Marvel's Spider-Man 2
Quando me sentei, inicialmente, para começar a escrever este texto, não sabia como começar. Com 30 horas de Spider-Man 2 jogadas, tinha tanto para dizer sobre um jogo pelo qual esperei com tanta antecipação, mas, por alguma razão, provou ser desafiante passar esses pensamentos para a página. Tornou-se mais simples quando cedi à tentação de começar por falar do que veio antes, há 5 anos para ser mais exato, porque percebi que é isso que se faz quando nos sentamos para falar de uma sequela: sentimo-nos compelidos a falar daquilo que fez do seu antecessor tão especial; no fundo, queremos falar da razão pela qual esta sequela significa tanto.
Em 2018, Spider-Man foi uma lufada de ar fresco. Sabíamos que não era impossível fazer um jogo baseado em heróis da banda desenhada e obter um resultado competente ou algo excecional até: a Rocksteady já nos tinha mostrado isso com o seu trabalho na trilogia Arkham. Infelizmente, o cabeça de teia já não recebia esse tratamento há bastante tempo. O trabalho da Insomniac Games trouxe-nos um jogo que não só contava uma das melhores histórias alguma vez escritas com aquele que é, talvez, o super-herói mais icónico de sempre, mas que contava com um gameplay soberbo, dando vida a uma Nova Iorque pela qual podíamos balançar livremente, tal como vimos em tantos filmes e vinhetas.
Spider-Man 2 faz tudo aquilo que Spider-Man (2018) e Spider-Man: Miles Morales fizeram bem, mas fá-lo maior e melhor. Isso é óbvio desde o primeiro instante: o jogo abre com uma sequência maior e mais impressionante que qualquer coisa que tenhamos visto nos seus predecessores, preparando-nos para a aventura em que estamos prestes a embarcar. A introdução de novas mecânicas, como as asas de teias, a expansão considerável do mapa à nossa disposição e, claro, o facto de jogarmos com dois Homens-Aranha, entre os quais podemos alterar a qualquer momento, são provas da ambição da Insomniac Games.
Mas não é apenas no gameplay que essa ambição é clara. A história de Spider-Man 2 é uma montanha-russa de emoções e nada me podia preparar para o que senti em alguns momentos deste jogo. Mas uma coisa de cada vez. Comecemos pelos nossos heróis, que encontramos em pontos da vida (tanto pessoal como profissional e até heróica) razoavelmente diferentes. Por um lado, Peter encontra-se na segunda metade dos seus anos 20, ainda com dificuldade em balançar a necessidade de manter um emprego estável e uma relação com MJ, com a responsabilidade que sente para com a cidade de Nova Iorque e o papel de seu protetor que desempenha. Como se isso não fosse suficiente, o regresso do seu melhor amigo Harry Osborne deixa-o bastante feliz, mas acaba por trazer mais perguntas do que respostas.
Enquanto isso, Miles, prestes a terminar o ensino secundário, ainda está a tentar descobrir quem é e o que o define: será o enorme legado do seu pai, que morreu a proteger a cidade e que Miles sente ser incapaz de igualar, ou talvez o exemplo da sua mãe, que lhe mostra a importância de ajudar os mais necessitados? Todas estas dúvidas são-nos apresentadas através da dificuldade de Miles em escrever um ensaio de apresentação requisitado para a candidatura ao ensino superior, um tema que nos acompanha desde os diálogos iniciais do jogo, até aos créditos finais. Se tivesse de tecer uma crítica à narrativa de Spider-Man 2, seria o facto de, na minha opinião, este conflito interno de Miles merecer mais atenção do que aquela que lhe é dada, muitas vezes em prol de um foco maior em Peter, que continua a receber mais atenção do que o seu parceiro.
Estes são os pontos de partida para os nossos protagonistas e, a partir desta premissa, a talentosa equipa por detrás do jogo é capaz de criar uma história emocional, surpreendente e impactante, muito ajudada por um excelente trabalho de representação por parte de todo o elenco, com um destaque merecido para Yuri Lowenthal (Peter Parker), capaz de representar a dualidade de caráter de Peter necessária para fazer valer os momentos mais angustiantes desta viagem, mas também, para grande satisfação de todos, a atitude mais áspera, rude e crua do mesmo quando passa a vestir preto.
Uma outra palavra de destaque tem de ir também para Jim Pirri (Kraven), que seria negligente da minha parte não mencionar, também é o ator por detrás de Angelo Bronte, um dos vilões de Red Dead Redemption 2. Pirri dá agora vida a um vilão que, ao contrário daquilo a que Octo Octavius nos habituou em 2018, não é uma personagem trágica ou, necessariamente, redimível. Kraven é simplesmente um grande caçador (nas suas palavras) à procura de uma última presa que se mostre à sua altura, agora num meio totalmente novo para si, mas onde nunca parece um peixe fora de água. Kraven é, honestamente, o vilão mais sinistro que vimos até agora e tem uma presença absolutamente intimidante.
E o que dizer sobre o Venom de Tony Todd? A verdade é que prefiro não dizer muito, por receio de estragar as surpresas que a Insomniac tem preparadas para todos aqueles que embarcarão nesta aventura dia 20 de outubro, mas o que posso dizer é que todos os diferentes elementos desta história são extremamente bem interligados com a narrativa geral, seja a sua fusão com Peter, que resulta no famoso fato preto, seja a aparição do aterrorizante Venom. Sobre este, recuso-me a dizer mais e aconselho-vos apenas a experienciarem esta história o mais cedo possível.
Claro que esta história não se resume apenas a um par de heróis e um par de vilões. O elenco adicional contribui, de uma forma que não deve ser minimizada, para a criação de uma narrativa cativante, que nos deixa a salivar pela próxima revelação, seja pela sua presença na história principal, seja pelo excelente trabalho de world-building levado a cabo nas missões secundárias, que contam com figuras que não estariam fora de lugar como vilões principais numa outra aventura dos aranhiços. Se há alguma personagem que merece uma menção particular é a parceira de Peter, MJ, que continua a ter um papel mais proeminente na história do que muitos jogadores gostariam, contando o jogo com cerca de 2 ou 3 sequências de gameplay da mesma, tornadas agora mais toleráveis com a presença de uma arma não letal equipada por MJ que permite incapacitar inimigos à queima-roupa, bem como atordoá-los à distância e, mais tarde, disparar teias. Tudo isto não invalida o facto de que a furtividade não é o forte da Insomniac (exceto quando podemos trepar paredes e colar inimigos ao teto), mas imagino que ajude a que estas missões não pareçam um inconveniente tão grande para aqueles que tanto se queixaram em 2018.
Como exclusivo da PS5 existe, naturalmente, uma expectativa de que Insomniac Games fizesse um uso das funcionalidades desta consola que justificasse a decisão de não lançar o jogo para a geração anterior. Na minha opinião, essa decisão justifica-se e o aproveitamento destas capacidades nota-se, especialmente, em dois aspetos: a velocidade do SSD e os gatilhos adaptáveis. A primeira é essencial, obviamente, para a troca instantânea entre Peter Parker e Miles Morales, bem como a possibilidade de, após concluir uma determinada quantidade de atividades num certo distrito, viajar rapidamente para qualquer ponto do mesmo num piscar de olhos. Quanto aos gatilhos, há uma série de ocasiões em que é pedido ao jogador que exerça diferentes medidas de força nos dois gatilhos, contribuindo estas para a imersão do gameplay.
No que toca à jogabilidade, Spider-Man 2 mantém-se fiel aos princípios que fizeram dos seus antecessores grandes sucessos, tanto na deslocação por Nova Iorque, como no combate que se mantém inovativo e divertido, sem nunca deixar de ser acessível. Existem novidades, claro, como as asas de teias, que proporcionam uma interessante e, por vezes, necessária alternativa a balançarmo-nos de teia em teia, sendo úteis para passar por zonas menos edificadas, como o rio ou o Central Park, mas também para fazer uso dos túneis de vento que concedem ímpeto e velocidade aos nossos voos. No combate, as bases são as mesmas, mas a introdução de um conjunto novo de gadgets e habilidades (para ambos os protagonistas) criam uma nova curva de aprendizagem que facilita a introdução de novos jogadores, ao mesmo tempo que apresentam um novo desafio àqueles que estão de volta 5 anos depois. Quando se fala de combate, seria impossível não mencionar o fato preto, que, como é visível nos trailers, traz consigo todo um conjunto de novas e violentas habilidades, que fazem do combate ainda mais satisfatório. Ao estilo do primeiro jogo, não há falta de boss fights interessantes, desafiantes e emocionantes, em que não só somos encorajados a explorar as fraquezas dos bosses, como, muitas vezes, vemos as nossas próprias fraquezas ser usadas para virar o rumo da luta contra nós.
Spider-Man 2 é uma das sequelas mais impressionantes dos últimos anos e consegue estabelecer-se como um dos melhores jogos de super-heróis de sempre, quer olhemos para a perspectiva geral ou para os mais pequenos detalhes, o meu preferido destes sendo a possibilidade de, quando respondemos a um pedido de ajuda ou a um crime em curso, encontrarmos o outro Homem-Aranha no local, proporcionando-se assim, de forma orgânica, uma situação em que lutamos em conjunto com ele. Podia também falar da excelente variedade de fatos, todos eles (re)criados com a maior fidelidade e/ou originalidade e atenção ao detalhe, e contando a grande maioria com quatro diferentes paletas de cor. Ao invés do primeiro jogo, porém, os diferentes fatos não trazem consigo habilidades ou vantagens próprias, tratando-se apenas de escolhas estéticas. Um outro aspeto positivo é o tamanho deste jogo. Nem todos os jogos precisam de ser um Baldur's Gate III, por muito bom que este seja, e, na minha opinião, o facto de ser possível completar não só a história principal, mas todas as atividades secundárias a 100% e conquistar uma platina que, na sua maioria, assenta na conclusão destas atividades, em cerca de 30 horas é uma mais-valia para uma indústria que deve procurar mais qualidade e estar menos focada na quantidade, especialmente num ano em que a quantidade de jogos que merecem o nosso tempo é mais elevada que nunca.
Em qualquer outro ano, Spider-Man 2 seria uma aposta segura para jogo do ano. (In)felizmente, 2023 não é "qualquer outro ano", pelo que terá de competir com Baldur's Gate III, Tears of the Kindgom, Final Fantasy XVI, entre outros. Ainda assim, isso não deve ofuscar o fantástico trabalho da equipa por detrás deste jogo, que, de alguma forma, conseguiu criar algo capaz de superar um dos melhores jogos de 2018, ano que contou também com jogos como God of War e Red Dead Redemption 2.
P.S. Tal como no primeiro jogo, não aproveitem os créditos finais para irem à casa de banho. Não vão querer perder aquilo que se passa para lá dos últimos momentos.
Nota: Análise efetuada com base em código final para PS5, gentilmente cedido pela SIEE