Stellar Blade


Lembro-me bem do dia de lançamento do primeiro Bayonetta, da dor associada também pelo que sofri à espera que o correio chegasse com o jogo. Não era um jogo popular, ou tanto como é agora, passando até mesmo despercebido por muitos, mas ele era o sucessor a Devil May Cry que tanto esperava! Foi nas semanas seguintes que surge todo o hype, a ação frenética e uma personagem “sem filtros” que se exibia sem preconceito, onde a protagonista alia a sensualidade à sua postura séria, falando com escárnio enquanto torturava os seus inimigos. É-me natural traçar um paralelismo de um dos meus jogos favoritos com Stellar Blade, a mais recente aposta nos jogos de ação: ando há muito a pedir por um novo jogo de ação brilhante, a protagonista dá que falar pelos seus feitos físicos e este foi um jogo que passou despercebidos por muitos, tendo sido anunciado em 2019 como “Project EVE”, na altura para várias plataformas.


Stellar Blade é a grande estreia do estúdio Shift Up que, com o apoio da SIE/PlayStation nos trazem um jogo de ação agora exclusivo para a PlayStation 5, lançando-nos o desafio de aniquilar inimigos uns atrás dos outros. A narrativa é simples: a Terra é um cenário pós-apocalítico onde os humanos encontram-se à beira da extinção, num planeta destruído por uma espécie de monstros impiedosos chamados de Naytibas. EVE, a nossa protagonista, é uma das inúmeras guerreiras que têm como missão erradicar estas criaturas, que rapidamente se vê sozinha a enfrentar este mundo. Toda a sequência inicial do jogo cativou-me, o caos e a destruição andam de mãos dadas enquanto via todo um exército de personagens irrelevantes a cumprir o seu propósito, o de serem esquartejados e empalados no ecrã, entregando um modesto banho de sangue que me deixava a pensar “isto promete”!

Estes primeiros minutos são bastante diferentes do que viria a acompanhar nos momentos seguintes, que na realidade é quando começamos mesmo o jogo. Do caos passava para uma cidade moribunda, calma, mas destruída, onde pequenos inimigos me deixavam habituar-me aos controlos do jogo e às suas principais mecânicas. Foi aqui que via a jogabilidade em condições, seguindo as recentes tendências que tudo tem de ser, ou tenta ser, um soulslike, fugindo então ao meu sonho de ter um novo Devil May Cry. Já há muito que via isto acontecer, os trailers e apresentações davam foco nas mecânicas que encontramos num Dark Souls, onde em vez de combinações frenéticas onde deixamos os inimigos indefesos, estamos perante um jogo onde prestamos sempre atenção aos seus movimentos, desviando-nos ou defendendo no momento certo para contra-atacar, onde um bloqueio certeiro resulta num parry e um desvio no segundo ideal faz-nos fugir de um ataque fatal. Se formos bem sucedidos ao fim de uns quantos bloqueios somos recompensados ao colocar o inimigo indefeso, podendo-o matar num só golpe ou retirar imenso dano, caso seja um boss.


Se jogaram Sekiro vão sentir-se em casa, o jogo de bloqueios constantes acompanha-nos do início ao fim, onde é recomendado dominar isto. Stellar Blade dá o seu toque ao género acrescentado todo um leque de combinações de ataques e movimentos, que os conseguimos fazer através de um golpe normal e forte. Não é algo extenso, dei por mim a usar apenas duas combinações o jogo todo, onde uma era quando estava frente a frente com um adversário, enquanto que a outra combinação era para lidar contra grupos de vários inimigos. Não senti precisar fazer mais que isto, o que juntamente com os Beta Skills, ataques especiais que ia aprendendo e melhorando aos poucos eram mais que o suficiente para lidar com grande parte dos combates. A chave está mesmo no parry, mecânica bem simples de aplicar até porque a previsibilidade dos inimigos era elevada. Mas muito mesmo, entre padrões de ataques previsíveis com poucas variações, mesmo quando por vezes o timing dos movimentos era estranho até me habituar, em poucas horas senti que já estava capaz de enfrentar tudo e todos!

Até porque dificuldade não foi algo que senti durante o jogo. Vá, houve coisas difíceis e principalmente frustrantes na jogabilidade, já chego lá. Com dois modos de dificuldade apenas podemos escolher entre Normal e Story, este sendo o “Easy mode” para quem quer simplesmente avançar com o jogo e ver a sua história, ou não esteja propriamente habituado a jogos do género, modo este que conta ainda com uma ajuda adicional que é transformar os momentos de desvio e bloqueio em Quick Time Events para ser ainda mais fácil lidar com a ação. Não dá para escolher o modo de dificuldade Hard, pelo menos antes de acabar o jogo, sendo que senti falta do derradeiro desafio que estou habituado noutros souslike. Também tenho muito pouco incentivo em jogar novamente só para usufruir da dificuldade Hard, embora o esteja a fazer agora, mas não poder saltar as cutscenes entre coisas que podia já ter desbloqueado (como fatos), talvez vá jogar Stellar Blade na eventualidade de surgir uma atualização com New Game +. Até porque há coisas no jogo que quero explorar com mais detalhe, como mecânicas nos inimigos que me pareceram exclusivas da dificuldade em Hard.

Como dizia, existem coisas difíceis, frustrantes, mas não do género em que falhava uma mecânica contra bosses que me dá pica para ir lutar novamente em seguida. É triste, mas por muitas vezes os combates contra 3 ou mais inimigos básicos era mais difícil que a luta contra alguns bosses, até porque houveram bosses que matei à primeira… Mas contra grupos de inimigos comuns? Foram várias as vezes em que me defendia de um, só para ser atingido de imediato por outro ataque e sem poder escapar da situação, onde tudo piorava quando estava em espaços fechados onde a câmara também não era a melhor. Fora estes momentos, os combates contra bosses, os Elite ou Alpha Naytibas, estão muito bem conseguidos, onde tudo parece orquestrado e soube bem defletir vários ataques seguidos, desviar-me de outros ataques ou tirar partido de habilidades que fui ganhando ao longo do jogo. E, sim, ainda usei o famoso Skin Suit que “despe” EVE, à procura de um aumento de dificuldade, só que este desafio é completamente artificial, onde a única coisa que faz é eliminar um escudo que EVE tem, barreira protetora esta que num jogo normal desaparece após sermos atingidos por alguns ataques e, mesmo sem ela, não quer dizer que morremos logo se formos atingidos.


A estrutura soulslike está ainda mais assente no modo como funciona a exploração do jogo, toda ela feita com base em saltar de save point em save point, Supply Camps que funcionam como as bonfires em Dark Souls, aqui também equipadas com uma loja para comprar itens, máquinas onde melhoramos os nossos ataques e uma simples cadeira onde recuperamos a vida toda, isto que depois faz respawn a todos os inimigos normais que havíamos morto até então. Não contamos é com elementos RPG, EVE está equipada com uma espada apenas desde o início do jogo que vamos melhorando o seu ataque, a barra de vida e de ataques especiais vai aumentando à medida que encontramos determinados itens no mapa. Idem para as poções, que começamos com 3 e aumentam à medida que progredimos no jogo e recuperamo-las quando descansamos num Supply Camp. Há outros itens, como poções adicionais, minas e granadas que consumimos e precisamos de comprar mais, mas, honestamente, dinheiro nunca foi coisa que me faltou no jogo.

A inspiração mais forte neste jogo nem é com base num dos vários jogos da From Software, mas NieR:Automata. Tendo jogado (e adorado) a obra de Yoko Taro é muito, mas muito difícil não ver todas as referências que se baseiam para Stellar Blade, o que por vezes se tornou gritante. Começamos pela banda sonora que, por muitas vezes parecia mais cópia do que uma simples inspiração, com músicas muito idênticas à aventura de 2B enquanto ela explorava cenários onde a civilização havia sido erradicada. O mais gritante é capaz de ser a história, sem entrar em muitos detalhes, pareceu usar referências “a mais”. Também em Stellar Blade contamos com um Pod flutuante que nos vai ajudando a percorrer os mapas, fazendo um scan ao cenário à procura de itens, cadáveres para extrair dados e ainda inimigos, o que parece meio inútil até certo momento no jogo em que ele o podemos usar como uma arma, munida com alguns tipos de projéteis, implementando uma certa jogabilidade de shooter que deixa algo a desejar. É com esta jogabilidade de tiros que parece que foram buscar outra inspiração, a de Resident Evil (os mais recentes), tentando criar momentos de terror no jogo com cenários mais fechados onde não é possível usar a espada de EVE, juntamente com jumpscares fáceis e espetáveis. Também tal como este clássico da Capcom, contamos com alguns quebra-cabeças que pouco ou nada trazem aqui.


São nestes pontos que surge aquilo que mais me chateou em Stellar Blade… Parece querer copiar jogos e coisas diferentes sem se tornar excelente em qualquer uma delas, tentando jogar pelo seguro sem nenhum risco. Depois há algumas coisas como a história que consegue ser demasiado previsível, com momentos narrativos que parecem colados a cuspo e espera que fiquemos chocados com um imprevisível mais que óbvio. Mesmo EVE, a cara de Stellar Blade é uma personagem que nos primeiros momentos do jogo assume o papel de jovem protagonista inexperiente, mas literalmente minutos depois (um dia, em tempo de jogo) é uma figura séria, estoica, bem mais madura que infelizmente não evolui muito mais que isso, no decorrer da história. Fora o seu corpo sexy em que o jogo sabe muito bem fazer questão de o mostrar por vários momentos, EVE é uma personagem desinteressante, o que me faz pensar e comparar com Bayonetta, como essa personagem evolui no primeiro jogo, ela que nunca perdia uma oportunidade, mesmo em momentos sérios, de fazer uma pose atrevida ou fazer algo “chocante”.

Se há algo em que Stellar Blade tem valor, fugindo a todas as influências que parece ter ido buscar, é ser um jogo muito, mas muito divertido. Mesmo que o tenha achado fácil deixou-me empolgado, com missões opcionais que fiz questão de tentar concluir o máximo possível, dando-me a conhecer um pouco mais sobre o mundo do jogo e todas as personagens que lá habitam, levando-me ainda a fazer limpar o mapa de uma ponta à outra, à procura de tesouros escondidos. Infelizmente conta com muitos momentos mortos, muito devido a um par de cenários mais abertos onde caminhamos o tempo todo e nada acontece, problema que desaparece a partir do momento que descobrimos mais Supply Camps e cabines telefónicas que nos permitem transportar em segundos entre sítios. Fora isso muitas das áreas e cenários são bem interessantes, que fora as zonas de deserto que me parecem todas iguais temos locais que nos deixam bem impressionados, que acompanham muito bem a sensação de aventura até aos créditos do jogo. No final contamos diferentes conclusões para a história, o que também não querendo entrar em detalhes, não foram assim tão bem implementados embora tenha ficado curioso com o que acontece nos outros.


Somos recompensados pela exploração, há missões que desbloqueiam mecânicas adicionais, como a de poder mudar o corte de cabelo de EVE. Outras dão itens valiosos ou até mesmo roupas, muitas delas que parecem ter sido compradas numa loja de segunda mão em desconto, entre fatos que parece que colaram a cabeça de EVE num corpo diferente, coisas que reparo quando percorria a lista de roupas para escolher a melhor. O melhor é mesmo conhecer o leque de personagens mais chegadas, algumas bem mais interessantes que a própria protagonista, que mesmo com dramas parvos conseguiram cativar-me para concluir a sua missão o mais rapidamente possível, indo a correr quando sabia ter uma nova missão com elas.

Foram precisas cerca de 25 horas para chegar aos créditos do jogo, mas não fiz tudo e há coisas que quero explorar mais a fundo, agora que sei o que acontece no jogo e posso esmiuçar todos os mapas ao pormenor, se bem que talvez espero mesmo por uma atualização ao jogo que inclua um New Game + em condições, que me permita jogar em hard e, pelo menos, fazer skip às várias sequências que já conheço o seu desfecho. Não há nenhuma recompensa propriamente dita para o jogar novamente, nem sou de andar à caça das Platinas nos jogos, só que sinto que esta não é mesmo a última vez que vá jogar o jogo, só descansando quando fazer tudo, mas tudo o mesmo o que o jogo tem para dar.


Concluindo, Stellar Blade é uma nova e grande aposta por parte de um estudo sem grande experiência aparente, um projeto suportado pela Sony que ainda vai dar que falar, mesmo que seja pelo aspeto físico de EVE do que propriamente pelo muito divertido jogo que temos aqui. Visualmente bem trabalhado, mas que nada faz de extraordinário ou se destaque face a outros títulos na PlayStation 5, mas todo o jogo é fluído, sem grandes pontos de performance a apontar (ou terem-me marcado). Fica em aberto se será uma nova série ou não, mas cá espero por uma sequela, aprimorada e conseguir destacar-se por mérito próprio, mais que as várias influências que parece ter absorvido!

Nota: Análise efetuada com base em código final do jogo para a PlayStation 5, gentilmente cedido pela SIE.

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