Pacific Drive

Quando fiz os meus 18 anos (há muitos, muitos anos atrás...) o meu pai deu-me um carro como prenda.
Um Volkswagen Jetta azul, bem velhote e equipado com muitos truques e manias. Todos à minha volta tinham um nome para ele; “tanque de guerra” e “trator” eram os mais populares. Nunca achei que esses nomes eram depreciativos… Sim, era velho, e não, não era muito bonito, mas cumpria com distinção (e algum temperamento) a sua função de deslocar a minha pessoa onde a minha pessoa queria ser deslocada. À parte de um pneu furado e de necessitar de meter água de tempos a tempos era dar à chave e seguir viagem. Esteve cerca de cinco a seis anos na minha mão e obviamente que são muitas as memórias que tenho dele e que guardo com muito carinho.

Todas estas memórias e sensações foram despoletadas a jogar este Pacific Drive, o primeiro jogo do estúdio Ironwood. Um jogo survival onde a sua maior valência curiosamente recai na sua vertente mais narrativa que nos leva às extensas, sempre misteriosas e densas florestas do noroeste do continente norte-americano. Cenário que ao longo dos tempos foi sempre fonte de inspiração de histórias macabras e sinistras. Alan Wake vem logo à memória coletiva da nossa tribo, obviamente.

Em Pacific Drive nós somos simplesmente o condutor. Sem nome nem passado, somos claramente aquele tipo que está no sítio errado, à hora errada e que de um momento para o outro se torna na peça central de uma crise para a qual nada contribuiu mas que será dele a surgir a solução para o problema.
Não estamos sozinhos e o nosso fiel companheiro acaba por ser uma carripana que tem todo o ar de pertencer num parque de um qualquer sucateiro, mas que nesta estranha Olympic Exclusion Zone ganha vida (e até certo ponto, uma personalidade própria) e se torna na peça central do enredo e entidade à qual vamos dedicar a maior parte do tempo de jogo. 

A Olympic Exclusion Zone é basicamente uma "twilight zone" resultante de um conjunto de experiências falhadas. Com vários biomas, é uma espécie de triângulo das bermudas donde, até à nossa chegada, nunca ninguém conseguiu de lá sair e quem por lá anda claramente não bate nada bem da caixa dos pirolitos. O pior (e também o melhor) disto tudo é que são essas mesmas pessoas que nos guiam por este cenário que tem tanto de misterioso como de belo e que dão cunho humorístico, por vezes até algo delirante, a todos os seus diálogos e interações.

Uma coisa é certa, a Olympic Exclusion Zone não nos quer lá. Ou pelos menos não quer lá o nosso carro, pois é a ele que todas as adversidades são dirigidas. Desde drones que nos perseguem e nos atiram aleatoriamente para fora da estrada, anomalias radioativas, furacões, zonas de gás que corroem as peças da viatura, pequenas bolsas de ar que nos mandam pelos ares, torres de eletricidade ou até "pessoas" que explodem, existem um número bem generoso de defesas que esta zona tem e que utiliza sem dó nem piedade contra nós. De todas estas ocorrências a minha preferida foi uma espécie de bola com espinhos que se agarrava ao carro fazendo com que tudo funcionasse ao contrário e de forma aleatória tornando momentaneamente o carro em alguém que acabou de passar os últimos 3 dias da sua vida num qualquer Boom Festival a consumir freneticamente produtos de origem duvidosa. Hilário, mas ao mesmo tempo, frustrante.

Para sobreviver a tudo isto o nosso "boguinhas" precisa de muito amor e carinho. As agruras de cada viagem que fazemos fazem-se sentir na chapa do mesmo e cada vez que chegamos à nossa garagem já sabemos que vamos passar a próxima meia hora armados em bate-chapas e pintores de forma a por aquela máquina de guerra pronta para mais uma batalha. E são muitas! Tantas que em fases mais tardias do jogo este ciclo de viagens constante acaba por atropelar aquilo que era inicialmente um prazer e uma oportunidade de descoberta para se transformar em algo demasiado repetitivo e algo aborrecido.

Já sabemos como funcionam estes jogos de sobrevivência; gestão de recursos, gestão de inventário e com muita exploração à mistura. Neste jogo a procura de peças e materiais é constante, pois o carro não se arranja sozinho e mesmo que sejamos super cuidadosos por vezes (muitas vezes) o troço não tem saída física e temos de utilizar uma saída alternativa que nos teleporte para a nossa garagem. Esta mecânica especifica é o momento "Fortnite" deste jogo, pois ao ativarmos este teleporte temos X tempo (e é um X curto) para nos dirigir à anomalia criada por nós ao mesmo tempo que se cria uma bolha que engloba toda a zona onde estamos e que rapidamente vai diminuindo de tamanho. Escusado será dizer que saindo fora dela coisas más acontecem a nós e ao carro. Eu ADOREI a injeção de adrenalina que este momento proporcionava, pois deixava de haver estrada e obstáculos e ia tudo à frente até chegar ao destino. Ao mesmo tempo que ia tudo à frente, as peças do carro iam ficando para trás. 

O estúdio Ironwood sempre deixou bem vincada a sua vontade de oferecer ao jogador o máximo de imersão nesta proposta e isso faz-se sentir um pouco por todo o jogo. Ajuda todo o ambiente visual que nos rodeia e a banda sonora que acompanha a nossas travessias, mas o destaque principal neste campo acaba por estar embutido nas mecânicas de jogo. Pegar no carro e acelerar por aí fora tipo Forza Horizon é para meninos. Aqui carregamos no botão para abrir a porta, fechar a porta, dar à chave, puxar travão de mão, ligar o limpa vidros, usar o rádio e podia estar aqui mais 2 linhas de texto que não conseguia descrever tudo... TL;DR Se saírem do carro numa zona com declive e não travarem o carro, da próxima vez que olharem para trás parece-me bastante óbvio que ele não vai lá estar. E também não deixem coisas ligadas desnecessariamente porque a bateria também se gasta. Olho aberto amigos, olho aberto. A rapaziada da Ironwood foi tão a fundo na imersão que, inicialmente, até salvar o jogo era um luxo e não acontecia sem que o jogador levasse algum tipo de penalização. Algo que entretanto já foi corrigido após alguma frustração por parte da comunidade.

Pacific Drive junta-se com justiça e distinção ao panteão dos jogos de exploração e sobrevivência onde já moram clássicos como Subnautica ou Outer Wilds. Imersivo, cativante e com uma beleza muito própria, agrega em si todos os elementos que por norma cativam os amantes hardcore deste género.

As florestas densas e escuras do noroeste norte-americano provam ser o cenário ideal para piscar um pouco o olho a quem gosta de estar sempre em bicos dos pés à espera daquilo que possa estar na próxima curva mas sem que daí possa sair grande susto, podendo assim aproveitar para apreciar as paisagens e o excelente nível gráfico e artístico que o Ironwood nos oferece.

Alguns problemas técnicos no PC (que entretanto foram resolvidos!), um sistema de gravação de jogo nada amigo de quem apenas pode fazer sessões curtas e tem pouco tempo para jogar (que entretanto já foi suavizado!) e alguma sobrecarga de mecânicas e sistemas de progressão que podem melindrar o jogador mais casual mas incentivo a que ultrapassem essas barreiras para que possam desfrutar de uma experiência diferente e de uma história bem interessante. Ah! E também ser figura parental, amigo, inimigo e mais o que for... de um chaço velho que durante umas boas 20 horas vai precisar de todo o vosso amor e carinho.

Nota para curiosos: depois disto tudo, fui à garagem do meu pai onde o "tanque de guerra" agora está a gozar a sua reforma e mesmo depois de tanto tempo parado, foi só dar à chave e estava pronto para sair para a estrada. Máquina!

Pacific Drive saiu no dia 22 de fevereiro de 2024 e está disponível para PS5 e PC.


Nota: Análise efetuada com base em código final para PC, gentilmente cedido pela Cosmocover.

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