Neva
Em 2018, o estúdio espanhol Nomada surpreendeu o mundo dos videojogos com o seu jogo de estreia, GRIS. Uma obra de arte onde o combate estava ausente, mas era sustentada por uma forte narrativa e arte visual conceptual toda ela cheia de cores e contrastes que conquistou críticos e jogadores de igual modo. Perante tamanho sucesso, a Devolver Digital deixou o estúdio cozinhar o seu próximo jogo durante 6 anos. Chegamos ao ano de 2024 e já bem no seu final, a espera terminou.
Neva é uma loba branca que dá o nome ao jogo e que acompanha Alba numa aventura emotiva onde percorremos as várias estações do ano, servindo as mesmas para marcar as várias fases de crescimento de Neva. Sempre com Alba ao seu lado servindo de figura de referência e de exemplo, servem os eventos do início do jogo para catapultar ambas as personagens para o confronto com um organismo que invade o seu mundo, apoderando-se de tudo o que lhe dá vida.
As comparações com GRIS poderão até ser inevitáveis, mas apesar das muitas semelhanças, também são muitas as diferenças. GRIS era um jogo sobre a morte, o luto e as suas várias fases enquanto Neva é sobre a vida, o crescimento, a aprendizagem mas, acima de tudo é sobre a simbiótica relação entre pais e filhos e isso está bastante patente durante as aproximadamente 4 horas que dura o jogo a terminar.
Foi uma viagem muito emotiva em termos narrativos. Talvez tenha sido por também estar a experienciar esta história na condição de pai, mas mesmo que não seja esse o caso para todos os que poderão jogar este jogo, é superlativa a habilidade dos desenvolvedores em contar uma história onde Alba apenas diz uma única palavra e é o nome da loba para a chamar e solicitar interações com o ambiente que a rodeia.
Comprova-se assim a visão do estúdio Nomada que fez saber numa entrevista através do seu diretor criativo, Conrad Roset, que a principal inspiração tinha sido a sua experiência enquanto pai e muito dessa aprendizagem foi inserida na narrativa e no desenvolvimento das personagens principais. Referiu também que será (e foi) fácil notar nas semelhanças entre Neva e Trico (The last guardian).
Referi anteriormente que não existem muitas falas neste jogo e perante tal ausência o motor da narrativa acaba por ser toda a arte visual que, desenhada e pintada à mão, faz nascer um mundo que oferece ao jogador uma explosão de cores e de contrastes, constrói uma narrativa conceptual que mesmo sendo de fácil entendimento, revela inteligência na sua simplicidade e faz um ótimo trabalho quer a contar a história, quer a construir as bases para a jogabilidade.
A paleta de cores é muito diversa e a inclusão na narrativa das quatro estações do ano é a principal responsável por isso, levando a que seja explorado todo o espectro de cores à medida que vamos passando pela representação visual das mesmas e que servem de pano de fundo a esta história.
Acompanhando todo este deleite visual que dá que fazer à nossa retina, está uma banda sonora que dá destaque aos momentos de tensão mas também empresta tranquilidade nos momentos mais íntimos entre as duas personagens e amplifica a contemplação visual nos muitos grandes planos que o jogo apresenta. Um excelente trabalho da banda catalã Berlinist que no seu reportório já conta com vários trabalhos na indústria dos videojogos tais como GRIS, Moncage ou Wordless.
A mobilidade e a suave travessia que as personagens fazem pelos vários níveis e a resolução de puzzles ambientais que puxam pela destreza são já marca registada no que toca à jogabilidade nos jogos do estúdio Nomada e podemos mesmo dizer que será aqui que residem as maiores semelhanças a GRIS.
Seja vertical ou horizontalmente temos à disposição toda uma panóplia de obstáculos e puzzles que, de certa maneira, já tivemos oportunidade de experimentar no primeiro jogo do estúdio, mas que aqui aparecem em versão 2.0, com ideias mais maduras e experimentadas, mantendo a vontade de surpreender e aproveitar o facto de termos mais uma personagem em cena e ganhar ainda mais variedade na apresentação de obstáculos ao jogador.
Novidade nos jogos destes desenvolvedores é a aparição de combate como mecânica no jogo.
Simples, aparece quase de uma maneira experimental com apenas um botão disponível para o fazer, mas com o desenvolvimento da história ganha um pouco de vida com Alba a ter acesso à habilidade de poder incorporar Neva não só no seu combate mas também na exploração. Apesar de este aspeto em particular em si não estar tão refinado como tudo o resto, o estúdio construiu dois ou três momentos na segunda metade do jogo bastante criativos e que ajudam a enaltecer a este aspeto em particular.
Este jogo é o resultado final do processo evolutivo de um estúdio com pessoas altamente criativas que entraram com o pé direito na indústria há seis anos e que confirmam novamente os seus predicados e valências.
Visualmente conceptual, feita à não e com ênfase na representação gráfica de emoções, a narrativa é apresentada ao jogador de uma maneira sensorial e poderá transformar qualquer pessoa numa máquina de verter lágrimas, mediante a sensibilidade de cada um. Explorar e atravessar este mundo é prazeroso e os seus puzzles ambientais por vezes requerem alguma destreza, acrescentando desafio à experiência. Ficou por explorar um pouco mais o combate, que sendo simples, não é de todo um enfado, pois progride mecanicamente com o avançar do jogo embora necessitava de mais músculo para fazer frente a todos os outros aspectos mais bem conseguidos neste jogo.
Neva é facilmente recomendável e carrega consigo uma quase obrigatoriedade de ser jogado, principalmente para quem gostou de GRIS e tinha curiosidade em ver até onde o estúdio Nomada poderia evoluir a partir daí.
Neva sai no dia 15 de outubro de 2024 para Playstation 5, Xbox Series X|S, Switch e PC.
Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PC, gentilmente cedido pela Devolver Digital, via Cosmocover