The Last Guardian


Anunciado pela primeira vez há quase dez anos, o sucessor de Ico e Shadow of the Colossus chegou este ano à PlayStation 4 após muitas provas e desafios à paciência dos fãs. Nem sempre uma longa espera se traduz num acontecimento gratificante mas, no caso de The Last Guardian, poderá dizer-se que a espera foi apenas um dos primeiros testes de paciência que os jogadores teriam de enfrentar.

The Last Guardian não é um jogo como os outros. Aqui somos colocados na pele de um jovem e anónimo rapaz que acorda junto a Trico, uma criatura fantástica que combina elementos de ave, cão e gato, com a qual teremos de nos relacionar para progredir na aventura. A voz do narrador indica-nos que estamos a viver as suas memórias do tempo de criança, mas o seu tom nunca passa do comentário ao que estamos a presenciar. Ao acordar, apercebemo-nos que Trico está preso e ferido, sendo o primeiro objetivo resolver esses problemas antes de qualquer outro.


De problema em problema, o avanço no jogo é feito através da resolução de puzzles que muitas vezes nos parecem becos sem saída. O Trico é uma criatura inteligente e com vontade própria, que muitas vezes nos tenta dar uma pista dentro das suas limitações em comunicar. Outras vezes, é o Trico que não compreende o que queremos fazer ou se encontra distraído com alguma coisa. É um exercício de paciência e compreensão mútua. Este não é um jogo que se queira jogar apressadamente. À medida que vamos avançando, vamos adquirindo novas interações possíveis entre Trico e o rapaz, materializando uma ligação emocional entre ambos que cresce a cada novo desafio.

O monstro que ao início tem um ar ameaçador acaba por se tornar o nosso melhor amigo, protegendo-nos de inimigos e outros perigos. Em contrapartida, teremos de cuidar dele como se de um animal de estimação se tratasse, acariciá-lo para o acalmar e cuidar das feridas quando sofre ataques de nossos inimigos. Não cuidar bem do Trico faz com que ele também não coopere na nossa resolução de puzzles. Infelizmente, nem sempre a cooperação funciona. Em alguns puzzles mais complexos, mesmo quando já percebemos a solução, poderá ser um exercício frustrante levar o Trico a fazer o que tencionamos, o que desafia a paciência do jogador além do que deveria ser necessário para resolver um problema.


Outra componente desafiante é o esquema de controlos do jogo, tão pouco intuitivos que requerem frequentemente uma explicação no ecrã daquilo que podemos ou devemos fazer. Também o controlo da câmara tem as suas particularidades, havendo situações em que esta fica "encravada" em ângulos inesperados, obstruindo a visualização. Ambos são sistemas que parecem ter tido origem ainda no tempo da PlayStation 2 e cujo funcionamento nunca foi revisto, o que é uma pena. De facto, o jogo transparece o seu design antiquado por baixo dos gráficos de alta definição, que são de uma grande beleza mesmo que a custo de alguma fluidez a correr na PS4 standard. Por vezes, o detalhe gráfico e o realismo dos cenários dificultam a jogabilidade, tornando difícil distinguir os sítios que podem ou não ser utilizados como plataformas, mas este é um preço justo a pagar por um mundo que acaba por ser assim mais verosímil.

Com todos os seus problemas, então, como gostar tanto de The Last Guardian? Apesar da câmara, os controlos ou algum puzzle a causar certa frustração, no final de cada sessão de jogo é a ligação ao Trico que nos acompanha para o mundo real. A solidão dos cenários, a pontuação da magnífica banda sonora, o estado de alerta pelo aparecimento dos inimigos, são outros factores de excelência deste jogo, mas não há dúvida que é o Trico o elemento central a toda a experiência. Claro que, sabendo isto e considerando os anteriores jogos de Fumito Ueda, seria naturalmente de se esperar que todo o jogo fosse uma armadilha emocional para o jogador, mas este jogo existe precisamente para quem procura mais uma experiência emocional do que uma aventura épica no meio das ruínas.


The Last Guardian não é um jogo para qualquer um, exigindo muita paciência e dedicação dos jogadores. Ignorando as convenções dos jogos modernos, foca-se principalmente na ligação emocional entre os dois personagens e entre ambos e o jogador, que acaba por se sentir tão perdido nas ruínas como esta fascinante dupla. É um jogo sobre amizade e cooperação e uma das obras mais belas do ano, sendo para a PlayStation 4 aquilo que Ico e Shadow of the Colossus foram para a PlayStation 2.
Nota: Esta análise foi efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 4, gentilmente cedido pela SIEE.

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