The Legend of Zelda: Breath of the Wild


Portento: Prodígio, maravilha; coisa rara, insólita. – Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]

Dizem que a língua está diretamente relacionada com a nossa maneira de percepcionar as coisas. Não conseguimos descrever facilmente um conceito para o qual não tenhamos uma palavra e isso torna-se particularmente difícil quando diariamente desvalorizamos palavras que deveríamos poupar. "Fantástico, incrível, brutal!" tornou-se o novo normal à conta do bombardeamento publicitário: se um iogurte de aromas é incrível, o que dizer então de algo que realmente nos fascina e surpreende?

Ao fim de três décadas após o lançamento do primeiro jogo na Nintendo Entertainment System, a série Legend of Zelda é ainda hoje uma das mais admiradas no mundo dos videojogos. Há imensos factores que contribuem para isso, mas um dos principais será certamente a capacidade da série em reinventar-se e quebrar convenções. Muitas vezes, as suas próprias convenções. O meu primeiro da série foi A Link to the Past (SNES). Na altura, parecia-me um jogo infinito, uma aventura que talvez nunca tivesse fim pois dominava o meu imaginário. Seria possível fazer-se um Zelda melhor? Ocarina of Time trouxe na Nintendo 64 a resposta a essa questão com uma transição para o mundo 3D que estabeleceu também um novo standard para o que deveria ser um jogo de aventura. Ainda hoje, Ocarina of Time é considerado um dos melhores jogos de sempre, o que não impediu a série de continuar a produzir títulos excelentes. A grande dificuldade da série está aqui. Como pegar num género que ajudou a estabelecer e, ainda assim, fazer-nos pensar que nunca jogamos nada assim?

Eis The Legend of Zelda: Breath of the Wild.


Tendo sido originalmente anunciado em 2014 para a Wii U, Breath of the Wild acaba por chegar em simultâneo à Wii U e à Nintendo Switch, precisamente no dia de lançamento da nova consola - é esta última a versão em consideração nesta análise. A consola acaba por ser irrelevante para aquilo que o jogo representa, mas as características da Switch e a possibilidade de o jogar em qualquer lado fazem desta a plataforma ideal para um jogo em mundo aberto que a Nintendo carateriza como uma "aventura ao ar livre".

Ao iniciar o jogo pela primeira vez, não temos qualquer ecrã de introdução. Partimos de imediato para o início da história, onde assistimos ao despertar de Link num local misterioso após um sono de 100 anos. Link não envelheceu um dia, mas parece não ter qualquer memória dos eventos ocorridos no passado. Chegando ao exterior, somos imediatamente com a magnífica paisagem que serve de postal ilustrado do mundo de Hyrule. A vista do Great Plateau desperta imediatamente a curiosidade para explorar o mundo, enquanto Link contempla as ruínas do que outrora foi um reino grandioso. Subtilmente, a câmara mostra um personagem nas proximidades, uma das poucas vezes em que o jogo dá uma sugestão do que se deve fazer.

O Great Plateau é um local reservado do reino de Hyrule e serve como uma espécie de tutorial. Uma pequena amostra onde ainda assim será possível perder horas a fio em exploração com toda a liberdade do jogo. Link terá primeiro de superar alguns testes para poder abandonar o local. Ainda assim, a explicação do que deve fazer é sempre deixada ao mínimo essencial: a utilidade das torres e dos "shrines", a função das ferramentas e princípios básicos de sobrevivência. O resto, será o jogador a aprender por si. Assimilados os conceitos essenciais, deixa de haver qualquer restrição. Agora com o Paraglider em mãos, resta escolher uma direção, saltar fora do Great Plateau e explorar o Reino de Hyrule.


Explorar, explorar, explorar. O território é tão vasto e diversificado, que o difícil será escolher para onde ir. Para ajudar, existe um sistema de "missões" que permitem avançar na história, mas que não se processam de forma linear. Um jogador pode simplesmente chegar a um local e descobrir a sua história sem que alguma missão o tenha encaminhado nesse sentido. Podemos dizer que, de certa forma, até a história faz parte do sistema de exploração. Para além dos eventos desencadeados pelo despertar do Link, há toda uma história para descobrir acerca dos eventos de há 100 anos, quando a grande Calamidade Ganon causou a destruição do reino. Duas histórias em tempos distantes mas diretamente relacionadas: para enfrentar a Calamidade no presente, há que compreender o que correu mal no passado.

Surpreendentemente, uma história dispersa desta forma consegue também ser a melhor realizada na série Legend of Zelda, graças à força das sequências de animação complementadas pelo trabalho de voz - algo inédito na saga. Sem querer estragar qualquer surpresa, pode dizer-se que a história é muito mais presente no jogo do que os trailers e anúncios oficiais deram a entender. Há muito mais personagens, vilas e outras localizações do que se pode imaginar no início do jogo, ao contemplar a vista do Great Plateau. Nem tudo são ruínas e destruição.

É comum promover-se um jogo de mundo aberto com a promessa de se poder ir a qualquer lado que se veja, mas é muito raro um jogo cumprir essa promessa de forma satisfatória. Em Breath of the Wild, há sempre qualquer coisa para descobrir até nos cantos mais recônditos, seja um "shrine" ou um tesouro, um Korok escondido ou um inimigo temível. A recompensa da exploração nunca fica limitada às vistas – embora estas também valham muito a pena.


Quanto mais alta a localização, maior é o alcance da nossa visão, permitindo-nos encontrar locais de interesse a visitar a seguir. A tecnologia ancestral dos Sheikah destaca-se pelo brilho néon laranja e azul, sendo fácil identificar à distância a localização de torres e "shrines" ainda por visitar. As torres são uma espécie de posto de vigia regional onde é possível obter um mapa detalhado das localizações. Contrariando um lugar comum dos jogos de mundo aberto, o mapa contém somente a representação e o nome dos locais. Compete ao jogador preenchê-lo da forma que mais lhe convier com diversos ícones para assinalar pontos de interesse.

Já os "shrines" são pequenos testes que estão espalhados um pouco por todo o mundo e, no seu interior apresentam os mais variados desafios. Os iniciais, que se encontram no Great Plateau, serão de exploração obrigatória, pois introduzem as quatro grandes runas tecnológicas do jogo: Remote Bombs, Magnesis, Stasis e Cryonis. Todos os outros desafios são opcionais e irão tirar partido de uma ou várias destas habilidades, além das caraterísticas do motor físico do jogo. Em muitos deles, não há uma solução correta, a resolução dependerá da criatividade e desenrascanço do jogador. Alguns, no entanto, conseguem ser particularmente difíceis e obrigar mesmo a pensar "fora da caixa". Outros apresentam o desafio no mundo exterior, sendo tão complexos de alcançar que oferecem a recompensa pelo simples facto de se ter conseguido entrar.

As tradicionais masmorras e templos da série foram substituídas por um novo tipo de desafio. Há uma equivalência na complexidade e duração destes novos desafios, mas a estrutura e o tipo de raciocínio que exige é completamente diferente. Sempre houve uma facilidade implícita em Legend of Zelda, a partir do momento em que se descobre o tipo de item que resolve quase todos os problemas de uma masmorra. Aqui, embora exista uma temática inerente a cada desafio, a resolução não passa por um item específico mas sim pela utilização das diferentes runas e o aproveitamento do motor físico, o que faz com que sejam bastante mais difíceis: o pensamento que sempre ajudou a resolver problemas pode agora estar a levantar obstáculos.


Breath of the Wild é o jogo mais difícil de toda a série, ou pelo menos o mais difícil desde os da NES. Além dos desafios que nos obrigam a pensar de forma diferente, os inimigos são realmente ameaçadores. Mal saltamos fora do Great Plateau, é provável darmos de caras com um monstro cujas capacidades estão bastante acima do que estaríamos à espera. Ao enfrentar um grupo de inimigos, todos tentarão atacar assim que tenham oportunidade, em vez de ficar à espera da sua vez. Se encontrarem armas pelo chão ou fogo nas proximidades, não hesitarão em utilizar o que têm à mão contra o Link. Muitas vezes, a abordagem ao conflito deverá ser cuidadosa e envolve observar o meio em redor para perceber o que podemos usar em nosso favor. Haverá explosivos? Objetos metálicos que reajam ao Magnesis? Podemos cortar uma árvore de forma a cair na cabeça do adversário?

No núcleo deste jogo está um motor físico impressionante que convida o jogador a explorar o mais variado tipo de interações. Todos os objetos têm propriedades físicas e químicas que podem e devem ser aproveitadas nas mais variadas situações. Muita diversão do jogo vem da descoberta destas características que podem envolver sequências bastante complexas. Alguns exemplos muito simples são os alimentos que ficam cozinhados se forem atacados com fogo, assim como a relva irá propagar as chamas com o vento. Podemos cortar uma árvore para abrir um caminho, ou usar a sua madeira para montar uma fogueira. As possibilidades são imensas e só pedem alguma criatividade.

Com alguns inimigos, no entanto, o melhor é esquecer por momentos a criatividade e fugir para bem longe da sua vista. Esses terão de aguardar pelo regresso do Link já melhor equipado para uma rápida vingança. A força bruta também funciona, desde que se esteja bem preparado!


A gestão do inventário é crucial nesta aventura, visto que as armas podem quebrar e o espaço de armazenamento é escasso. Durante a aventura, é possível encontrar vários Korok escondidos pelo mundo, normalmente em locais de baixa acessibilidade ou onde algo parece estar fora do sítio. Como recompensa, estes oferecem sementes que poderão ser posteriormente trocadas por mais espaço no inventário. Da mesma forma, é possível encontrar personagens que permitem melhorar e até personalizar a cor do equipamento. O jogo recompensa os exploradores, mas também oferece algumas facilidades, como vários itens que podem ser obtidos com a utilização das figuras amiibo da série Legend of Zelda.

Uma novidade que este jogo traz à série é o sistema de gravação automática, muito conveniente tendo em conta não só a probabilidade de se morrer em combate mas também a portabilidade da consola Nintendo Switch. A consola oferece uma autonomia de 3h com este título e entra automaticamente em modo de descanso para preservar o progresso do que se estiver a jogar, mas é sem dúvida uma grande segurança saber que o jogo vai gravando sozinho, até porque a qualquer momento podemos ter de interromper uma sessão de jogo portátil.

Esta análise foi efetuada numa Nintendo Switch com o firmware original tanto da consola como do jogo, sem quaisquer atualizações. Ao jogar com a consola no Modo TV, encontrei alguns problemas de performance em locais mais densos, normalmente florestas com muita vegetação. Aqui, o framerate do jogo baixa consideravelmente, o que afecta a experiência de jogo. Durante os testes, reparei que ao jogar em modo portátil o mesmo já não acontece, ou acontece a uma escala insignificante, o que indica que este título está melhor optimizado para a consola a correr no modo portátil a 720p com 30fps do que no modo TV a 900p com 30fps. Uma situação que, esperemos, será melhorada em futuras atualizações.


O mundo de The Legend of Zelda: Breath of the Wild é simplesmente colossal, com tanto para ver e para fazer que esta nos parece uma aventura sem fim. A verdade é que, durante o período de análise, em mais de 30h dedicadas a este mundo não consegui ver nem metade do seu conteúdo, com vastas áreas ainda por visitar. Entre seguir a história principal, completar missões secundárias e os desafios dos "shrines", além da simples curiosidade em descobrir o que haverá em certas zonas, posso afirmar com confiança que há conteúdo para mais de 100h de jogo se quiserem tirar o maior partido deste título. Não há uma forma correta de jogar e, a partir do momento em que deixamos a área inicial, Hyrule é uma enorme "sandbox" onde somos convidados a fazer o que bem nos apetecer. Se apetecer apenas ver a história, também não haverá problema com isso.

Mais importante que se tratar de um mundo vasto, é o quão interessante ele consegue ser. Muitas vezes poderá ser um desafio chegar a um qualquer lugar, mas será quase sempre uma experiência gratificante. O papel da banda sonora, discreta, contextual, é fundamental aqui. No topo de uma montanha ou numa planície distante, tudo o que se ouve é o vento e o som dos animais. Por vezes um rugido de algo ameaçador nas proximidades. Mais do que a história e a ação, os personagens amigáveis e os inimigos, o melhor do jogo é quando nos perdemos simplesmente pelo mundo, sem destino, à descoberta.

A sensação de explorar o mundo de Breath of the Wild é genuinamente fascinante. Ao mesmo tempo que consegue manter-se fiel à série Legend of Zelda, oferece uma experiência inovadora na saga sem se transformar num jogo de aventura em mundo aberto como qualquer outro. Muito pelo contrário, transmite a sensação de que nunca jogámos um jogo assim. É difícil apontar um factor para tal, pois é a junção de todos os componentes que faz desta uma obra única. Este não é apenas um jogo fantástico, incrível ou brutal. The Legend of Zelda: Breath of the Wild é um portento.
Nota: Esta análise foi efectuada com base na versão final do jogo para a Nintendo Switch, gentilmente cedida pela Nintendo.
Todas as imagens que ilustram o artigo foram obtidas com o sistema de captura da consola.

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