Starfield

Existe algo imutável no mundo e que é isento de qualquer tipo de contraditório, essa verdade universal é a constatação coletiva de que o povo tem sempre razão. A maior prova disso são os nossos queridos provérbios populares. Recentemente um deles tem pairado na minha cabeça, e que a minha falecida avó tinha sempre na ponta da língua: “Quem muitos burros toca, algum deixa para trás”. Vamos falar de Starfield?

Starfield foi anunciado em 2018 como o próximo grande projeto da Bethesda. Desde essa altura frases de chavão como “nasa punk”, “podem fazer tudo aquilo que quiserem” ou “primeira franquia original da Bethesda em 25 anos” têm ecoado por todos os recantos da internet. Foram 5 anos de antecipação criados pelo estúdio e exacerbados com a compra da ZeniMax por parte da Microsoft em 2021. Rapidamente este jogo tornou-se no porta estandarte de todo um ecossistema Xbox que estava desesperado pelo lançamento de um título que potenciasse a marca, algo que até à data de lançamento de Starfield teimava em não acontecer. Mas estará à altura das expectativas?

Começamos esta aventura espacial numa mina na lua de Vectera onde encontramos um estranho artefato que ao toque nos oferece uma visão. O destino junta-nos a um grupo de exploradores, de seu nome Constellation, e com eles iremos correr o universo à procura dos restantes artefatos, juntar todas as peças do puzzle e descobrir o significado deste grande mistério.

Esta aventura arranca devagar e mantém esse ritmo até quase metade da campanha principal com a Bethesda a querer fazer com que o jogador primeiro conheça minimamente todo o extenso lore e personagens que o acompanham. Obviamente que isto afeta um pouco o nível de interesse inicial mas passando esta fase o ritmo acelera, começamos a sentir o peso das decisões importantes que tomamos pelo caminho e as missões ficam mais intensas e interessantes. Tudo para chegar a um final algo psicadélico que desperta a curiosidade e interesse do jogador e incentiva a iniciar um novo jogo no seu deveras único "New Game +".

Tipicamente o estúdio dá sempre uma grande liberdade ao jogador em relação à forma como quer abordar os seus jogos. Starfield não é excepção e além da primeira missão introdutória, não somos obrigados a seguir o caminho mais óbvio. No meu caso, fiz a campanha principal de seguida com apenas alguns desvios, aqui e ali, na minha primeira abordagem ao jogo. No NG+ tenho feito as quests secundárias (qualquer uma delas de essencial, divertida e com uma abordagem diferente às da campanha principal), prestado atenção às atividades que vão aparecendo nas grandes cidades e que vou explorando com mais afinco tendo com isso descoberto segredos e missões. Fazendo, apenas e só, a campanha principal nunca as teria descoberto.

Este jogo exige o nosso tempo e dedicação e a fazer-nos companhia estão as típicas mecânicas RPG a que o estúdio nos habituou ao longo de décadas e que tão bem têm vindo a aperfeiçoar. Desde a criação da nossa personagem, passando pela escolha das características intrínsecas e terminando na longa lista de perks e habilidades que temos à disposição, as escolhas estão sempre do lado do jogador e afetam significativamente o nosso estilo de jogo.  Independentemente disso tudo existem alguns perks que melhoram, e de que maneira, a nossa qualidade de vida. Para mim, de forma obrigatória, um dos primeiros que têm de ser adquirido é o que melhora o nosso "boost pack" pois inicialmente a nossa personagem por alguma razão tem pouco ou nenhum cardio e a barra de oxigénio desce rapidamente só com o simples caminhar e andar aos saltos pelos vistos cansa menos. Fica a dica!

Algo que nunca chega a convencer é a parte exploratória do jogo. Poucos foram os mundos em que tive necessidade de me perder a explorá-los. À excepção das localizações de destaque que encontramos em cada planeta após varrer o planeta com o nosso radar, o jogo para mim nunca valida aquilo que os seus criadores apregoavam. Tudo muito repetitivo e desinspirado. Não fosse a necessidade de farmar XP ou materiais urgentes para fabricar algum item e nem sequer me tinha aventurado muito. Diretamente ligado a toda esta mecânica da exploração e de extração de materiais temos o regresso dos outposts, oriundos de jogos com Fallout 4 e Fallout 76, que aparecem com uma cosmética obviamente relacionada com o tema do jogo, mas em tudo são semelhantes aos originais. Um sistema bem implementado e que faz todo o sentido para quem quiser explorar mais a fundo a vertente mais mercantil e que muita gente tem utilizado eficazmente, como método exploratório e eficaz de obtenção de XP e créditos.

Algo que afeta, e bastante, a imersão na exploração (até mais que os ecrãs de carregamento, que por norma até são bastante curtos) é o terrível labirinto que são os menus deste jogo. São camadas atrás de camadas de menus sobrepostos e que requerem uma dose acrescida de habituação. A Bethesda aqui ligou o "complicómetro".

AH! E já agora...

PORQUE CARGA DE ÁGUA NÃO EXISTE UM MINI-MAPA NO JOGO?!??!?!!!111111 
Para não ter de estar sempre a ir ao menu do "complicómetro"... vá lá Bethesda!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!... vá lá!


O combate é uma das grandes melhorias em relação a outras franquias do estúdio e temos mesmo um grande e variado arsenal à nossa disposição. Apesar de, na minha opinião, estar bastante superior a outros títulos da casa, falha na capacidade de dar sensações diferentes ao disparar armas diferentes. Mas nada que comprometa uma boa experiência, apenas manchada por uma IA que escala muito mal passando pelos vários níveis de dificuldade. O combate em cenários fechados esconde um pouco essa falha, mas em mundo aberto o coeficiente de inteligência não cumpre os mínimos olímpicos.

Mas nem só de tiro e facada vive o Starfield, temos também direito a combate espacial!
Confesso que era algo que aguardava com alguma curiosidade. Não sou grande especialista em simuladores deste género mas na óptica do utilizador a experiência é bastante positiva. Certo que à primeira vista parece simplista mas o facto de podermos disparar até o oponente rebentar em mil pedaços mas também fazer "lock" a áreas específicas da nave para a incapacitar e entrar para dentro dela faz com que o combate até seja um variado consoante as nossa intenções..

Existe outra mecânica associada que em teoria eu achava que ia funcionar na perfeição mas no auge da batalha fica sempre esquecida. Basicamente podemos direcionar a energia do reator da nave para onde queremos, sejam armas, escudos ou potência da nave, o que acrescenta uma outra camada neste aspecto específico do jogo. Pena é que no meio do caos da batalha, muitas vezes, ou nos esquecemos disso, ou nos atrapalhamos com as teclas. Algo a rever numa futura iteração desta franquia.


Se combater no espaço com uma nave em Starfield por vezes pode fazer-nos trocar os dedos, a construção das mesmas carrega em todos os botões certos. Um dos grandes destaques para mim neste jogo é a possibilidade de fazermos ou personalizarmos a nossa própria nave. Perdi horas no editor a “brincar aos Legos”, fosse a fazer upgrades à primeira nave, a Frontier, ou depois (e já com mais fundos) a criar uma de base. Foram horas de divertimento que me transportaram a um tempo onde, um Gonçalo bem mais novinho, brincava com peças de Lego espalhadas pelo chão do quarto, tentando inventar naves espaciais ou replicar naves que via na televisão.

Apesar de haver limitações neste sistema pois a variedade existente não permite desbloquear todo o potencial da nossa imaginação, é inegável que sentimos o impacto desta mecânica nas redes sociais com as várias comunidades e jogadores a publicarem as suas criações.Um pouco à imagem do que há uns meses atrás a Ultrahand de Tears of the Kingdom proporcionou em termos de partilha social e criatividade.

Acredito que quando a comunidade de mods virar a sua atenção para este detalhe iremos ter muito mais peças à nossa disposição e aí o céu é o limite.

Visualmente Starfield oscila entre o entusiasmante e o aborrecido ou entre o nextgen e o datado. Se por um lado conseguimos desfrutar de majestosas paisagens, ambientes ricos e que gozam de uma vivacidade muito própria, por outro temos a herança pesada de um motor de jogo que embora atualizado para a sua segunda iteração, não deixa de carregar consigo fragmentos de um passado que teima sempre a vir ao de cima.

As cenas de diálogos continuam a ficar paradas no tempo, em termos de dinamismo e emoção e esse detalhe agrava-se quando já experienciamos o salto qualitativo feito o ano passado em Horizon Forbidden West ou este ano em Baldur’s Gate 3. Em termos de construção de mundo o jogo também varia em termos de detalhe: tanto temos zonas super detalhadas em termos de texturas, como exatamente o oposto acontece e em que o caso mais gritante são as árvores “minecraftianas” de New Atlantis.

A banda sonora que acompanha toda a experiência no jogo é de excelência. Épica, mas executada de forma a não se sobrepor à experiência e sim a complementá-la. Inon Zur é quase sempre o compositor escolhido para os videojogos da Bethesda e é caso para dizer que em equipa que ganha não se mexe. A banda sonora está disponível em formato áudio para todos os jogadores que adquirem a edição premium do jogo.

A nível de performance o meu PC (AMD 3600 + RTX 3070 + SSD) preenchia no papel os requisitos recomendados para 1080p/60fps e foi isso que se verificou, à exceção de alguns momentos de combate mais intenso ou estando em New Atlantis. Aí a performance baixou para os 30/40fps. É um jogo que mete pressão no processador e na gráfica e a ausência do DLSS da Nvidia na data de lançamento, por causa de uma parceria com a AMD, pode ficar muito bonita no papel mas é tão anti-consumidor que até chateia. Mas isso são contas de outro rosário visto que é prática comum destas marcas e dos estúdios.

Em Starfield, a Bethesda quis dar tudo ao jogador mas acabou por dar apenas de tudo um pouco. A exploração existe mais em forma de espaço reservado do que uma mais-valia; o AI é penoso nas dificuldades mais baixas; o combate espacial traz mecânicas interessantes no papel mas ineficazes na prática; a ausência de mini-mapa nas grandes cidades é um pecado capital e a navegação pelos menus é das coisas mais castigadoras que se fizeram na indústria dos videojogos até à data.

Estaremos perante a explosão de uma supernova?

Nem por isso. Starfield desde o primeiro momento brinca com o nosso imaginário.
Inspirado nos grandes clássicos da ficção científica, capta na perfeição toda essa magia de conhecer novos mundos e de ir ao desconhecido. Com uma campanha bastante sólida, que demora um pouco a arrancar mas que me agarrou até ao fim, tem ao seu lado um céu de atividades e missões secundárias, bem como um leque imenso de personagens interessantes e diálogos repletos de opções que nos podem levar às mais variadas conclusões, resoluções ou situações inesperadas.

Obviamente que não nos podemos esquecer do sucesso que é a construção da nossa própria nave. Um jogo dentro do próprio jogo. Um sistema modular onde nos podemos perder durante horas sem fim e que tem feito as delícias da comunidade que orgulhosamente vai partilhando as suas criações.

Se decidirmos analisar este jogo às fatias, Starfield tem problemas em quase todos os aspetos que geralmente estão sujeitos a escrutínio neste tipo de análise, contudo torna-se num caso insólito pois no final a soma das partes acaba por dar mais do que os limites da matemática por norma permitem. Quantificar a experiência em Starfield é difícil pois é um jogo extremamente divertido, viciante e onde irei passar muito mais horas. Porém não podemos ignorar todas as maleitas que padece.

Pode não ser o melhor jogo num ano fausto em quantidade e qualidade devido aos percalços que referi mas é certamente um dos melhores jogos que a Bethesda produziu até à data e é o balão de oxigénio que o ecossistema Xbox tanto precisava.

Starfield foi lançado no dia 6 de setembro de 2023 para Xbox Series X|S e PC e está também incluído no Xbox Game Pass.


Nota: Análise efetuada com base num código final do jogo para PC, adquirido via Xbox Game Pass.

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