The Lion's Song
Há jogos e jogos. Uns que acendem
a discussão sobre se serão arte e outros que abraçam a arte. Algures no meio há
um ponto de intersecção entre estas duas perspectivas. Como escritor amador, senti que
foi fácil gostar deste The Lion’s Song que reforça o que costumo dizer quando
falo de escrita: criar dá valentes dores de cabeça. E é melhor parar aqui com o
pseudo intelectualismo ou ninguém lê mais a análise.
É um jogo curto – acabam em duas
ou três horas, mas com a hipótese de regressar a qualquer ponto da narrativa. É
bastante mimoso e é daqueles jogos que é melhor consumido em tempos outonais e
com um copo do vosso melhor vinho ou sumo de uva, se forem menores. Os quatro
capítulos decorrem em Viena, no início do século 20, onde a arte e as ciências
andam nas bocas e nos corações das pessoas. Infelizmente, para quem conhece
História, repara na sombra de algo maior a acontecer.
O Capítulo 1 apresenta-nos a
Wilma, uma jovem compositora e violinista talentosa, com um concerto para
breve. Não só tem de compor a melodia como também tem de ser a melhor. Já
sentem a pressão? Wilma acaba numa cabana, no meio do nada, para se isolar da
civilização. O ruído ou o silêncio, as memórias rodeiam-na e acabam por ajudar
– ou não. O pintor Franz toma conta do Capítulo
2. Esta personagem tem o talento incomum de ver e pintar as várias facetas das
pessoas, mas nós somos os nossos piores críticos. Franz não está satisfeito e
sente que lhe falta alguma coisa que não consegue ver.
O Capítulo 3 conta com a Emma
que, para além de ter uma mente criativa, é uma ás a Matemática. Infelizmente,
a sociedade não aceita que as mulheres possam fazer contas ou sonhar mais alto.
Eis que algo acontece... Por último, o Capítulo 4 que vem
atar tudo num lindo embrulho. Não irei revelar o nome da personagem nem porque
estão no comboio, mas tomem atenção ao início de cada capítulo.
Se houve um capítulo de que gostei
menos foi o terceiro porque a Matemática e eu não nos damos bem. Não foi pela
qualidade do enredo, personagens ou problemas levantados. O facto é que não
entendi muito do que as personagens discutiam a menos que trocassem por miúdos.
Às tantas faziam isso e eu acenava e lá aprendia alguma coisa. Cada capítulo
levantava problemas de então tão pertinentes nos dias hoje, a pressão profissional
ou artística; problemas psicológicos; questões sociais e de género; e política.
Até podem pensar oh não, mais um estúdio que acha que tem algo a dizer.
Desde que a identidade do jogo não seja essa propaganda, mas que nos faça
pensar para lá chegar, está tudo bem. Não revirei os olhos ao longo do jogo,
mas senti que a mensagem se abateu sobre mim como uma onda de verdade.
Os dois primeiros capítulos deixaram-me algo desamparado de tão familiares que eram, recuperei no terceiro e acabei o jogo com um sentimento agridoce. O assassínio do Arquiduque Franz Ferdinand pinta o cenário e acaba por despoletar a Primeira Grande Guerra e os problemas das nossas personagens tornaram-se algo secundários. Não testemunhamos a guerra per se, mas breves epílogos que variam consonante as nossas decisões no jogo. A aparição de personalidades como Freud ou Klimt deixarão um sorriso nos lábios a quem os reconhecer, portanto não é tudo tão mau.
Os dois primeiros capítulos deixaram-me algo desamparado de tão familiares que eram, recuperei no terceiro e acabei o jogo com um sentimento agridoce. O assassínio do Arquiduque Franz Ferdinand pinta o cenário e acaba por despoletar a Primeira Grande Guerra e os problemas das nossas personagens tornaram-se algo secundários. Não testemunhamos a guerra per se, mas breves epílogos que variam consonante as nossas decisões no jogo. A aparição de personalidades como Freud ou Klimt deixarão um sorriso nos lábios a quem os reconhecer, portanto não é tudo tão mau.
A nível técnico tenho uma pequena
grande pedra no sapato. Para um jogo point and click, o jogo tem zero point
and click na Nintendo Switch. O que raios estavam a pensar? Que desperdício
de ecrã táctil para se jogar em modo portátil. Vá que os analógicos e a
simplicidade dos botões não azedaram a experiência. Ao contrário de Thimbleweed
Park que tem um visual pixelizado e colorido, The Lion’s Song optou pelo tom
sépia que dá aquele ar de polaroid antiga, de boas memórias. A banda sonora – a
banda sonora! A MI’PU’MI GAMES, em colaboração
com a Dynamedion, tinha um grande desafio pela frente se iam começar o jogo com
uma compositora. Não bastou criarem um tema principal como criaram três temas
principais que surgem conforme as decisões tomadas no primeiro capítulo. As
restantes harmonias são tão envolventes que parece que estamos mesmo naquele
mundo. Há um foco nos sons do cenário, nos ruídos de fundo, na natureza e nos batimentos cardíacos que vêm servir como pistas auditivas para o avançar do
enredo.
Tenho medo que o The Lion’s Song
seja um sleeper hit, mas foi um jogo que me caiu no colo e me deixou encantando
com a subtileza do enredo, com as personagens reais que me vão deixar umas
saudaditas. E por falar nisso, apesar de o jogo se passarem 1900 e troca o
passo fez-me sentir falta de Viena. Já estive em alguns locais do jogo e
conheci um pouco da sua história. Imediatamente fui falar com o meu amigo que
ainda lá reside e irá ficar. Viena é uma cidade bela, com uma cultura moderna
que come o caldo na cabeça de Portugal - e este jogo não lhe fica atrás. Na
minha história, The Lion’s Song tornou-se numa música triunfal e espero que a
minha análise reflicta isso mesmo!