Persona 3 Reload


Partilho uma curiosa história que tenho com a série Shin Megami Tensei: quase que não lhe tocava! Estava eu em finais dos anos 2000 a explorar RPGs na PlayStation 2, quando me deparo com “Shin Megami Tensei: Digital Devil Saga”, jogo com um nome familiar que, ao adorar a arte da capa e o preço bem apetecível, comprei de imediato e no mesmo dia mergulhava numa nova aventura. No entanto ao fim de 7, 8 horas não estava a gostar tanto como queria, preferia ir jogar outras coisas e pensava “bem, não gosto da série”. Isto ia ser um erro gravíssimo! Talvez por teimosia, até porque queria mesmo gostar da série, dei uma segunda oportunidade à série com Persona 3 FES, outro spin-off. Foi ele que me agarrou por completo, que fez nascer em mim o fã de Shin Megami Tensei e joguei Nocturne mal tive oportunidade (jogo bem difícil de encontrar). Não fossem estes dois jogos possivelmente não seria fã da série, ou tinha demorado bem mais tempo a tornar-me um, até porque desde 2014 que não faltaram oportunidades.


Lançado em 2006 para a PlayStation 2, Persona 3 deu um salto considerável na série, que ao estar pela primeira vez disponível em todo o mundo resultou num significativo aumento de popularidade, até mesmo para série principal. Surgem imensos novos fãs, número que foi aumentando a cada novo jogo e que aguardam agora pelo sexto capítulo, algo que desconhecemos, pois a Atlus e a SEGA parecem estar ocupados a espremer Persona 5 ao máximo (até porque ainda não saiu um jogo de luta com Joker e companhia). Mas aproveitando a popularidade atual da série surge Persona 3 Reload, com uma cara lavada, muita coisa inspirada pelo quinto capítulo, que vai além do estilo artístico. Temos mecânicas que foram refinadas e outras totalmente novas, resultando num jogo mais acessível, mas não necessariamente mais fácil.

Passado na cidade fictícia de Tatsumi Port Island, uma pequena metrópole onde coisas bizarras tendem a acontecer, vivemos o quotidiano de um grupo de jovens com vida dupla, desconhecida do público geral. O sentimento que tive ao jogar pela primeira vez o jogo mantém-se: todo ele vive de mitos urbanos que enriquecem a história, que vamos descobrindo o porquê deles existirem. Embora o mundo esteja alheio a muito do que acontece, toda a cidade está a ser alvo do Apathy Syndrome, uma bizarra condição com efeitos a nível físico, mas principalmente psicológico, deixando as vítimas num crítico estado de apatia ou inércia, incapazes de reagir a tudo. Os números aumentam a cada dia, por muito que se investigue não há respostas para a origem dos sintomas e muito menos uma solução ou cura.


Agora… e se vos dissesse que existe uma hora extra todos os dias? Uma hora escondida não damos por ela, onde o mundo pára instantaneamente e resume ao normal assim que termina como se nada fosse, em que ninguém dá por ela? Bem… quase ninguém. Esta é a premissa de Persona 3 Reload, onde o grupo de jovens heróis que seguimos têm o extraordinário poder de explorar este macabro acontecimento, conhecido como a Dark Hour, com a missão de lidar com todos os perigos que dela advêm enquanto seguem o seu dia a dia escolar normalmente. Munidos com o poder de invocar Personas, através de um utensílio que se assemelha a um revólver, enfrentam os principais habitantes da Dark Hour, “Shadows”, cuja origem em si é um mistério ligado aos restantes eventos do jogo. Se conheceram a série por causa de Persona 5 vão reparar que estes monstros são bem diferentes dos demónios contra quem lutamos em Tóquio. Estes são um conceito que esteve mais assente no terceiro e quarto capítulos da série.

As personagens estão, assim, responsáveis por enfrentar esta Dark Hour enquanto a procuram eliminar por completo. Como membros da S.E.E.S, a Specialized Extracurricular Execution Squad que convenientemente estão todos no mesmo dormitório, cabe-nos a nós como protagonista assumir o papel de lider (eu sei, chocante), com uma equipa que vai crescendo a cada mês que passa no jogo. Uma passagem do tempo fundamental para a nossa exploração da principal e única masmorra do jogo, a Tartarus que, para o bem e para o mal manteve o conceito do jogo original com algumas mudanças. A passagem do tempo é implacável no jogo, temos de gerir toda a nossa vida e cumprir com certos objetivos até à data limite. Caso a coisa corra mal temos a opção de voltar atrás uns dias para corrigir os erros, como concluir Tartarus até um certo andar daquela parte da história.


Este é um RPG por turnos, sem random battles, onde a estratégia é chave para que os combates corram o melhor possível, naquele que é um dos meus sistemas favoritos dentro do género. Aqui temos de atingir os pontos fracos dos inimigos, que ficam imobilizados quando acertamos com a magia ou ataque certos que, quando o fazemos, temos direito a um turno extra para fazer o mesmo noutro inimigo. Estão todos os inimigos no chão? Perfeito! Podemos então fazer um All-Out Attack onde a equipa ataca em simultâneo, com resultados devastadores para os nossos inimigos. Se pensam que é assim tão fácil, bem, os inimigos também podem atingir os pontos fracos das nossas personagens, deixando-as imobilizadas e, acreditem, isto acontece recorrentemente. Pelo meio temos ainda habilidades e magias que sobem ou descem propriedades das personagens inimigos, coisas que podemos até mesmo usar contra bosses, o que por si não é muito habitual em jogos do género.

Não quero assustar nem afastar ninguém que tenha interesse em experimentar Persona 3 Reload, até porque o jogo conta com diferentes níveis de dificuldade para todos os gostos, desde o mais fácil para quem quer simplesmente ver a história, a um mais difícil para quem procura o derradeiro desafio. Temos ainda certas mecânicas que tornam o combate mais acessível, como atacar um Shadow antes de iniciar o combate de modo a ter iniciativa, o que juntamente com os avisos visíveis das fraquezas nos inimigos, muito habitualmente dava por mim a matar tudo sem dar a oportunidade dos Shadows terem os seus turnos. Algo que me dava bastante orgulho, até porque tendo jogando em Hard foram várias a vezes em que tinha a equipa com a vida no máximo e, passado uns turnos estava com metade da equipa praticamente morta. Foi o desafio que quis para mim, até porque já havia jogado as diferentes versões de Persona 3 algumas vezes, com algumas novidades mais que bem-vindas como o sistema de Theurgy, uma habilidade ou ataque especial de cada personagem, que conseguimos fazer assim que a respetiva barra esteja cheia, ao fim de alguns turnos. Habilidade esta que grita estilo, tal como em todos os menus e interfaces do jogo, muito à semelhança do que Persona 5 trouxe consigo.


Enquanto que o combate me viciava completamente, o mesmo já não consigo dizer de Tartarus, mesmo que já a conheça de cor. À semelhança do original esta é uma masmorra com centenas de andares que se repetem do início ao fim do jogo, um conjunto de labirintos que nos transportam para outros tempos onde o que mais tínhamos eram RPGs do género Dungeon Crawler, onde exploramos uma ou mais masmorras repetitivas. Tartarus está recheada de surpresas, ainda assim, cheia de tesouros para encontrar, inimigos especiais com recompensas incríveis, mini masmorras especiais e, à semelhança do jogo original, o aspeto dos andares vai mudando à medida que progredimos, mesmo que não resolva o facto que é “sempre a mesma coisa”. É certo que não tem a variedade das masmorras que vimos depois em Persona 4 e 5, que tem um impacto muito menor em comparação, onde ir para Tartarus é mais uma obrigação do que vontade, mas alterar isto seria mudar por completo o jogo e a história de Persona 3 Reload.

Ainda assim repeti a dungeon vezes sem conta, agora mais tranquilamente devido a algumas novidades como correr ainda mais rápido e sem a mecânica de fadiga que tínhamos no original. Mesmo a exploração livre, em que o grupo se separava para cobrir um andar mais rápido desaparece, tendo agora momentos aleatórios em que uma das personagens decide explorar grande parte do nível a seguir ao atual. Explorei constantemente Tartarus nem que fosse para subir de nível num grind que não é obrigatório, à procura de itens para vender de modo a ter dinheiro e, principalmente, para apanhar muitas, mas muitas Persona. Outros dos aspetos que adoro na série e em Shin Megami Tensei como um todo é o sistema de fusão, onde as Personas que vamos adquirindo como recompensa dos combates podem ser fundidas para criar outras, mais poderosas. É um sistema viciante! Mesmo já tendo terminado o jogo sei que não o vou largar até ter a lista de Personas a 100% e, acreditem, há algumas bastante desafiantes de conseguir. Todo este sistema de fusões vive de outra mecânica que torna a série conhecida, os Social Links, relações que vamos criando com várias personagens com quem nos cruzamos, com histórias que as expandem elas mesmas, o nosso protagonista e a região como um todo.


A minha vida como aluno do secundário e a sua vida oculta a enfrentar uma demoníaca torre, juntamente com os bizarros monstros que lá habitam, contou ainda com os laços de amizades que fui criando na escola e não só. Até porque, segundo a internet, o verdadeiro tesouro são os amigos que fizemos pelo caminho… ou assim dizem. É uma frase que aplico totalmente nesta série, até porque estes laços de amizade resultam no belo aumento das Social Links que, quanto melhores forem estas ligações, mais forte será o resultado das fusões entre Personas. Cada Social Link está associada a um Arcano Maior do Tarot (como o Mago, a Torre, a Imperatriz, a Morte, etc.), que correspondem também aos diferentes tipos de Persona como se fossem naturezas. Para ocupar ainda mais o tempo temos ainda missões secundárias, dadas pela misteriosa habitante da Velvet Room, assistente do ainda mais bizarro Igor. São várias as missões que vamos fazendo sem dar por ela, enquanto que outras nos exigem ir buscar itens até um determinado dia, que agora é muito menos penoso quando comparando com o jogo original.

Visualmente Reload dá um salto enorme quando comparado com o jogo original, trazendo agora o belíssimo estilo artístico de Persona 5, ainda mais notório nas belas sequências de animação! Também ao fim de anos a jogar Persona 3 Portable, até porque saiu ano passado para as consolas atuais e PC que foi a desculpa perfeita que arranjei para jogar novamente o título, sabe muito, muito bem poder voltar a explorar grande parte da Tatsumi Port Island totalmente em 3D, por muito que o jogo continue a ser de muita navegação em menus, com um prático teletransporte instantâneo entre zonas. Sem quaisquer problemas de performance na PlayStation 5, o jogo corre lindamente, que sinceramente não esperava outra coisa. Até porque, tecnicamente, o jogo tem com cenários mais simples do que os que tivemos em Persona 5, com personagens com menos detalhe em comparação com as principais (e não estou a falar daquelas que nem têm cara, até porque adoro esse conceito), ou até mesmo personagens que estão completamente estáticas nos cenários e as podemos atravessar, como uma discoteca que parece ter ficado parada no tempo. Ainda assim adoro os visuais do jogo, estranho a sua ausência na Nintendo Switch até porque este é menos detalhado do que Persona 5 Royal, mas o tempo dirá se não teremos uma versão nas consolas da Nintendo.


Outro aspeto onde o jogo brilha é na sua excelente banda sonora, que deu uns toques às versões originais das músicas com algumas coisas que me demorei a habituar, sem nunca perder a qualidade das músicas que conheço de cor. O destaque vai, no entanto, para as novas músicas feitas para Reload, todas elas fantásticas e que me encontro a ouvir em loop até as enjoar, como é o caso de “It’s Going Down Now”, o novo tema de combate que surge quando apanhamos inimigos desprevenidos, em que ficava desconsolado quando não o tinha conseguido fazer nem tanto pela vantagem em combate, mas sim pela música. À semelhança dos lançamentos recentes de Persona podemos também optar entre ouvir as vozes em inglês como em japonês e, bem, as vozes inglesas estão bastante boas, só que faltam um certo… aprimoramento, quando comparadas com as originais. Joguei-o em japonês e recomendo vivamente, embora por vezes se tenham esquecido de legendar certos momentos do jogo. Por falar em línguas o jogo está totalmente disponível em Português do Brasil, num muito bom trabalho de localização que peca só por ter de ser necessário alterar a linguagem do sistema para poder mudar a língua do jogo, algo que devia estar nas opções in-game.

Sei que posso estar a tender para uma espécie de glorificação de Persona 3, afinal é um dos meus jogos favoritos e, embora considere Persona 5 melhor em imensos aspetos, este tem um canto especial no meu coração pelos motivos que contei no início desta análise. O que, talvez, faça com que olhe para Reload com um certo… desconsolo. Apesar de ser um remake que melhora em tudo o jogo original, há imensa coisa que falta e que me deixou insatisfeito. Por muito que se fale num possível lançamento por DLC mais tarde, todo o conteúdo de Persona 3 FES, versão melhorada do jogo original com um novo capítulo adicional, algo que não está presente em Reload, deixando-me com a sensação que a história está incompleta. Este relançamento também não é a versão definitiva do jogo por faltar a história da protagonista feminina criada para Persona 3 Portable, adorada pelos fãs e coloquialmente conhecida como “FeMC”, o que sem dúvida me fazia jogar o jogo novamente de seguida, até porque mudam muitos aspetos como Social Links aplicadas a outras personagens e, até mesmo, alterações importantes na história.


Há outros ajustes menores como o protagonista apenas poder usar espadas e não qualquer arma como no jogo original. A escola perde vários dos seus diferentes clubes como as aulas de kendo e natação, focando-se apenas no clube de corrida, tal como os clubes de cultura perdem música e fotografia, dando apenas destaque ao de arte. É certo que ambos os trios de clubes partilhavam as mesmas personagens, com uma história que pouco mudava independentemente da escolha, mas é uma alteração curiosa. Nenhum destes pontos arruína o jogo, por muito que nos retire muita da liberdade de escolha, até ajuda a aliviar muito a pressão de escolhas de coisas para fazer (que não são poucas), mas são alterações que senti alguma falta, conhecendo bem o jogo original. Terminando a lista de coisas que me “chatearam” neste remake são alguns itens especiais apenas disponíveis como conteúdos adicionais pagos, deixa algo a desejar pois este é, mesmo que "incompleto", a versão a jogar de Persona 3. Ainda que existam várias novidades como atividades sociais com os restantes membros da S.E.E.S, ou coisas que surgiram em Persona 3 FES e Portable.

Com imensas atividades extracurriculares pela frente, além da exploração de Tartarus e de melhorar o charme, coragem e conhecimento académico do nosso protagonista, não falta mesmo o que fazer neste jogo! No meio disto tudo podemos sentir que temos demasiadas coisas para fazer no pouco tempo livre disponível, embora nenhuma das atividades influenciam a conclusão da história do jogo, nem temos de fazer tudo a 100% à primeira. Recomendo vivamente que tenham uma abordagem tranquila com Persona 3 Reload, não pensem em esquemas do que é melhor fazer primeiro e em que dias, não se sintam bloqueados por ter 4 ou mais personagens a quererem estar convosco, ao mesmo tempo. Desfrutem do jogo, façam o que vos bem apetecer e, se porventura quiserem concluir tudo a 100%, nada que o New Game + onde recomeçamos o jogo já com muita coisa do jogo anterior não consiga resolver.


Passadas quase duas décadas soube-me especialmente bem regressar ao mundo de Persona 3 com Reload, voltar ao meu enredo de personagens favoritos da série e ao jogo que me fez amar Shin Megami Tensei. Sinceramente, é o jogo que recomendo se quiserem explorar o universo de Persona pela primeira vez, por ser mais acessível e simples quando comparado, por exemplo, com Persona 5 Royal. É uma aventura cheia de surpresas, emoções fortes e que de certa forma nos faz viajar ao passado, nem que seja pela tecnologia que o jogo exibe, muito antes dos smartphones e as televisões finas de grandes dimensões!

Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 5, gentilmente cedido pela Ecoplay.

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