não pode ser em vão.
O segundo dia é ainda mais doloroso. Passamos - e, muitas vezes, rastejamos
- por bairros abandonados, pântanos lamacentos, escritórios decrépitos. Até
os próprios flashbacks, que outrora foram fonte de felicidade e
reminiscência sobre um passado melhor, mostram-nos agora a tensão entre
Ellie e Joel. Precisamos de sentir toda esta dor. Tudo para acompanharmos
Ellie no ponto mais baixo da sua jornada, quando encontramos Nora.
Ironicamente, num jogo que chega a ser, muitas vezes, desconfortável e até
nojento, nada é pior que o simples premir repetido de um botão, necessário
para torturar Nora. Nada é lógico neste mundo, e isso é ainda mais verdade
quando falamos da sede de vingança de Ellie. Não interessa a razão pela qual
Joel morreu. Nós vamos vingar-nos.
Quando o terceiro dia chega, vemos uma Ellie que já foi completamente
consumida pela sua obsessão. O caminho é mais excruciante que nunca e
passamos grandes partes do dia sozinhos com Ellie, com pouco ou nenhum
diálogo, apenas um objetivo em mente: o aquário. A morte de Owen e Mel é a
confirmação daquilo que temíamos. Ellie encontrou o destino aonde o caminho
que escolheu sempre a levaria. Transformou-se na pessoa que tanto ela como
nós achávamos que ela estava a perseguir. E as coisas apenas vão piorar.
Mesmo depois de passarmos os últimos três dias a afundarmo-nos na espiral de
dor e sofrimento que é a obsessão destrutiva de Ellie, o facto de sermos
obrigados a jogar como a assassina de Joel é muito mais desconfortável que
qualquer outra coisa que tenhamos feito até este momento.
E é então que nos deparamos com uma realidade que nunca tínhamos
considerado: Joel matou o pai de Abby. Lembram-se do médico que ia operar
Ellie na esperança de criar uma cura? Era o seu pai. Voltamos ao presente
(quase) para revivermos a morte de Joel, desta vez pela perspetiva de Abby.
E enquanto o resto do grupo debate sobre o que fazer com Ellie e Tommy, a
câmara foca-se em Abby. Que emoção será aquela na sua cara? É difícil dizer
com certeza, mas o que é certo, é que não é o que ela esperava sentir. E
isto faz-nos pensar imediatamente em Ellie, que partiu em busca de
exatamente a mesma coisa que Abby. Esta história não acabará com Ellie
satisfeita.
Encontramos em Abby uma personagem mais adulta que Ellie. Uma personagem
que, ao contrário de Ellie, já teve a vingança que procurava. E o quê que
isso lhe trouxe? Mais dor, mais sofrimento, um sentimento de culpa que a
leva a fazer coisas que nunca antes faria.
A Naughty Dog sabia que estava a correr um enorme risco quando tomou a
decisão de nos fazer jogar como Abby. Aliás, pelo que percebi, este foi o
momento em que muita gente desistiu do jogo. Mas este é o momento em que The
Last of Us Parte II precisa que o jogador confie nele mais que nunca. A
Naughty Dog precisa que o jogador odeie Abby para que a segunda metade do
jogo funcione. E funciona.
Se a primeira metade do jogo nos mostrou Ellie, a personagem que já nos era
querida há quase 10 anos, a ser consumida por uma obsessão que a destruiu,
ficando, efetivamente, submergida sob o peso de toda a dor e sofrimento que
causou, o tempo que vamos passar com Abby vai obrigar-nos a lutar para
regressarmos à superfície.
Rebobinamos o relógio de volta ao primeiro dia em Seattle, e a acordamos na
base dos WLF, o grupo de Abby, que perseguimos durante os últimos 3 dias.
Vemos pessoas a conversar, a comer, no ginásio… até há um jardim de
infância! Para nossa surpresa, todas estas pessoas são completamente
normais. Mas claro que são. Tal como em Jackson, estas pessoas têm amizades,
cumplicidade e relações amorosas; estas pessoas são estranhamente humanas. É
uma realidade que custa aceitar, mas que sempre soubemos ser verdade. Porque
este é um dos maiores desafios de ser humano: aceitar a humanidade daqueles
que estão do outro lado.
O que pode ser interpretado como uma cena sexual inusitada e desnecessária,
incómoda até, no final do primeiro dia, é, na verdade, uma demonstração de
fraqueza; a primeira, por parte de Abby. Quanto de si terá ela sacrificado
em busca de vingança? Terá valido a pena? Abby vive atormentada pelo que fez
e nada torna isto mais óbvio do que a decisão de salvar Lev e Yara, dois
Serafitas que, no passado, teria matado sem pensar duas vezes.
Até agora, vimos quase exclusivamente um lado inquebrável de Abby, mas o
segundo e terceiro dias vão colocar todas as suposições que fizemos sobre
ela em questão. Em nenhum momento sentimos mais a vulnerabilidade de Abby do
que quando temos de cruzar a ponte aérea com Lev. Tudo é perfeito nesta
sequência. A música, o ranger da madeira sob os pés nervosos de Abby, o som
intimidante do vento e o absoluto terror da nossa personagem fazem crer que
somos nós naquela ponte. E tal como Abby consegue conquistar o seu maior
medo e alcançar o que ela pensava ser inalcançável, também nós percebemos
que The Last of Us Parte II conseguiu fazer algo que, ainda há umas horas,
nós achávamos impossível. Conseguiu fazer com que nos importássemos com
Abby. E no momento em que Abby escorrega e cai, sobrevivendo
miraculosamente, é difícil negar que estamos a torcer para que Abby se
redima.
E é então que The Last of Us Parte II se transforma em The Last of Us Parte
I, uma história improvável de redenção e de proteção da próxima geração, uma
história não de vingança, mas de esperança. Os flashbacks e
sonhos de Abby são o meio através do qual a Naughty Dog ilustra não só esta
redenção, como também o processamento do seu luto, que Abby finalmente se
sente preparada para fazer.
Começamos com um flashback do
dia em que Abby encontrou o pai morto, o dia em que Joel decidiu retirar
Ellie do hospital. Mais tarde, num sonho, Abby encontra Yara e Lev
enforcados no mesmo sítio onde encontrou o corpo do seu pai, simbolizando a
afinidade familiar que Abby desenvolveu com os dois Serafitas e a
responsabilidade que sente sobre a sua segurança. Por fim, o terceiro dia
começa com um sonho de Abby em que ela se encontra, mais uma vez, na sala de
operações onde o seu pai morreu, mas, desta vez, ele está vivo e a sorrir.
Isto mostra que Abby conseguiu finalmente encontrar a redenção que
procurava, e assim fazer pazes com a morte do seu pai. Abby salvou Lev e
Yara e, sem saber, salvou-se a si própria. Finalmente, vai ficar tudo bem.
O tempo que nos resta em Seattle é mais duro que nunca. Desde o agora infame
"RatKing" até à fuga da ilha dos Serafitas, este é um tempo de sacrifício.
Abby, Yara e Lev são forçados a lutar contra as pessoas a quem, no passado,
chamaram de companheiro, amigo, talvez família, em prol de salvar e proteger
a sua nova família. A fuga da ilha, em especial, é um momento árduo e
doloroso, mas Abby e Lev conseguem escapar com vida, em direção a um futuro
esperançoso. Até que somos confrontados com aquilo que fizemos há 10 horas.
Ao ver os corpos de Owen e Mel, Abby é mais uma vez consumida pela escuridão
que a fez, no passado, percorrer meio país em busca do homem que matou o seu
pai. Este é o preço de ser uma mulher bondosa num mundo cruel.
Pedir ao jogador que mate a personagem principal pode parecer contranatura,
mas funciona perfeitamente e o resultado é um conflito que ninguém quer ver
desenrolar-se. Agora que sabemos toda verdade e conhecemos ambas as
personagens suficientemente bem para nos preocuparmos com elas, este
confronto é totalmente excruciante. É preciso a voz confortante de Lev para
impedir que Abby acrescente os nomes de Dina e, provavelmente, Ellie à lista
de vítimas deste confronto, que já inclui Jesse e Tommy, o último menos
grave.
O último terço do jogo é, como seria de esperar de um jogo como The Last of
Us Parte II, a parte mais cansativa e penosa da nossa caminhada. Tendo
passado tanto tempo com Abby, a vontade de vingança que nos motivou da
primeira vez que jogamos com Ellie já não existe, o que torna difícil
apoiarmos a nossa protagonista quando ela deixa a sua família e parte à
procura de Abby.
O clima quente e árido de Santa Barbara demarcam este ambiente de todos os
outros que cruzamos. Este é o inferno de The Last of Us Parte II,
simbolizando o facto de que Ellie sucumbiu totalmente à sua obsessão. Para
muitos jogadores, esta será a porção mais violenta do jogo. Enquanto que as
secções anteriores encorajaram o uso de táticas furtivas, somos agora
incentivados a usar metralhadoras, flechas explosivas, minas e até infetados
contra os nossos inimigos, tudo em nome de um último confronto.
Ao chegarmos à praia, encontramos Abby e Lev. Ellie exige uma luta, mas nada
interessa a Abby que não seja garantir a segurança de Lev. É por ele - não
por si, nem por Ellie - que Abby aceita lutar. Se o confronto no teatro foi
difícil de assistir, este é impossível. Isto era tudo o que queríamos desde
o momento em que vimos Joel deitado naquela cave, ensanguentado e indefeso,
a respirar pela última vez. Mas agora é algo terrível, patético até. Nós não
queremos ver isto, apenas queremos que acabe. Mas a luta continua. E à
medida que ela continua, um desfecho torna-se cada vez mais previível: Ellie
vai matar Abby. E então... o Joel salva-a.
Não Abby, mas Ellie. A memória do homem bondoso e paciente que já tantas
vezes a salvou, compele Ellie a deixar Abby ir. Parece ser o desperdiçar de
uma oportunidade; estando tão perto de conseguir aquilo que quer, porquê
parar? Porquê, depois de tantas vidas sacrificadas, amizades perdidas e
amores destruídos, parar? Por amor. Talvez não amor por Abby, mas por Joel,
cuja lição Ellie finalmente compreende. Depois de passar tantos anos confusa
e enraivecida pela decisão de Joel no final do último jogo, Ellie finalmente
entende o amor e a empatia que o levaram a agir assim. Ellie não conhece
Abby como nós conhecemos, mas a simples decisão de a poupar, é uma escolha
de amor, em vez de vingança. É a compreensão de que Abby não é assim tão
diferente dela, ou até de Joel.
Estamos de volta à casa de Ellie e Dina, mas esta encontra-se muito mais
delapidada do que da última vez que cá estivemos: a casa está vazia, a tinta
gasta, a árvore sem vida... Dina e o bebé mudaram-se. Andamos pela casa até
encontramos um quarto que parece ter alguns velhos pertences de Ellie:
quadros, discos e, essencialmente, a velha guitarra de Joel. Ellie tenta
tocar a música que Joel tocou para ela há já tantos anos, quando tudo era
mais fácil. Mas não consegue. Os dois dedos que perdeu na luta com Abby são
agora uma lembrança permanente daquilo que a sua vingança que lhe custou,
mas também um exemplo da distância que agora existe não só entre ela e Joel,
mas também entre ela e a pessoa que era antes de tudo isto. "If I ever were to lose you, I'd surely lose myself". Ellie perdeu Joel. E agora perdeu-se a si própria.
E assim, chegamos ao fim. Não é uma coincidência que o jogo termine da mesma
forma que começou. O foco na guitarra de Joel, a maior dádiva de Joel a
Ellie, no início do jogo, serviu para nos mostrar que Joel finalmente
aceitou a realidade do que fez. Agora, 25 horas depois desse momento, a
mesma imagem diz-nos que Ellie finalmente aceitou a morte de Joel e fez as
pazes com a sua nova realidade. Infelizmente, serve também para nos
relembrar da tragédia de The Last of Us Parte II. Ellie ia finalmente tentar
perdoar Joel e reconstruir a sua relação, uma decisão que tomou na noite
anterior àquela fatídica patrulha. Agora, está sozinha. Sem Joel, sem Dina,
sem guitarra… Aquele que era o seu maior medo quando tinha 14 anos e
conheceu um pequeno rapaz chamado Sam, tornou-se agora realidade.
A música de Gustavo Santaollalla que toca sobre os últimos momentos do jogo
é, apropriadamente, intitulada "Beyond Desolation", ou "Para lá de
Desolação". Se algo descreve a sensação de terminar The Last of Us Parte II,
são estas palavras.
The Last of Us Parte II não é para qualquer um, aceito isso. As escolhas
temáticas são arriscadas e, naturalmente, nunca seriam do agrado de todos.
Mas, independentemente disso, é difícil argumentar que as escolhas da
Naughty Dog e, em específico, Neil Druckmann, não conseguem alcançar o seu
objetivo com sucesso. Prova deste sucesso é o quão excruciante o último
confronto entre Ellie e Abby é. A missão de humanizar Abby e de fazer o
jogador simpatizar com ela era quase impossível, mas, a grande maioria dos
jogadores que completou o jogo diria que esta missão foi cumprida.
Surpreendentemente (ou não), há muito mais que gostaria de dizer sobre este
jogo, mas prefiro parar por aqui enquanto nem todos os leitores se cansaram.
Um obrigado a todos aqueles que leram este desabafo sobre aquele que é, e
sempre será, um dos meus jogos favoritos de sempre.