Assassin's Creed Mirage

Três anos depois de Valhalla chega-nos Assassin's Creed Mirage, a mais recente entrada na popular franquia da Ubisoft que já vê Assassinos a enfrentar Templários há mais de 15 anos, agora com uma promessa de trazer um jogo mais contido do que aqueles que tivemos recentemente, com uma mudança de foco para aquilo que fez dos títulos originais um sucesso.

Assassin's Creed Mirage não é um jogo onde se percam centenas de horas a explorar todos os cantos do mapa, ao estilo de Origins, Odyssey e Valhalla, mas, infelizmente, nem o regresso às mecânicas dos antigos Creeds, como o foco na furtividade e num sistema de parkour que permite uma deslocação rápida dentro da cidade. Nem a nostalgia por jogos como Black Flag, Unity ou Syndicate são suficientes para cimentar Mirage como uma das mais competentes entradas nesta franquia.

A minha viagem pelo mundo de Assassinos e Templários começou em 2013, quando fui apresentado a Assassin's Creed III: Liberation, na PSVita. Lembro-me de ficar maravilhado com o mundo criado pela Ubisoft e, mais do que isso, pela forma como era possível deslocar-me tão facilmente por ela e trepar qualquer edifício que visse. E claro, a lâmina oculta é, sem sombra de dúvida, a arma mais fixe em qualquer videojogo. Não me lembro de alguma vez estar mais ansioso pelo lançamento de um jogo do que no ano seguinte, quando não passava um dia sem rever uma, duas e três vezes o trailer cinemático de Unity, apresentado na E3 de 2014 (até hoje, na minha opinião, um dos melhores usos de música num trailer e um dos meus trailers favoritos de sempre, taco a taco com o trailer cinemático de Batman Arkham Origins).


Unity trouxe-nos aquele que é, até aos dias de hoje, um dos melhores cenários que já vi num Assassin's Creed, com liberdade ilimitada e o melhor parkour que já vi em qualquer videojogo. Depois disso, voltei atrás para jogar Black Flag e Assassin's Creed 2. E quando, um ano depois, foi lançado Assassin's Creed Syndicate eu comprei-o no dia em que saiu, incapaz de conter o entusiasmo. Desde aí fui-me distanciando daquela que era a minha franquia favorita, não me identificando tanto com a direção tomada com os títulos mais recentes. Quando Mirage foi publicitado com a promessa de que seria um regresso ao estilo dos antigos Creed, obviamente fiquei interessado e expectante por poder regressar a uma série que tinha passado tanto tempo sem jogar. E é por isso que este título suscita em mim pensamentos tão contrastantes.


Em Assassin's Creed Mirage conhecemos Basim, que vive em pobreza nos arredores de Bagdade e que ganha a vida como um ladrão de rua, aceitando frequentemente contratos com os Ocultos, nome dado aos Assassinos. Querendo mais da vida, Basim decide provar as suas capacidades aos Ocultos e acaba por se cruzar, de forma inesperada, com a Ordem dos Anciãos (Templários). Seguimos, a partir daí, a ascensão (estranhamente rápida) de Basim na hierarquia, desde um simples Iniciado, até se tornar um Mestre Assassino. Mirage conta com uma narrativa difícil de seguir, não por ser complexa ou envolta em mistério, mas por parecer sempre totalmente desconectada e, muitas vezes, sem qualquer propósito ou destino. Esta narrativa faz-se de várias missões com pouca ou nenhuma ligação, que acabam por seguir uma estrutura semelhante: um conjunto de missões de investigação, recolha de pistas e troca de ideias com os superiores de Basim e, finalmente, o assassinato de uma figura importante da Ordem dos Anciãos. Bem, pelo menos é isso que o jogo nos diz que elas são, já que, pela desconexão que senti entre cada ponto da história, tornou-se para mim complicado seguir o seu rumo e acompanhar as descobertas de Basim sobre cada uma destas figuras, acabando por não ter qualquer memória ou entendimento sobre quem a maioria delas era ou de que forma estavam ligadas a tudo o que tinha acontecido anteriormente.


Da mesma forma, as personagens principais parecem, sem exceção, totalmente vazias, desprovidas de qualquer personalidade, interesses ou conflitos. Jogadores mais benevolentes poderão argumentar que Basim apresenta algum tipo de conflito interior, representado pelos pesadelos e visões de um jinn, uma criatura mítica proveniente da religião praticada na Arábia pré-islâmica e, mais tarde, presente no islamismo, que assombra o sono e os assassinatos de Basim. Ainda assim, nada é feito ao longo da história quanto a este conflito interior; passamos cerca de 15-20 horas a ouvir Basim e os seus companheiros a falar sobre esta assombração e a reforçar a ideia de que é importante fazer algo em relação a isso, mas sem qualquer tipo de revelação quanto à natureza e origem deste jinn, até à última missão, onde tudo é revelado de uma forma extremamente confusa. Todo o build-up que, normalmente, seria feito ao longo da história, é completamente ignorado em favor de enfiar tudo isso nas últimas missões, o que faz com que cerca de 90% do jogo seja desprovido de qualquer tipo de direção e os últimos 10% tenham simplesmente demasiada informação e exposição para que alguma dela seja minimamente compreensível.


Em Assassin's Creed Mirage, nunca foi a história em si que me fez voltar a pegar no comando dia após dia, mas sim a nostalgia que sinto pelos velhos Creeds e, também, a cidade de Bagdade, que acaba por ser o maior sucesso deste título. Bagdade é consideravelmente mais pequena do que os mapas que exploramos nos títulos mais recentes, mas ainda assim é capaz de parecer vasta e densamente populada. Além disso é bela e transpira a cultura muçulmana, presente não só na sua arquitetura, nas suas ruas estreitas e mesquitas, mas também nos seus habitantes, nos seu trajes e no interior das suas casas. Onde quer que vamos, é provável encontrarmos música, rezas e mercados populados que nos transportam para esta cultura. Tudo isto é ajudado, claro, pelo foco redobrado da Ubisoft no sistema de parkour que permite a Basim saltar de telhado em telhado e tirar o maior proveito da extraordinária arquitetura presente nesta Bagdade do século IX. Ainda assim, não se pode dizer que este sistema seja perfeito, principalmente quando o comparamos com Unity, onde praticamente qualquer superfície podia ser escalável, incluindo a grande maioria das árvores, às quais Basim parece ser alérgico. Enquanto que Unity transmitia a sensação de que, independentemente do meu próximo movimento, eu podia contar com o jogo para me acompanhar, em Mirage é por vezes mais difícil fazer exatamente o que tenho em mente e é claro que não conta com um sistema de parkour tão polido como alguns dos seus antepassados. Ainda assim, este não deixa de ser o ponto mais positivo deste título e uma demonstração de que a Ubisoft teve, realmente, a intenção de fazer esta franquia regressar às suas origens.


Seguindo essa linha de pensamento, outro aspeto que me agradou foi a estrutura de cada missão que incentiva uma abordagem furtiva aos obstáculos que encontramos em cada fortaleza inimiga. Infelizmente, o custo de mecânicas furtivas aprimoradas, é um sistema de combate corpo-a-corpo que, enquanto aceitável, está longe daquilo que seria desejável e que, inclusive já vimos nesta franquia. A variedade de inimigos e a ausência de bosses deixam a desejar, fazendo com que o combate só se torne verdadeiramente desafiador quando estamos rodeados por 3 ou 4 inimigos, já que acabamos por ser atacados ao mesmo tempo de várias direções e é impossível esquivarmo-nos ou bloquearmos 2 ou 3 ataques simultâneos. Assim, o combate direto nunca é a melhor a opção e, felizmente, Basim conta com um conjunto de ferramentas, como facas e bombas de fumo, que nos ajudam a escapar a estas situações e a fugir pelos becos e telhados de Bagdade. Escapar dos guardas, porém, não resolve todos os nossos problemas, já que o jogo conta com um sistema de notoriedade que requer da nossa parte uma ação ativa (ao contrário de passiva, presente em jogos como, por exemplo, GTA V) se não quisermos ser atacados sempre que um guarda nos vê. Este sistema conta com 3 níveis de notoriedade, que correspondem à atitude que as autoridades terão de cada vez que virem Basim. A notoriedade é aumentada por cada ação criminosa que seja vista pelos cidadãos ou guardas de Bagdade e pode ser diminuída rasgando cartazes com a cara de Basim, ou subornando figuras da autoridade espalhadas pela cidade.


Tudo isto incentiva o jogador a adotar uma abordagem mais furtiva e, nesse aspeto, quase tudo funciona. As diferentes área restritas, repletas de guardas, que temos de infiltrar, contam com uma quantidade satisfatória de esconderijos e oportunidades para assassinar os guardas necessários para alcançarmos o nosso alvo. Infelizmente, este processo acaba por se tornar pouco imersivo, muito por culpa da IA dos NPCs inimigos, que deixa bastante a desejar.

Além disso, como mencionei no início, as missões que vamos completando na história principal não são suficientemente variadas e só não se tornaram mais aborrecidas porque eu realmente tenho um grande carinho por este gameplay mais furtivo, do qual sentia saudades. Ao contrário de jogos como Syndicate e Unity, o nível de liberdade na forma como podemos completar cada assassinato deixa a desejar. No máximo, cada missão conta com 2 entradas para qualquer que seja o palácio, jardim ou porto em que se encontre o nosso alvo e, a partir daí, estamos em controlo apenas da quantidade de guardas que assassinamos até chegarmos ao objetivo final, enquanto que em Syndicate ou, mais recentemente e para lá desta franquia, na série Hitman, testemunhamos o quão mais divertido é quando temos total liberdade para decidir o destino dos nossos alvos. As missões de preparação para os assassinatos também acabam por girar à volta de uma variedade limitada de formas de recolher pistas, como escutar conversas entre guardas, funcionários ou habitantes, ou infiltrarmo-nos em escritórios e casas para procurar pistas físicas. Igualmente, as missões secundárias são algo desapontantes, consistindo em cerca de 3 ou 4 "missões base", que variam apenas nos nomes e localizações.


Em termos de performance, o único problema digno de nota, foi um bug que, por vezes, me impedia de interagir com os diferentes comerciantes presentes por Bagdade ou até com certas personagens quando tentava iniciar uma missão.

Assassin's Creed Mirage é um regresso à fórmula por detrás dos títulos pelos quais me apaixonei há tanto tempo, mas há muito nele que não resulta, em particular a história e as personagens que nos acompanham ao longo de 15-20 horas. No entanto, apesar de isso ser um problema considerável, a bela e vibrante cidade de Bagdade que serve de cenário para esta aventura, é um dos maiores sucessos desta franquia e, acompanhada por um gameplay que se foca numa deslocação rápida e habilidosa pelos seus telhados e numa abordagem furtiva, ao estilo de um verdadeiro Oculto, marca um regresso às fortes raízes de uma franquia com mais de 15 anos. Mirage não é, de todo, perfeito, mas é o primeiro passo na direção certa e uma prova de que a Ubisoft merece uma oportunidade de trazer aos seus fãs o jogo pelo qual estes tanto esperam.





Nota: Análise efetuada com base numa cópia adquirida pelo autor do artigo para a PS5.

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